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A DÍVIDA SUSTENTÁVEL CERTA NOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
Autor: Kevin P. Gallagher, José Antonio Ocampo, and Kunal Sem

23-05-2025

Uma economia global em desaceleração, tensões comerciais crescentes e riscos aumentados de recessão podem significar uma tempestade perfeita para países de baixa e média renda (PBMR) sobrecarregados com uma dívida soberana elevada. Diante de custos de empréstimos exorbitantes e um ambiente internacional cada vez mais instável, o potencial desses países para crescimento económico e desenvolvimento será severamente limitado.

Dadas as circunstâncias, a actual arquitectura financeira internacional, em especial sua abordagem à sustentabilidade da dívida, precisa ser reformulada. Somente adoptando uma nova abordagem em relação à dívida dos países em desenvolvimento é que esses países poderão gerar os fluxos de investimento de que tanto precisam para iniciar um crescimento de longo prazo.

O conceito de sustentabilidade da dívida continua fortemente influenciado pelo Quadro de Sustentabilidade da Dívida (Debt Sustainability Framework - DSF, na sigla original em inglês) do FMI e do Banco Mundial, embora economistas de ambas as instituições há muito  reconheçam suas deficiências. Supõe-se que o DSF equilibre a necessidade de financiamento para o desenvolvimento com a sustentabilidade da dívida, mas com frequência ele defende níveis abaixo do que seria ideal para gastos e investimentos governamentais, contribuindo involuntariamente para dificuldades económicas futuras nos países em desenvolvimento. Também costuma  não levar em conta a escala do investimento necessário e é pouco sensível a choques económicos e externos.

Além disso, o DSF historicamente super estimou o potencial da consolidação fiscal para estimular o crescimento económico, levando a erros persistentes de previsão e índices de dívida mais altos do que o esperado. Uma falha crítica é sua consideração limitada dos benefícios de longo prazo de investimentos financiados por dívida, especialmente em áreas como a transição verde. O quadro precisa evoluir de uma ferramenta focada na redução da dívida a todo custo para uma que incentive investimentos voltados ao crescimento futuro e à sustentabilidade fiscal de longo prazo.

Já vemos algumas economias avançadas, como a  Alemanha, ultrapassando seus tetos de dívida para aumentar os gastos públicos com defesa e outras necessidades urgentes. Formuladores de políticas nesses países entendem que contrair dívida para financiar consumo governamental é fundamentalmente diferente de fazer investimentos estratégicos em infra-estrutura ou adaptação climática, que podem compensar perdas económicas futuras e fortalecer a sustentabilidade da dívida ao longo do tempo.

Da mesma forma, decisões de empréstimo para PBMRs devem ser baseadas em  modelos de longo prazo de sustentabilidade da dívida, e não em regras simplistas como a proporção dívida/PIB. Alcançar a sustentabilidade da dívida é mais provável se os programas de ajuste facilitarem altos níveis de investimento, já que isso pode sustentar um crescimento económico mais forte. O endividamento orientado por investimento, quando bem gerido, tem sido  associado a baixos riscos de dívida soberana e, portanto, deve ser incentivado.

É claro que a questão mais urgente é o grande volume de dívida que muitos PBMRs enfrentam. Intervenções bem-sucedidas anteriores já mostraram que o  alívio da dívida, reduções profundas ou suspensões de pagamentos de juros, cortes em encargos e sobretaxas sobre créditos e aumentos nas alocações de subsídios e direitos especiais de saque (Special Drawing Rights - SDRs, na sigla em inglês para o activo de reserva do FMI) devem estar sobre a mesa.

Mas enfrentar as necessidades de financiamento de longo prazo dos PBMRs exige  reformas mais amplas. Um grande aumento no financiamento de longo prazo e baixo custo é essencial. Bancos multilaterais de desenvolvimento e instituições internacionais de financiamento ao desenvolvimento podem e devem desempenhar um papel central no aumento gradual do crédito acessível. Eles são os únicos capazes de fornecer empréstimos anti-cíclicos quando o financiamento privado é limitado, os preços das commodities estão em queda ou a economia global está em crise. Precisamos de mais iniciativas como o  Fundo Africano de Desenvolvimento do Banco Africano de Desenvolvimento, que oferece financiamento concessionai, subsídios, recursos para preparação de projetos e garantias para membros regionais de baixa renda.

Criar um  mecanismo institucional permanente para reestruturação da dívida soberana também é essencial. Tal instrumento, de preferência, funcionaria através das Nações Unidas, mas também poderia estar sediado no FMI, desde que as decisões fossem deixadas a um órgão especializado independente da Directoria Executiva e do Conselho de Governadores. Esse órgão poderia fornecer uma estrutura estruturada, previsível e justa para renegociação de dívidas por meio de um processo de três etapas envolvendo renegociação voluntária, mediação e arbitragem, cada uma com prazos fixos.

A concepção actual de sustentabilidade da dívida para PBMRs baseia-se numa falácia que prejudica o crescimento global e o desenvolvimento sustentável. Devemos passar de um foco estreito na redução da dívida para uma compreensão mais ampla da sustentabilidade baseada em crescimento impulsionado por investimentos de longo prazo.

Ao repensar a sustentabilidade da dívida, a comunidade internacional pode capacitar os PBMRs a embarcar em um caminho de desenvolvimento económico sustentado. Uma reinvenção ousada da arquitectura financeira internacional é imperativa para evitar crises prolongadas da dívida, restaurar a sustentabilidade fiscal e garantir a estabilidade económica global.

A Quarta Conferência Internacional da ONU sobre Financiamento para o Desenvolvimento, que ocorrerá em Sevilha em Julho, oferecerá aos países em desenvolvimento a oportunidade de falar com uma voz só às instituições apoiadas pelo Ocidente que cuidam da actual arquitectura financeira internacional. Essas instituições têm a chave para libertar os países em desenvolvimento das amarras da dívida insustentável e promover as mudanças sistémicas que podem revolucionar o financiamento ao desenvolvimento.

Kevin P. Gallagher

Kevin P. Gallagher é professor de Política de Desenvolvimento Global e director do Centro de Política de Desenvolvimento Global da Universidade de Boston.

José Antonio Ocampo

José Antonio Ocampo, antigo sub-secretário geral das Nações Unidas e antigo ministro das Finanças e do Crédito Público da Colômbia, é professor na Universidade de Columbia, membro do Comité de Política de Desenvolvimento da ONU e membro da Comissão Independente para a Reforma da Tributação Corporativa Internacional. É autor de Resetting the International Monetary (Non)System (Oxford University Press, 2017) e coautor (com Luis Bértola) de The Economic Development of Latin America since Independence (Oxford University Press, 2012).

Kunal Sen

Kunal Sen, professor de Economia na Universidade de Manchester, é director do Instituto Mundial de Investigação em Economia do Desenvolvimento da Universidade das Nações Unidas (UNU-WIDER).

 

 

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