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Como a política monetária dos EUA domou a China
Autor: David Lubin

25-01-2019

Os líderes chineses gostam dos seus   slogans , e no caso da política externa, houve dois que espelharam o pensamento de Beijing dos últimos tempos. O primeiro é o cauteloso princípio de   tao guang yang hui , normalmente traduzido como “esconde a tua candeia e espera pela tua vez”, que conduziu a política chinesa durante décadas após a sua instauração por Deng Xiaoping na década de 1980. No fim de 2013, todavia, o presidente Xi Jinping lançou um novo   slogan   para definir uma abordagem mais assertiva e musculada:   fen fa you wei , ou “lutar por realizações”.

A transição para uma política externa mais assertiva sob Xi é evidente em todas as áreas, desde a declaração pela China de uma zona de identificação de defesa aérea sobre o Mar da China oriental no fim de 2013, à criação de “factos consumados no terreno” no Mar da China meridional, até ao desenvolvimento da Iniciativa “uma cintura, uma estrada”.

Mas ultimamente tem havido sinais de que a China poderá estar a reconsiderar a sua capacidade de continuar a lutar por realizações. O governo de Xi parece claramente ter começado a fazer concessões   nas suas relações com os Estados Unidos, e alguns destacados académicos chineses começam a questionar se a China não terá sido demasiado ambiciosa em termos estratégicos. Por exemplo, Yan Xuetong, um decano da erudição chinesa em política externa, defendeu recentemente que Xi teria ido longe demais, e que a China devia limitar as suas ambições a uma esfera mais restrita e regional. Outro especialista de Beijing, Shi Yinhong, apela à “retracção estratégica” na política externa da China.

Uma explicação simples para esta transição da China para a retracção é o presidente dos EUA, Donald Trump, que tem aplicado o seu tipo pessoal de assertividade ao relacionamento entre os EUA e a China, com o apoio aparente de toda a classe política americana e também de grande parte da europeia. Confrontada com a resistência do Ocidente, não surpreende que a China esteja reticente em insistir.

Mas a actual cautela da China deve muito também à fragilidade do seu desempenho económico. Como poderá dizer qualquer pessoa que tenha viajado recentemente a Beijing, a sensação de pessimismo económico que aí se vive raramente foi tão tangível como agora.

Até um certo ponto, a queda do crescimento chinês é um problema auto-induzido. Desde que Xi declarou em 2017 que a estabilidade financeira é uma matéria de segurança nacional, a tomada de risco pelos governos locais e pelo sector financeiro tem sido geralmente mal recebida. Como estes dois intervenientes têm sido os principais motores do crescimento da China nos últimos dez anos, a aversão ao risco dos responsáveis provinciais e dos financeiros tem, naturalmente, retirado energia à economia.

Mas existe uma outra origem, despercebida, para a fragilidade económica da China: a conta de capital da sua balança de pagamentos. Desde 2014, quando as reservas de divisas da China começaram a descer do seu máximo de 4 biliões de dólares (até ao nível actual de 3 biliões de dólares), as autoridades têm estado preocupadas com os danos que as saídas excessivas de capital podem provocar à autoconfiança económica e ao papel global da China.

Em qualquer economia emergente, existe uma ligação importante entre a saúde da conta de capital e a da economia nacional. Se o dinheiro começar a sair, como poderá alguém esperar que a confiança nacional se mantenha forte?

Além disso, a mais importante condicionante singular para a entrada ou saída de fluxos de capital de qualquer economia emergente é o estado das condições monetárias nos EUA. O afrouxamento da política monetária dos EUA depois da crise financeira de 2008 distribuiu capital pela China e outros países em desenvolvimento. Foi por isso que as reservas cresceram até aos 4 biliões: a “flexibilização quantitativa” da Reserva Federal dos EUA fez com que fosse lucrativo para as empresas chinesas contraírem empréstimos em dólares e enviar investidores numa missão global pelo rendimento, e o dinheiro escoou para a China.

Em contrapartida, a progressiva contenção das condições monetárias nos EUA durante os últimos cinco anos ajudou sem dúvida a sugar dólares da China, fazendo com que o país perdesse reservas e autoconfiança. Isto acontece em parte porque as empresas chinesas tendem a reembolsar dívidas quando o dólar se fortalece e quando sobre o custo de manutenção de responsabilidades em dólares. Além disso, os investidores estrangeiros estão menos dispostos a comprar títulos públicos chineses quando o diferencial entre as taxas de juro da China e dos EUA se reduz, como tem acontecido nos últimos meses.

O principal motivo para que as reservas não tenham descido dos 3 biliões de dólares, o que enervaria ainda mais os legisladores chineses, é a rede de controlos sobre as saídas de capitais implementada no fim de 2016 e no início de 2017. Mas estes controlos podem não ser perfeitamente estanques: a história dos fluxos de capital diz-nos que quando o dinheiro quer sair de um país, sai.

Uma conta de capital frágil, e as dúvidas económicas que pode criar, dificilmente serão alicerces sólidos para uma política externa chinesa agressiva. A próxima vez que Trump tiver vontade de denunciar o presidente da Fed, Jerome Powell, por restringir a política monetária demasiado rapidamente, poderá parar para considerar o papel que as taxas mais altas dos EUA e um dólar mais forte desempenharam na domesticação da autoconfiança chinesa. Uma Fed apaziguadora é uma dádiva a Beijing.

DAVID LUBIN

David Lubin é chefe da Emerging Markets Economics no Citi Bank e membro associado da Chatham House. Seu livro Dança dos triliões: países em desenvolvimento e finanças globais foi listado pelo Financial Times como um dos melhores livros de economia de 2018.

 

 

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