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O Museu Etnográfico da Casa do Povo de Almeirim

01-11-2013

As propostas desta atitude cultural vieram trazer novo ânimo às Casas do Povo e dar à etnografia a possibilidade de uma nova afirmação[1]

Tal como mencionado nas Normas Gerais para a Organização dos Museus dasCasas do Povo (1947), as colecções destas unidades museológicas deviam ser constituídas por tudo o que se relacionasse com o quotidiano, hábitos e tradições das populações dos seus territórios. É neste sentido, que se constitui o acervo do Museu Etnográfico da Casa do Povo de Almeirim, como se confirma a seguir:

  “Mas, que as Casas do Povo não são, apenas, aqueles organismos de previdência e assistência, cuja acção se circunscreve, única e simplesmente, aos problemas de auxílio para com o seu associado trabalhador rural, têm-no demonstrado, - e bem, - quantas, no capítulo de acção cultural, têm desenvolvido ainda a sua actividade (...) Queremos referir-nos às Bibliotecas e Museus rurais e etnográficos, que se vêm criando e instalando em número já bastante elevado. (...) E Almeirim (...) à falta de coisas que atestem o seu passado famoso, tem, sem desânimo, de reunir quanto haja disperso para constituir o seu Museu também, - Etnográfico, Regional (...) – para o que bastará promover a aquisição de vários artigos, objectos, tudo enfim que seja antigo e característico desta terra (...)”. (Vermelho, 1952: 16-17)

No início do ano de 1935, a partir de uma comissão organizadora, criou-se então, a Casa do Povo em Almeirim, numa perspectiva de cooperação social, tendo como principal objectivo a melhoria das condições de vida do trabalhador rural. Deste modo, em 25 de Maio de 1935, através do alvará do Subsecretariado de Estado das Corporações e Previdência Social, foi aprovada a concretização da Casa do Povo, sendo no dia 22 de Junho de 1936 realizada a primeira reunião oficial na Sala das Sessões da Câmara Municipal para eleição dos seus corpos gerentes. (Vermelho, 1952: 11)[2]

No seguimento do que tinha sido recomendado pelo Decreto-lei n.º 20 985 de 7 de Março de 1932 , a Casa do Povo de Almeirim inicia o processo de criação do Museu Etnográfico, dado que a recolha do acervo se inicia em 1948 (Dias, 1997: 126), com o apelo para que a população entregasse objectos que caracterizassem de alguma forma Almeirim. Consideramos que dentro da Comissão Administradora do organismo[3], há a salientar, no âmbito da formação do Museu, a pessoa de José Augusto Vermelho (1907-1976), que assumiu a responsabilidade da constituição do acervo e que ao longo do seu percurso foi fundamental na afirmação da identidade de Almeirim, também pela obra literária que foi produzindo. Homem do Regime, n atural de Estremoz, chega a Almeirim na década de quarenta para ser Tesoureiro da Fazenda Pública.[4] Figura multifacetada foi jornalista, amador teatral (tanto no papel de intérprete como de ensaiador) e escritor. Todavia, foi como etnógrafo que se destacou, com a fundação do Rancho Folclórico da Casa do Povo de Almeirim e com a criação do Museu Etnográfico.[5]

Desta forma, em 1953, abriu uma biblioteca e uma sala de exposição na sede da Casa do Povo, com cerca de 300 objectos de natureza diversa. Este Museu era “relativo à etnografia e esta é a ciência que estuda os povos quanto às manifestações materiais da sua actividade, destina-se sobre este ponto de vista, a dar a conhecer a quantos nos visitam o estudo e descrição do nosso povo nas suas mais variadas multiplicidades” (Vermelho, 1968: 11-12).

No que se refere a este Museu Etnográfico, escreve José Vermelho em 1953, citando o jornal Correio do Ribatejo:

 

“Queremos aludir à iniciativa da criação do Museu Etnográfico e de uma esplendida Biblioteca. E para que não vá julgar-se de excessivo apreço o que se nos oferece dizer acerca de tais melhoramentos e do seu contributo para o bom nome desta terra, melhor nos parece, pois, permissão para transcrever alguns períodos, os mais interessantes, das impressões colhidas por parte do Digníssimo Director do Correio do Ribatejo e que neste jornal foram então publicadas:

¢ Esta Casa do Povo de Almeirim, que há dezoito anos (…) se comprime num casinhoto a par da igreja lá da vila é das tais que nos fazem dizer o mesmo que dos homens – que tanto eles como elas se não medem aos palmos…

Acanhadas, as instalações estão longe de corresponder, na verdade, à alma que palpita naquele corpo exíguo e tamanha projecção social tem tido em matéria de previdência e assistência (…).

