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Breve enquadramento teórico dos museus locais e da Nova Museologia como justificação para o novo projecto museológico de Almeirim (continuação)

06-12-2013

A definição de ecomuseu aprofunda-se na década seguinte (anos 80), tal como explica Rivière:

  “(...) um instrumento que um poder e uma população concebe, fabrica e exploram em conjunto. (...) Esta população, segundo as suas aspirações, saberes, faculdades de aproximação. (...) Uma expressão do homem e da natureza (...). Uma expressão do tempo (...). Uma interpretação do espaço. (...) Um laboratório, na medida em que contribui para o estudo histórico e contemporâneo daquela população (...). Um repositório, na medida em que ajuda à preservação e à valorização do património natural e cultural desta população. Uma escola, na medida em que associa esta população às suas acções de estudo e protecção, ou incita a melhor apreender os problemas do seu próprio futuro.” (Rivière, 1989: 142) [1]

As experiências portuguesas desta tipologia, ao nível regional e local, tiveram algumas delas a colaboração de Georges Henri Rivière e Hugues de Varine. Desenvolvidas em parceria com as comunidades locais e as autarquias, visaram sobretudo relacionar a economia daquelas comunidades e os seus aspectos culturais, com o fim de incrementar o desenvolvimento sustentável (Nabais, 1985: 211-216). A partir de 1980, foram criadas instituições museológicas na perspectiva da ecomuseologia [2], tais como o já citado Ecomuseu Municipal do Seixal ou o Museu Rural do Vinho do Concelho do Cartaxo.[3]

O desígnio de partilhar as diferentes experiências museológicas propiciou iniciativas das quais salientamos o Encontro no Quebeque (Canadá) em 1984, como o Primeiro Encontro Internacional sobre ecomuseus e nova museologia. Citando Pierre Mayrand (1985), decorridos

  “(...) mais de quinze anos de experiência de um novo tipo de museologia – a ecomuseologia, museologia da comunidade e todas as outras formas de museologia activa – em todo o mundo tem sido um factor crítico no desenvolvimento de comunidades que adoptaram este método de gerir o seu futuro .” (pp. 200-201)

Esta declaração, a par de outras, servindo o propósito de definir o conceito de nova museologia, juntamente com as conclusões da Mesa Redonda de Santiago do Chile [4], formaram a Declaração de Quebeque. Desta base ideológica sairá o Movement Internationale pour la Museologie Nouvélle (MINOM), que uma vez relacionado com o Internacional Coucil of Museums (ICOM) e com a Association Museologie Nouvelle et Experimentation Sociale (MNES) [5] constituíram os grandes suportes daquele conceito, difundindo também o ecomuseu como nova prática museológica. (Filipe, 2000: 4-5)

O segundo evento relativo às questões deste novo pensamento museológico, em Portugal, surgiu logo um ano depois do primeiro e foi o II Atelier dos Ecomuseus/Nova Museologia, que decorreu em Lisboa e que criou efectivamente o MINOM [6], cujo principal intuito foi o de reflectir acerca das premissas teóricas e práticas da nova museologia, contribuindo para a sua divulgação junto do ICOM [7]. Cerca de dois anos após aquele evento, Peter Van Mensh (1988) sistematizou as propostas desta nova abordagem museológica, salientando: a comunidade como centro da formulação ao invés do objecto; a dilatação do conceito de objecto museológico; a crescente motivação para que haja a conservação in situ; a divulgação da noção de museu descentralizado e todo o processo conceptual que advém destas novas tendências; a prática da racionalização dos recursos na gestão museológica; e o alargamento da musealização de instituições de cariz comercial e cultural.

