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HISTÓRIAS – X

22-03-2019 - Henrique Pratas

Nos meus tempos de menino, quando me deslocava para a ladeia dos meus avós fazia-o normalmente de autocarro da carreira como se dizia na altura. Ao tempo não havia Expressos, existiam sim autocarros que paravam nas vilas e cidades mais importantes, era mais moroso realizar o percurso mas era mais “saboroso” e didático, aprendia-se conhecia-se muito.

Assim a carreira saía de Lisboa em direção a Vila Franca de Xira, pela estrada nacional, chegados aqui havia uma paragem para entrar e sair passageiros e descarregar e carregar bagagem, decorrido o tempo necessário e suficiente para realizar estas tarefas lá seguia o seu rumo, com destino a Torres Novas, a carreira, passando por Castanheira de Pera, Azambuja, Cruz do Campo onde havia sempre um compasso de espera que era para carregar um “caixote”. Esta história sempre me fez muita confusão até a perceber, chegados há Cruz do Campo, motorista e cobrador bilheteiro anunciavam e solicitavam ajuda aos passageiros, em simultaneamente a necessidade de fazer uma paragem um pouco mais prolongada para proceder ao carregamento de um “caixote” que eu nunca vi e se algum dos passageiros tivesse disponibilidade para os ajudar eles agradeciam.

Tantas vezes vi isto ocorrer que um belo dia tirei-me das minhas tamanquinhas e fui ver o que era o “caixote”. Entrei no estabelecimento pelo lado errado, pois não encontrei ninguém que seguia no autocarro de passageiros, mas depressa me apercebi por onde devia ter entrado e dirige-me para onde se encontrava o motorista, cobrador e demais participantes, incluindo na altura alguns agentes da Policia de viação e Trânsito, e o “caixote” era uma linguagem utilizada como código para irem beber uns copinhos de vinho tirados diretamente do espicho de um barril, por cada utilizador, acompanhados por uns queijinhos secos do melhor que havia. Enfim tinha descoberto o que era o “caixote”, excelente justificação para fazer uma paragem técnica, aliás o motorista que tinha por obrigação controlar o tempo de viagem, acelerava sempre uma bocadinho mais antes de lá chegar para poderem ter uma paragem mais prolongada, sem que se prejudicasse o resto da viagem e sem dar aso a reclamação dos restantes passageiros que não alinhavam nesta paródia. Eram saborosos estes tempos as pessoas falavam umas com as outras, havia mais partilha, apesar de ser em código, passado pouco tempo todos sabiam do que se falava. Decorrido o tempo necessário e suficiente para alimentar as almas e descansar um pouco que a viagem, ao tempo era penosa, lá se seguia para o Cartaxo, onde se parava também, sendo que a próxima paragem só acontecia em Santarém, para que os passageiros descessem e outros tomassem o autocarro. Aqui a paragem era mais demorada porque muitas das vezes tinha que se esperar por algum dos autocarros que traziam passageiros que iriam entrar no autocarro que seguiria viagem para Torres Novas, local onde a viagem terminava.

Chegados a Santarém e depois de resolvidas todas estas questões logísticas, o mesmo rumava direito a Almeirim, paragem obrigatória, porque neste percurso final as paragens eram constantes quer para deixar ou tomar passageiros ou carregar e descarregar mercadorias, algumas vezes produtos farmacêuticos, era desta forma que estes eram transportados das farmácias centrais para as farmácias das diferentes vilas e cidades. De Almeirim rumava-se a Alpiarça e nova paragem para realizar as mesmas tarefas de Alpiarça até há Chamusca já não se parava mais, a não ser que surgisse algum passageiro que apesar de não estar no local certo para apanhar a “carreira”, tanto o motorista como o cobrador, facilitavam e abrandavam a marcha para que alguma pessoa que quisesse apanhar o autocarro o pudesse fazer, outros tempos, onde as pessoas eram na minha opinião mais solidárias e sensíveis às dificuldades que existiam nas deslocações que tinham que fazer, porque não existiam o parque automóvel que existe hoje e aqui não sei se bem se mal, mas julgo que mal porque muitos dos possuidores de viaturas, lá por terem uma, já pensam que são os donos do mundo e perdeu-se a meu ver a solidariedade que existia. Nos dias de hoje cada um dos automobilistas fecha-se no seu carro, não conhece ninguém, nem é capaz de “acudir” aos menos desprovidos. Na minha opinião a sociedade regrediu em termos de solidariedade e partilha, mas são estes os sinais do avanço tecnológico.

Mas segundo viagem, chegamos há Chamusca outra paragem mais demorada porque há que largar passageiros que querem ir para Abrantes, esperar por outros que vêm de outras carreiras e querem ir para Torres Novas e eu tenho que mudar de carreira porque quero ir para o Arripiado, que neste tempo era o términos da minha viagem e a justificação de uma carreira que apenas fazia Chamusca - Arripiado e voltava com passageiros para a Chamusca.

