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DOSSIERS
 
1.1.4 - Os séculos XV e XVI

27-09-2013

O nosso percurso foi desde logo definido na tentativa de selecionar o que dentro do quadro histórico do Concelho seria importante salientar para a construção da sua história. Assim, e deixando para trás um período para o qual pensamos ter já contribuído de forma genérica, detivemo-nos agora no momento da fundação da Vila, tendo em consideração a bibliografia mencionada no início deste Capítulo.

Nesta perspectiva, no âmbito do trabalho conjunto de Jorge Custódio e Elias Rodrigues (1990), a história de Almeirim, define-se em dois grandes períodos a partir deste momento. Segundo os autores,

 

“1.º Período de 1411-1640 – período de fundação e desenvolvimento do paço e da vila, bem como a criação das suas principais instituições religiosas políticas e sociais, factos que decorrem sobretudo durante a dinastia de Avis, mas que se prolongam ainda durante o período Filipino. A vila está sob alçada dos fenómenos sazonais do estacionamento da corte.

2.º Período de 1640-1821 – período de crise dos Paços Reais e consequentemente da vila que é afectada pelo afastamento da corte, degradando-se osPaços, ao ponto de serem extintos e ficarem sujeitos à demolição a Almeirim.” (p. 6).

Assim, com o ano de 1411, chega também o momento da expansão portuguesa, sendo que em Almeirim, D. João I inicia a construção de um palácio a partir de instalações de uma quinta régia. Mais uma vez, a proximidade e a operacionalidade de Almeirim relativamente à capital, foram os motivos mais que evidentes da sua escolha para a edificação de uns Paços Reais.(1) É a partir do palácio que se desenvolve a vila realenga. As características de veraneio, a paixão pela caça e a instituição da Coutada de Almeirim, pela sua diversidade de fauna, estiveram também na origem dessa preferência (Silva, 2007: 26). A construção de uma estrutura daquela envergadura, exigiu uma exaustiva preparação dos terrenos e a deslocação de pessoas para satisfazerem a construção e a manutenção dos equipamentos. A posterior permanência da Corte em solo almeirinense, tal como nos é descrita em vários documentos da Chancelaria de D. João I, exigia que assim fosse, não só pela altura da instalação do palácio, mas também nos momentos seguintes. Existem todavia fontes mais precisas para o entendimento da circunstância privilegiada atribuída à vila de Almeirim, que complementarão esta nossa reflexão.(2)

Em 1440, deram-se por concluídas as obras de edificação dos Paço e em 1483, D. João II, filho de D. Afonso V e de D. Isabel, concedeu a Carta de Privilégios aos habitantes de Almeirim, sendo essa data apontada para a constituição efectiva do Concelho. No documento definiram-se alguns privilégios que, porém, demoraram a ser postos em prática. Desses benefícios para a população, aponta-se o dever de Aposentadoria e a esse propósito o documento refere que, no tempo de D. João III, existiam cerca 4937 pessoas residentes na corte de Almeirim (Silva, 2007:28), embora nem todas se encontrassem permanentemente naquele local. Apesar da flutuação do número de residentes, o rei D. João II dispensou os almeirinenses daquela obrigação, pois reconheceu o enorme sacrifício que seria albergar toda aquela gente, ressalvando, todavia, esse direito para si e para a sua família.

Do património edificado que atesta a presença da corte no Concelho, fica-nos a referência do Convento de Nossa Senhora da Serra e do Paço da Ribeira de Muge. O aprofundamento das circunstâncias que levaram à fundação destes núcleos poderá ser estudado em bibliografia acessível e relativamente recente(3).

Retomando novamente o tema do Paço Real em Almeirim importa-nos agora referir, que este foi palco de uma das mais problemáticas Cortes da nossa história. Em 1568, D. Sebastião decide residir em Almeirim, definindo o primeiro brasão da Vila: armas reais trespassadas pela seta de S. Sebastião, enviada pelo Papa em 1574.(4) Em 1578, a comitiva portuguesa é derrotada a propósito da reconquista de Arzila, ficando o reino sem descendência pela morte de D. Sebastião.

Sem sucessor, são abertas as Cortes de Almeirim pelo Cardeal D. Henrique, em 11 de Janeiro de 1580, para decidir o problema da Sucessão. Nessas Cortes, Febo Moniz, como procurador do Povo de Lisboa, dirigiu-se com voz enérgica ao Cardeal D. Henrique: “Entregue Vossa Alteza o Reino a um príncipe português e todos lhe beijarão a mão.” (Veloso, 1933: 199 apud Silva, 2007: 62) Todavia, com a sua morte, não se encontrou solução para o problema e as Cortes foram dissolvidas, passando o reino a ser governado por Filipe II de Castela, dando-se início à Dinastia Filipina que iria durar até 1 de Dezembro de 1640.