Esta reflexão tem vindo a ser acrescentada ao longo do tempo, sendo que a bibliografia recente serve o propósito da sua discussão, que aqui não nos importa alargar.[8] Para além de todas as características que definem a nova museologia, do ponto de vista do trabalho que pretendemos desenvolver, consideramos ser importante reter que este movimento assenta num conjunto de práticas que visam dar resposta às novas necessidades culturais da sociedade. Não se tratam de duas disciplinas distintas, a museologia tradicional e a nova corrente, mas antes duas práticas que actuam em simultâneo, complementando-se muitas das vezes. Em resumo,

  “A ideia principal da nova museologia é o museu visto como agente social e adaptado, portanto, às necessidades de uma sociedade em rápida mutação. A partir deste ponto de vista, tentou-se desenvolver um museu vivo, participativo, que se define pelo contacto directo entre o público e os objectos mantidos no seu contexto. É a concepção extensiva do Património que faz sair o museu das suas próprias paredes.” (Hernández, 1998: 75)[9]

Em consequência, a realidade museológica na década de 1990 apresentou-se de forma multifacetada, em que coexistiram dois perfis museológicos num mesmo quadro espácio-temporal: o que se ligou directamente com os projectos regionais e/ou locais (da nova museologia, centrados nas populações e temáticas locais) e a estrutura dos grandes museus nacionais trabalhados dentro do pensamento museológico mais tradicional. (Bruno, 1996: 83).

(Continua na próxima edição.)

[1] Tradução da autora. No original: “(...) un instrument qu’un pouvoir et une population conçoivent, fabriquent et exploitent ensemble. (…) Cette population, selon ses aspirations, saviors, ses facultés d’approche. (…) Une expression de l´homme et de la nature (…). Une expression du temps (…).Une interprétation de l’espace. (….) Un laboratoire, dans la mesure où il contribute à l’étude historique et contemporaine de cette population (…).Un conservatoire, dans la mesure où il aide à la preservation et à la mise en valeur du patrimoine naturel et culturel de cette population. Une école, dans la mesure où il associe cette population à ses actions d’etude et de protection, ou il l’incite à mieux apprehender les problems de son prope avenir.” (Rivière, 1989: 142)

[2] Vd. Nabais, 1985; Pessoa, 2001.

[3] Apesar de algumas destas instituições museológicas não adoptarem a terminologia de “ecomuseu” visavam desenvolver novas práticas museológicas, em prol de uma museologia mais activa que tinha no cerne da sua actividade questões relativas às comunidades, à sua vida cultural, às suas tradições. Entendemos que a sua influência se articula entre o território e as comunidades em estreita colaboração com os investigadores.

[4] Organizado pela UNESCO (Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas) em 1972, visou discutir questões ligadas aos museus da América Latina que atravessavam um período de grande conturbação. De entre os pontos tratados nesta assembleia, discutiu-se o papel social dos museus desta parte do mundo, que não estavam a conseguir promover a harmonia entre as comunidades e o seu ambiente. Neste sentido, propôs-se um novo conceito, o de “museu integral” como resposta ao problema. A este propósito Vd. Teruggi, 1973: 129-133.

[5] Fundada em 1982.

[6] Movement Internationale pour la Museologie Nouvélle.

[7] International Coucil of Museums.

[8] Para o seu melhor aprofundamento salientamos: Moutinho, 1989; Fernández, 1999; Santos 2002.

[9] Tradução da autora. No original “ La idea principal de la nueva museologia es el museo visto como ente social y adaptado, por tanto, a las necessidades de una sociedade en rápida mutación. Desde este punto de vista, se há intentado desarrollar un mueo vivo, participativo, que se define por el contacto directo entre el público y los objetos mantenidos en su contexto. Es la concepción extensiva del Patrimonio, que hace salir el museo de sus propios muros.” (Hernández, 1998:75)

Milheiro*, Marta (2013) Contributos para uma candidatura à Rede Portuguesa de Museus – o caso do Museu Municipal de Almeirim (trabalho de Projecto para obtenção do grau de Mestre em Museologia).

*Licenciada em História da Arte e Mestre em Museologia pela FCSH - Universidade Nova de Lisboa.

 

 

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