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ENFRENTANDO O PROBLEMA DA DÍVIDA OCULTA NO MUNDO
Autor: Pablo Saavedra, Manuela Francisco e Diego Rivetti

29-03-2024

Entre os desafios da dívida que os países de baixo rendimento enfrentam, o reforço da transparência da dívida soberana destaca-se como um desafio em que é possível alcançar progressos concretos e significativos. O sucesso exigirá soluções técnicas práticas e também a plena cooperação dos credores.

Desde a pandemia de COVID-19 até aos aumentos das taxas de juro nas economias avançadas, a evolução dos últimos anos deixou muitas economias em desenvolvimento com dificuldades  para pagar as suas dívidas. Mas o problema pode ser ainda maior do que o mundo imagina, uma vez que muitas dívidas soberanas estão ocultas, não divulgadas ou opacas. Isto impede que os decisores políticos e os investidores tomem decisões informadas.

Alguns países de baixo rendimento fizeram progressos na divulgação das suas dívidas: o último Mapa de Calor dos Relatórios da Dívida  mostra um aumento na divulgação de 60% em 2021 para 80% hoje. Mas alguns países regrediram e subsistem lacunas e fraquezas significativas. Por exemplo, a informação pode não ser divulgada com a rapidez suficiente ou com o detalhe adequado, e os países podem divulgar apenas as dívidas do governo central, deixando de fora outras responsabilidades públicas e garantidas publicamente.

Consideremos as dívidas internas: muitos países de baixo rendimento, excluídos dos mercados financeiros, recorreram à  emissão desse tipo de dívida  para satisfazer as suas necessidades de financiamento – muitas vezes sem reportar estes instrumentos. Da mesma forma, linhas opacas de swap cambial  estão a ser utilizadas para apoiar mutuários altamente endividados. O relatório abrangente  de 2021 do Banco Mundial sobre a transparência da dívida pública nos países de baixo rendimento antecipou ambas estas tendências.

Aumentar a transparência da dívida exige medidas em três áreas principais. Primeiro, precisamos de melhorar o software que regista e gere a dívida pública. Tal como os indivíduos utilizam serviços bancários pela Internet para gerir as suas finanças pessoais, os governos dependem de software especializado para gerir as suas carteiras de dívidas.

Mas enquanto as economias avançadas concebem os seus próprios sistemas – normalmente como parte de uma solução integrada de tecnologia da informação que gere os processos orçamentais, contabilísticos e de tesouraria – a maioria dos países de baixo rendimento depende de software “pronto para uso” subsidiado pela comunidade internacional. Estes mecanismos são muitas vezes inadequados para lidar com as carteiras de dívida cada vez mais complexas dos países, e muito menos para fornecer relatórios da dívida abrangentes e atempados.

Isto tornou-se claramente evidente durante os esforços de reconciliação da dívida no âmbito do Quadro Comum para o Tratamento da Dívida do G20, para além da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida. Os registos da dívida dos quatro países  que se candidataram ao Quadro Comum – Chade, Etiópia, Gana e Zâmbia – eram por vezes incompletos e muitas vezes imprecisos. Para resolver estes problemas, as folhas de cálculo do Excel tiveram de ser reconciliadas manualmente – um processo que durou meses e que atrasou significativamente as negociações de reestruturação.

Recomendamos a criação de um grupo de trabalho para coordenar a concepção de melhores sistemas de gestão da dívida. Com o envolvimento de todos os principais prestadores de serviços, os membros do grupo de trabalho padronizariam a definição da dívida e os métodos de cálculo e liderariam o desenvolvimento de soluções informáticas de fácil utilização. Dessa forma, as autoridades nacionais poderiam concentrar-se na análise e gestão da dívida, em vez de permanecerem atoladas na introdução de dados e na reconciliação.

O software recentemente concebido também poderia permitir a contribuição dos credores sobre desembolsos e pagamentos de empréstimos, conforme sugerido pelo Relatório de Comércio e Desenvolvimento da UNCTAD  de 2023 . Isto permitiria a geração em tempo real de Estatísticas da Dívida Internacional do Banco Mundial  e outros relatórios estatísticos, com base em dados totalmente validados.

A segunda medida crucial necessária para reforçar a transparência da dívida é a criação de incentivos para que os mutuários públicos divulguem as suas dívidas, tanto a nível nacional como internacional. Isto exigirá reformas dos quadros jurídicos nacionais, bem como esforços por parte das organizações multilaterais para promover iniciativas de transparência da dívida.

A Política de Financiamento do Desenvolvimento Sustentável  do Banco Mundial já inclui incentivos à divulgação de dívidas para países de rendimento baixo e médio-baixo que recebem apoio da Associação Internacional de Desenvolvimento. Isto contribuiu para melhorias na prestação de contas e na cobertura da dívida em mais de 40 países de baixo rendimento.

A reestruturação da dívida também cria oportunidades para implementar tais incentivos. O necessário e muitas vezes árduo processo de reconciliação da dívida pode ser utilizado para fornecer informações detalhadas sobre a dívida pendente, como no caso da Zâmbia. Também dá aos países a oportunidade de limpar a lousa e organizar os seus registos de dívida a partir do zero. Os critérios de elegibilidade para a concessão de alívio da dívida poderiam incluir requisitos mínimos de transparência para incentivar o fornecimento de dados até que o alívio da dívida seja totalmente concedido.

A terceira área onde são necessários progressos é a melhoria dos relatórios por parte dos credores. Para facilitar a transparência nos empréstimos bilaterais oficiais, os países credores devem seguir as recomendações das Directrizes Operacionais do G20 para o Financiamento Sustentável, tais como melhorar a recolha de dados e publicar mais informações sobre empréstimos novos e existentes.

Os credores bilaterais devem divulgar publicamente tanto as dívidas pendentes como os principais termos da exposição externa, incluindo empréstimos directos, garantias e seguros da Agência de Crédito à Exportação. O repositório empréstimo por empréstimo  do Tesouro dos EUA oferece um bom modelo para os credores que procuram aumentar a transparência das suas carteiras. Para apoiar estes esforços, os credores devem evitar incluir cláusulas de confidencialidade ou sigilo em novos acordos de empréstimo, como defende um documento do Banco Mundial de 2022.

Entre os desafios da dívida que os países de baixo rendimento enfrentam, o reforço da transparência da dívida é um dos desafios em que é possível alcançar progressos concretos e significativos. O sucesso exigirá uma combinação de soluções técnicas práticas e a plena cooperação de todas as partes interessadas.

PABLO SAAVEDRA

Pablo Saavedra é vice-presidente de Crescimento Equitativo, Finanças e Instituições do Banco Mundial.

MANUELA FRANCISCO

Manuela Francisco é Directora Global de Macroeconomia, Comércio e Investimento do Banco Mundial.

DIEGO RIVETTI

Diego Rivetti é especialista sénior em dívidas do Banco Mundial.

 

 

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