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Notícias e Opnião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 

Visão que o amigo Sacra me transmite:
O MONSTRO DA EUROPA

01-04-2022 - Fernando Condesso

Esta guerra não é nada comparada com a guerra que virá a seguir. E devia, antes de mais, servir como aviso para se evitar um posterior mal maior. Mas tudo indica o contrário: não só não se soube evitá-la, como ainda se procede de forma a criar condições para que, mais tarde ou mais cedo, tenhamos humilhação de países, vencidos e vencedores, ultra nacionalismos internos e ressentimentos a criar terreno para um novo conflito, mais abrangente e incendiado pelas mazelas provocadas pelo primeiro (a História a repetir-se). 

A Ucrânia foi vilipendiada. Está a ser usada como tabuleiro duma guerra maior, tratada como mercadoria descartável, passando-se por cima de vidas com a máxima ignomínia. A guerra na Ucrânia é uma fístula do projecto europeu. Na medida em que a Europa não agiu para a evitar, representa a falência da Europa política e, de alguma forma, a falência do ideal humanista, pluralista, mundividente e solidário do projecto europeu. E a resposta que dá, cobarde,  irresponsável e ignóbil, confirma essa falência: humilhação da Rússia, desprezo pelo o seu povo através duma ofensiva do "desaparecimento" do país (cancelamento de artistas, da literatura, de atletas, equipas desportivas, despedimento de pessoas - por não declararem uma posição anti Putin, ou seja, saneamento do pensamento, da liberdade de pensamento - censura de órgãos de comunicação), medidas despóticas medievelistas que fariam corar de vergonha e repúdio qualquer dos fundadores da UE.

Estão loucos? Esqueceram-se do que aconteceu com a Alemanha na sequência da Primeira Guerra e o que resultou disso? Procede com boicotes económicos que vão para lá duma resposta à guerra, visando isolar a Rússia do mundo, empobrecê-la e  aproveitar-se da situação para, no fundo, servir o amo americano no intuito deste recuperar um poder planetário que está em declínio.

Não podemos esquecer duas simples premissas: a dependência europeia do gás russo (o projecto do Nord Strem 2), e o alimentar da conflitualidade com a Rússia, via NATO, mesmo depois do fim da URSS. E é preciso atender ao facto de nunca a NATO ter posto a hipótese da Rússia fazer parte ou ter qualquer papel construtivo na Aliança, mesmo quando Putin fez a proposta. São 30 anos a alimentar animosidades com os Russos, a produzir a figura do monstro, a criar o pretexto para o que está à vista.

Só que, desta vez, o monstro antecipou-se e agiu antes que fosse tarde demais para ele próprio (o mesmo não puderam fazer Sadam, Assad ou kafafi). A Rússia tinha marcado a sua linha vermelha e, apesar disso, os norte americanos continuaram a instigar uma aproximação apoiada pela Europa. Em 2014, após o golpe de Estado na Ucrânia, temos a secretária de Estado norte-americana Victoria Nuland preparando o novo arranjo governamental para o país e a dizer "fuck de EU", ou seja "aqui mandamos nós". E a Europa a comer e calar.

Armamento, dinheiro, brigadas nacionalista para alimentar uma guerra civil contra as hostes pro-russas, e a intenção declarada de pertencer à NATO. A Rússia já tinha engolido a adesão da Estónia e da Letónia (2004), e isso já era a linha vermelha traçada em 1991.

Que esperávamos nós que a Rússia fizesse perante esta militarização junto às suas fronteiras, na antecipação da Ucrânia à adesão a uma aliança cuja génese e fundamento é a de se constituir e perdurar como força adversária... e está a vê-la vir plantar-se à  sua porta? Não devia ter a Europa assumido um papel na prevenção de todo este desenvolvimento? Que desrespeito foi este, ao longo de todos estes anos, por uma nação tão próxima, tão essencial na definição do que é a própria cultura, identidade e História europeias?

Claro que, dum ponto de vista financeiro, a Rússia foi sendo interessante e o seu dinheiro foi atravessando, de bom grado para todos, o espaço comunitário. A oligarquia russa estava muito bem inserida até agora, quando foi declarada criminosa.... só agora é que os oligarcas russos se tornaram subitamente "ladrões do seu próprio povo", como declarou a presidente da Comissão Ursula Von der Leyen.

Até dia 23 de fevereiro seriam apenas importantes investidores, mas no dia seguinte tornaram-se ladrões. Pergunto-me - aludindo à entrevista de 1 de março do João Oliveira, na RTP - se a Ursula não conhecerá também outros oligarcas que roubem povos por aí. E se esse esforço louvável de fazer justiça retendo as suas fortunas colossais, não poderia inaugurar um procedimento que nos encheria de esperança, nós os povos do mundo, pondo fim aos monopólios económico-financeiros e procedendo à distribuição justa da riqueza produzida. Mas a Europa não serve para isso.