O abandono progressivo da Vila não deverá ser entendido de forma isolada nem simplificada. Considerámos que a “crise dos Paços” (Custódio e Rodrigues, 1990: 6) tem vindo a ser justificada como o desfecho natural relacionado com o final da dinastia de Avis (Vermelho, 1955: 13). Antes de equacionarmos razões geográficas ou económicas, pensámos ser, de facto, mais correcto avaliar um ciclo que acaba, sendo que a falta de um estudo sistematizado sobre o assunto provoca alguma indefinição casuística. É certo que a presença real notou-se até ao início da dinastia de Bragança, todavia, esta será de uma forma muito mais esporádica. Estes acontecimentos avulsos relacionam esta Vila, à época, a uma forte vertente cultural, que é frequentemente reforçada na historiografia de José Vermelho, tanto pela impressão do Cancioneiro Geral ou pelas estreias de diversos autos de Gil Vicente: “Gil vicente, Mestre Gil dos Aitos como então lhe chamavam, tornou-se indispensável à corte e para onde ela ia, arrastava-o consigo. Desta maneira se representavam em Almeirim, pela primeira vez, alguns dos seus admiráveis autos.” (Vermelho, 1951: 30).

Tendo em conta o segundo momento enunciado por Jorge Custódio e Elias Rodrigues na definição da história de Almeirim, pensamos que é a partir deste propósito de sustentar a permanência da Corte e após a sua progressiva dispersão, que podemos entender a génese da Vila moderna. Os que ficaram definem-se num nova classe social, a dos comerciantes. Só no tempo de Filipe III, as terras voltaram a ser cobiçadas dando-se o aparecimento de uma nova fonte de rendimento: a vinha, que será uma referência para o concelho, bem como para a região.

Com o terramoto de 1755, o Paço é parcialmente destruído. Já com D. José não foram encontradas neste palácio as condições ideais para alojar a sua comitiva, pelo que se começou a desmantelar o edifício no sentido de se aproveitarem as partes mais belas e valiosas. Cite-se, como exemplo, o fogão de mármore incorporado no Palácio Real de Sintra em 1772. O Paço sofreu então danos importantes e a Capela Real acabou mesmo por ruir. Os nobres que aqui tinham património logo reagiram e procuraram que o Rei D. José I determinasse a recuperação dos edifícios afectados. Foi uma longa acção de tentativa de influência na Corte, que acabou por ter como efeito a decisão de o Rei vir até Almeirim para verificar os estragos e, talvez com esta sua decisão, tentar impor o seu desejo de recuperar o Paço Real. Essa estadia do Rei D. José, no ano de 1767, veio a ser a última estadia da Corte, na Vila Real de Almeirim. Por um lado, a recuperação da baixa lisboeta foi a prioridade do Marquês do Pombal, por outro, os estragos do Paço de Salvaterra foram menores e, perante as limitações orçamentais, a recuperação do Paço de Almeirim foi preterida.

Capitel proveniente do extinto Paço Real de Almeirim

N.º Inventário: 963

Museu Municipal de Almeirim

(1) Todavia, não existem fontes iconográficas e cartográficas suficientes para a reconstituição deste complexo, porém, Filipe III de Espanha encomendou ao Monteiro-Mor do Reino, em 1632, a descrição das coutadas de Almeirim, em que é descrita em pormenor. No mesmo documento é assinalado sem grande rigor o Paço de Almeirim, sendo esta a imagem mais antiga dos Paços. (Custódio e Rodrigues, 1990:8).

(2) Vd. Lopes, 1983; Góis, 1909.

(3) Vd. Silva, 2007; Custódio 2008 ; Cláudio, 2009.

(4) “Quando a seta chegou a Portugal, em 1574, estava D. Sebastião em Almeirim e recebeu esta mensagem, ainda que simbólica, da protecção papal nas campanhas militares que ali preparava. Não faltam, nos livros oficiais daquele tempo, documentos assinados pelo Papa Gregório XIII que visavam contrariar o Rei dos seus ímpetos de conquista em África. Mas para o monarca, de quem também se presume alguma loucura, contavam mais as mensagens iconográficas e por isso fez a chegada da seta a Almeirim, episódio digno de registo, até nas ilustres Rimas Várias de Camões. A relíquia, chegada a Almeirim em cofre de prata, revestido de fina seda vermelha, assim descrita a caixa que a resguardava, pelo poeta maior da língua pátria, é saudada mais circunstancialmente do que se de gente se tratasse em cerimónia presidida pelo rei, nos Paços almeirinenses e orientada pelo orador Dr. António Pinheiro. Depois de benzida e louvada perante o povo, a mesma arca seguiu em procissão até Lisboa a fim de ser guardada no Mosteiro dos Jerónimos, símbolo maior da religiosidade da Dinastia de Avis. Pela importância que o acontecimento tem para o rei e povo da época, a seta de São Sebastião, passou a figurar, desde esse ano, nas armas da Vila de Almeirim. Em Almeirim o monarca preparou, também, a campanha de Alcácer Quibir que se viria a revelar desastrosa.” (Silva, 2007: 59).

Milheiro*, Marta (2013) Contributos para uma candidatura à Rede Portuguesa de Museus – o caso do Museu Municipal de Almeirim (trabalho de Projecto para obtenção do grau de Mestre em Museologia).

*Licenciada em História da Arte e Mestre em Museologia pela FCSH - Universidade Nova de Lisboa.

 

 

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