Quanto à sua acção cultural, justo é destacar uma actividade verdadeiramente modelar, tanto pelo auxílio prestado aos cursos nocturnos de ensino primário, como através da sua biblioteca e museu etnográfico (…).

Quanto ao museu etnográfico, este vale só por si um esforço digno de ser encarecido e louvado, tanto pela feliz iniciativa, como pela admirável realização que lhe correspondeu, mediante o concurso de muitos dos habitantes de Almeirim que responderam ao apelo feito… ¢

E o mesmo jornal dizia: ¢ Passeia-se a vista pelos escaparates, quadros, vitrines e paredes do salão que lhe está reservado e surpreende-nos a variedade das espécies, bem como o seu valor etnográfico, arqueológico e artístico, desde os capiteis do paço real à colecção numismática, das fotos de visitas régias às maquetes de maquinaria rural, dos trajes regionais aos artefactos caseiros, da utensilagem dos campos aos produtos do artesanato, das provas dos seus famosos vinhos às panóplias de armas antigas e modernas. (…) ¢

(...) o Museu tem tido a visita de umas centenas de pessoas no número das quais se contam algumas, vindas propositadamente de Lisboa e outras terras, vizinhas ou distantes.

Deste modo se confirma o que atrás deixamos dito quanto ao contributo deste Organismo [a Casa do Povo] (…). E se, num futuro – ao que parece, bem próximo, - lhe for dada a satisfação de se instalar, como bem merece, em edifício próprio, a Casa do Povo de Almeirim melhor há-de servir, estamos certos, a causa Corporativa e por conseguinte a terra em que se situa. Tudo leva a crer que esta sua legitima aspiração tenha breve realidade (…)” (Correio do Ribatejo apud Vermelho, 1953: 41-45)

Folheto de apelo à angariação de objectos para a constituição do Museu Etnográfico da Casa do Povo de Almeirim.
Fundo Documental da Biblioteca Municipal Marquesa de Cadaval, Almeirim.
© Marta Milheiro (2012).

[1]Vd. Dias, 1963: 7-15.

[2] “A 13 de Janeiro de 1937, Sua Exa. o Subsecretário de Estado das Corporações e Previdência Social, por seu despacho, aprovava o Regulamento da Caixa de Previdência e, deste modo, a Casa do Povo de Almeirim encontrava-se, finalmente, legalizada oficialmente (...)” (Vermelho, 1952: 12).

[3] A Comissão Administradora era constituída pelo Encarregado dos Serviços Administrativos, José A. Vermelho e por Joaquim da Costa Boavida, Amândio Alves Videira e Manuel Soares Minderico. (Relatório e Contas da Gerência de 1946).

[4] É escassa a bibliografia relativa a José Augusto Vermelho, todavia, foi possível estabelecer o seu grau de parentesco com Joaquim Vermelho (1927-2002). Seu sobrinho, natural de Estremoz, assumiu fortes ligações ao jornalismo e à poesia desenvolvendo a sua actividade como funcionário da Câmara Municipal de Estremoz e depois como professor, iniciando a partir dos anos setenta, um trabalho de intensa actividade cultural através da biblioteca e do museu municipal. Trabalhou com Per-uno Agren na missão da UNESCO (Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas), onde Joaquim Vermelho apontou o Museu Municipal de Estremoz, do qual foi director, como a referência no contexto da reorganização destas instituições em Portugal. No âmbito da sua actividade ressalva-se o facto de em 1990 ministrar um curso de Museologia na Escola Profissional da Região do Alentejo.

[5] Vd. Acta n.º 16 da Assembleia Municipal de Almeirim, Quadriénio 2005/2009, pp. 9-10.

Milheiro*, Marta (2013) Contributos para uma candidatura à Rede Portuguesa de Museus – o caso do Museu Municipal de Almeirim (trabalho de Projecto para obtenção do grau de Mestre em Museologia).

*Licenciada em História da Arte e Mestre em Museologia pela FCSH - Universidade Nova de Lisboa.

 

 

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