Todos os dias me vem à lembrança a descrição que Orwell faz do equilíbrio instável das potências num mundo distópico de 1984. Entre a Eurásia, a Oceânia e a Lestásia, a guerra é permanente e tem funcionalidades várias. Precisa de ser mantida porque essa permanente acendalha, sobretudo nas zonas de fronteira, nas periferias, permite consumir e regenerar ad eternum as forças de produção e de agressão (e os interesses, a economia de guerra, consumo de excedentes, etc), canalizando para aí as tensões que permitem, ao centro, viver em relativa Paz.

E daí o postulado: "GUERRA É PAZ". Pois neste sentido, também esta guerra é dessa natureza e, consequentemente, é estúpida e inútil (sobretudo no que ao sofrimento do povo Ucraniano diz respeito). Sejamos claros: esta é uma guerra entre EUA e RÚSSIA, em que os EUA estão sentados a ver e a Europa serve as pipocas. Só se perdem as vidas de inocentes, de resto é um reciclar de matéria, de dinheiro, de energia. Neste tabuleiro de forças, o último fito, está no lucro, na vantagem, na acumulação dum grupo restrito de multimilionários, na destruição de riqueza para posterior produção de novos bens. Os oligarcas em Washington rejubilam.

O que se coloca, em última  instância, é o empobrecimento, desde logo da Rússia, para vantagem dos EUA, e logo a seguir, de todos nós (como aliás já está a acontecer... outra vez!). E temos uma Europa serviçal e inoperante, que se presta a ser a bandeja deste veneno calculista, traiçoeiro, intromissivo, quezilento, desleal, que é a política externa americana. E está a permitir que empobreçamos para gáudio desses. É que é muito fácil ter em Putin o monstro horrível que justifica todo o mal, é aliás desejável que assim seja e é nisso que se tem trabalhado desde o início.

Mas o que se está a fazer, também com a opinião pública, através da censura e da comunicação social (e os Média que temos, se são informação, o que seria se fossem propaganda...!) é tomar-nos por tolos, é alimentar a ignorância, é manipular os bons sentimentos, é explorar o horror e o medo, criar uma realidade fácil de entender (fácil não, preguiçosa), criar esse monstro que justifique toda a arbitrariedade do lado de cá e do lado de lá.

Mais tarde - e não será muito mais tarde, infelizmente - esse mal estar, essa ignorância, esse ressentimento acumulado, darão ainda mais força a ideologias nacionalistas radicaia que já se estão a afirmar entre nós (e no espaço europeu), e poderemos ter de encarar um cenário de conflitualidade ainda mais irracional e imprevisível do que aquele que temos. O monstro da Europa é a sua própria imagem reflectida num espelho.

Por que lutam os ucranianos? Pelo seu presidente? A sério?! Alguém que foi levado em braços pela comunicação social, pelo mainstream audiovisual, uma marioneta nas mãos dos poderes ocidentais, um populista que da noite para o dia se torna líder dum país...! Acreditamos neste conto de fadas, a sério?! (Ainda por cima, um conto que parece o argumento  dum mau filme... "um actor que na ficção faz o papel de presidente e depois, no plano do real, funda um partido e, no ano seguinte, torna-se verdadeiramente presidente...")

Pois esse presidente não foi capaz de prever e de proteger o seu país da actual situação, apoiado que estava sobre uns tacões de dólares? Lutam os ucranianos pela independência? Claro! E bem! Mas para isso, valerá a pena derramar sangue? Ver destruir as cidades (e as escolas, hospitais, maternidades, pontes... tudo!) Não era melhor despedir o presidente e o governo? Estão a defender-se do quê? Do papão soviético?

Isso acabou!!! A ideia de que Putin pode almejar alargar a Rússia para as fronteiras da URSS é um engodo. Ele não tem poderio económico militar para sustentar tal coisa, nem tem opinião publica favorável a isso, nem teria apoio dos países seus aliados e, muito menos, se meteria a jeito para um guerra com o ocidente (NATO). Seria totalmente irracional e suicidário. Quem se ilude com esse Putin, está a ver um monstro no mínimo burro, não o líder que Putin mostrou ser nos últimos 20 anos. Estamos a sofrer nós mesmos uma escalada sem precedentes no preço dos combustíveis por causa disto? Porque aos EUA não agrada a ideia duma Rússia forte, capaz de se impor economicamente a leste, inclusive de ser o principal fornecedor de energia à Europa? É por causa disto?! 

O melhor que pode acontecer é a Rússia ganhar esta guerra rapidamente, sem mais sangue, sem resistência e sem intromissão exterior (reforço de meios militares dos países a oeste), que a Ucrânia assuma a sua neutralidade com um governo que resulte da genuína vontade popular, e que o país se reconstrua e a vida recomece com toda a ajuda da comunidade internacional. E a Europa terá, dolorosamente, de encontrar formas de limpar a face por todo este vergonhoso episódio - esperaria eu que fosse apenas um episódio, mas isto seria na minha optimista perspectiva para o futuro.

 

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