HISTÓRIAS – XI
05-04-2019 - Henrique Pratas
Vivíamos no final da época Salazarista em transição para a Marcelista, era miúdo, gostava de jogar à bola, andar de bicicleta, trotinete e não me deixavam porque estas práticas não eram consideradas bons costumes, por isso quando nos atrevíamos a praticar qualquer uma delas e aparecia a polícia a única coisa que tínhamos a fazer era fugir para não sermos apanhados e levados para a esquadra, para além de sermos espoliados dos nossos pertences, sem qualquer tipo de justificação.
Um belo dia estava eu a jogar à bola no pátio da minha escola primária que não interferia em nada com a via pública e surge por onde menos se esperava a carrinha, creme-nívea como nós lhe chamávamos, devido às similitudes que existiam entre o referido creme e a forma como as mesmas eram pintadas.
Cada um de nós fugiu para seu lado para dispersar os polícias e eles não nos conseguirem apanhar, apesar de indignados porque entendíamos que não estávamos a fazer mal nenhum a ninguém, mas com a reação era aquela a única coisa que podíamos fazer era fugir para não nos agarrarem.
Nesse dia não tive sorte e independentemente de ter andado a ensarilhar pelo meio dos carros que se encontrava estacionados o polícia estava mesmo com vontade de me agarrar, deu-lhe para ali. Ao tempo era ágil e tentei cansá-lo com estas manobras, mas ele estava determinado em apanhar-me, não sei porquê, não lhe disse nada, “gostou” de mim e por mais que eu o ensarilhasse por entre os carros ele não desistia, pensei para comigo estou lixado desta fui dentro. A perseguição durou muito mais do que o habitual, normalmente eles não nos conseguiam apanhar corriam atrás de nós e depois desistiam, desta vez não, ainda hoje desconheço os motivos, mas não paravam mesmo estavam determinados a apanhar um de nós. Andei nestas andanças durante algum tempo como o polícia não me largasse, pensei correr em linha reta pois era esguio e naquela altura corria que se me fartava a agilidade era muita. Corri uma rua inteira fiquei a uma distância considerável do policia mas ele apesar de esfalfado não desistia, esperei por ele em ar de desafia e voltei a ensarilhá-lo pelo meio dos caros para o cansar mas ele não desarmava. O polícia não desgrudava e eu não me via livre dele, pensei o que é que podia fazer mais, pensei em subir as escadas do prédio onde morávamos, mas apesar de já ter chave de casa não podia subir e entrar em casa pois não pretendia colocar os meus pais em causa.
Pensei mal, escrevo eu hoje, não o devia ter feito, mas sabia que no cimo das escadas existiam uns jarrões enormes com flores. Tentei a minha sorte, subi as escadas de quatro em quatro degraus, para chegar lá a cima com o tempo de antecedência necessário para normalizar a respiração e me esconder atrás dos jarrões. O polícia com uma proeminente barriga, já vermelho que nem um pimentão, subiu as escadas degrau a degrau, dando-me assim tempo para descansar, normalizar a respiração e esconder-me bem, corri um risco tremendo era fácil, escrevo eu, darem comigo.
Quando o polícia chegou ao cimo das escadas, temi o pior, pensei para comigo desta vez é que vai ser, ele de cassetete em punho e com uma enorme vontade de me arrear e completamente cansado procurou, procurou e não me encontrou. Existia uma porta de acesso para o telhado e ele pensou que eu me tivesse pirado para o telhado, era doido mas não tanto. Ainda o ouvi dizer, “desta vez escapastes, mas para a próxima não te safas”. Esperei que ele descesse as escadas até que saísse para a rua, ainda foi um bom bocado, porque queria ir para casa não fosse ele estar há minha espera do lado de fora da porta da rua. Esperei o tempo necessário e suficiente para garantir este meu desejo, entretanto os meus vizinhos que se aperceberam de tudo desde o princípio mas que não se intrometeram, quando comecei a descer as escadas até ao andar onde morávamos, o 2.º, começaram a vir há porta com um sorriso sobre tudo o que se tinha passado, eles tinham-se apercebido de tudo só que não se intrometeram.
Cheguei ao meu andar, meti a chave há porta, entrei dentro de casa e fui para o meu quarto. A minha mão estanhou por me ver chegar tão cedo a casa e perguntou-me, “passou-se alguma coisa para vires para casa?”, eu com o ar mais normal deste mundo respondi-lhe, não, não se passou nada, estou apenas um pouco cansado.
Escusado será dizer-vos que nos dias seguintes quando saía há porta da rua do meu prédio olhava sempre para todos os lados para ver se existia algum polícia por perto.
Henrique Pratas
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