Quem a fazia era o senhor Henriques, natural da Carregueira que já me conhecia e me dava sempre o privilégio de me sentar ao lado dele na parte mais elevada do autocarro, que não era um banco mas sim uma parte mais saliente do autocarro onde eu me sentava e me sentia como sendo eu a conduzir o autocarro.

Ele ria-se muito para mim porque me via com o meu ar importante a reparar em todos os pormenores da paisagem e muitas das vezes a colocar-lhe questões, os chamados porquês, sempre quis entender tudo.

A primeira paragem era na Ponte da Chamusca, havia pessoas que ficavam lá e outras que esperavam pelo autocarro que vinha de Abrantes em direção a Torres Novas e que não ia há Chamusca, por vezes este era mais rápido e para quem tinha pressa de chegar fazia esta opção.

A seguir há Ponte da Chamusca a próxima paragem era no Pinheiro Grande e aí o senhor Henriques tinha que manobrar na então vila do Pinheiro o autocarro porque tinha que entrar lá dentro para deixar e pegar outros passageiros e deixar medicamentos na farmácia, era assim que se fazia a distribuição dos medicamentos e funcionava, sem falhas.

Como lhes descrevi o senhor Henriques tinha que meter a frente do autocarro para uma Rua ingreme e depois fazer marcha atrás para que a viatura ficasse em condições de seguir viagem porque a paragem do Pinheiro Grande ficava numa Rua em que não era possível avançar mais, mas que ficava muito perto da farmácia e do agente da empresa que, como sabem funcionava como intermediário na expedição de mercadorias e na venda de bilhetes para os passageiros.

Eu, muitas das vezes, como era muito ágil assim que o senhor Henriques abria a porta da frente do autocarro saltava para a Rua par o ajudar a fazer a manobra que não era nada fácil e eu como sempre gostei de fazer parte da solução e não do problema, colocava a minha fraca utilidade à disposição dele e lá lhe ia dando os sinais para onde devia manobrar.

Era uma festa tudo isto para mim miúdo, mas que me sentia útil ao realizar as tarefas que podia para poder ajudar os outros, não imaginam a prazer que me dava fazer estas viagens, porque sempre ouvia daqui e de acolá e quando não entendia o que diziam e como tinha à-vontade com algumas pessoas perguntava o que se passava, nos dias de hoje não se passa nada, porque pura e simplesmente as pessoas deixaram de saber falar umas com as outras.

Depois de executadas as tarefas no Pinheiro Grande e já com o autocarro voltado em direção para poder retomar a estrada, seguíamos em direção há Carregueira, outro local de paragem para passageiros, mercadorias e muitas das vezes para a mulher do senhor Henriques lhe levar a lancheira com alguma coisa para comer, pois muitas das vezes o seu trabalho não terminava com esta viagem prolongava-se pela noite dentro, ele estava afeto há estação da Chamusca que servia muitas outras aldeias do concelho.

A caminho do final da carreira o senhor Henriques dirigia-se para o Arripiado, a paragem ficava no Largo da Fonte onde toda a gente descia, mas os meus avós tinham a sua casa no final da estrada do Largo da Fonte, perto das “famosas” curvas do Arripiado, onde eu vi muitas Berliets dos militares se enfiarem pela barreira a dentro e depois era o cabo dos trabalhos para os tirarem de lá.

Mas como escrevia eu o senhor Henriques para não me deixar no Largo da Fonte, apesar de eu lhe dizer que ia muito bem a pé até há casa dos meus avós, argumentava como pretexto que era mais simples para ele dar a volta lá em cima ao pé da casa dos meus avós do que ali no Largo da Fonte e lá muito gentilmente me levava atá ao pé da porta da casa dos meus avós, eu retribuía-lhe ajudando a fazer a manobra para poder voltar para o Largo da Fonte e agradecia-lhe com o maior sorriso do mundo, estava feliz.

O que vos acabo de escrever é demonstrativo da alteração que as novas tecnologias e métodos de organização do trabalho introduziram nestas “vagens” mas uma questão subsiste na minha mente será que agora estas “viagens” têm o mesmo sabor e são tão personalizadas como eram noutros tempos? Ganhámos ou perdemos mais com as alterações introduzidas, é isto que importa apurar, a meu ver perdemos e muito, tornámo-nos mais “selvagens”, menos sensíveis e menos solidários, em prol do quê? Melhores condições de vida?

O avanço tecnológico serviu para nos tirar qualidade de vida se foi para isso melhor seria que essas tão apregoadas novas tecnologias não tivessem surgido, tivessem ficado lá onde estavam, porque as pessoas passavam melhor sem elas.

Henrique Pratas

 

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