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DOSSIERS
 
O LAMAÇAL PROTECIONISTA DE TRUMP
Autor: Anne O. Krueger

23-11-2018

Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos lideraram o mundo na redução das barreiras protecionistas e no estabelecimento de um sistema comercial aberto baseado em regras. Esse esforço resultou em meio século do mais rápido crescimento económico da história da humanidade. Mas a administração do presidente dos EUA, Donald Trump, está agora a reverter esse progresso. O protecionismo que Trump provocou é contagiante e irá, provavelmente, espalhar-se muito além dos setores que ele quer isolar da concorrência estrangeira.

Veja-se o exemplo do aço importado, sobre o qual a administração de Trump   impôs   tarifas de 25%, em março. O fundamento indicado para essa decisão foi a   “segurança nacional” , apesar de as indústrias de defesa dos EUA serem responsáveis apenas por   3% do consumo de aço do país. Se Trump estiver realmente preocupado com a segurança nacional, então a questão é: porque é que os EUA não estão a preservar o minério subterrâneo como uma reserva estratégica para futuras hostilidades? De qualquer forma, as tarifas também foram impostas aos aliados dos EUA, como o Canadá, o que desmente o argumento da segurança nacional de uma vez por todas. No caso de rivais como a China, as importações de aço já estavam sujeitas a tarifas de até 70%, e apenas representavam 2% do consumo de aço dos EUA.

As tarifas de importação dos EUA aplicam-se agora a 59 tipos diferentes de aço. Se uma empresa americana não puder obter produtos siderúrgicos nacionais, ela terá de pagar a tarifa ou solicitar uma isenção ( “exclusão” ). Se optar pela segunda hipótese, deve indicar a quantidade e a força do aço que são necessárias, a sua composição química, as dimensões do produto (tubos ou folhas, por exemplo) e assim por diante; e deve apresentar um pedido em separado para cada tipo de aço, mesmo que a única diferença sejam as dimensões. Além disso, cada pedido deve demonstrar que o requerente não conseguiu obter o aço de proveniências nacionais.

Uma vez recebido o pedido, ele é tornado público durante 30 dias, para que os produtores nacionais possam contestá-lo. Se nenhum produtor avançar para fornecer o aço necessário, o requerente deverá receber uma isenção de um ano, no prazo de sete dias após o período de revisão pública. Na realidade, tem havido atrasos significativos na concessão de isenções.

Inicialmente, a administração de Trump   previu   que haveria cerca de 4500 pedidos para isentar produtos siderúrgicos. Para supervisionar o processo de verificação e isenção, o Departamento de Comércio dos EUA contratou 30 novos funcionários para analisarem os pedidos. No entanto, até 1 de novembro, foram entregues 31 527, juntamente com 14 492 contestações de produtores de aço. De acordo com o QuantGov, o Gabinete de Indústria e Segurança dos EUA   aprovou   11 259 pedidos, recusou 4367 e ainda tem de processar mais de 50% dos recebidos. A partir de 2 de novembro, o preço do aço laminado a quente nos EUA teve um   aumento de 33,4%   anual.

Em 2002, quando a indústria siderúrgica norte-americana persuadiu o presidente George W. Bush a impor   tarifas de 8% a 30%   sobre o aço importado, havia cerca de 187 mil trabalhadores siderúrgicos nos EUA. Como resultado desses novos impostos, cerca de seis mil empregos foram criados na indústria siderúrgica dos EUA, mas cerca de 200 mil postos de trabalho   perderam-se   nos setores associados de consumo de produtos siderúrgicos. Depois de reduzir as tarifas, a administração de Bush abandonou-as por completo após 18 meses.

Atualmente, há cerca de   80 mil trabalhadores siderúrgicos   e outros milhões trabalham em setores de consumo de produtos siderúrgicos. De acordo com um   estudo   publicado em março, as tarifas de aço e de alumínio de Trump podem criar mais  33 400 postos de trabalho no setor metalúrgico, mas destruirão 180 mil postos de trabalho na restante economia.

Tudo isso era previsível. As empresas consumidoras de produtos siderúrgicos (como fabricantes de automóveis, máquinas-ferramentas e equipamentos agrícolas) estão agora em grande desvantagem em relação aos seus concorrentes estrangeiros. E enquanto perdem participação de mercado, tanto em casa como no estrangeiro, a competitividade da indústria siderúrgica dos EUA também cairá, porque está a ser protegida da concorrência estrangeira.

Tal como o grande número de pedidos de isenção demonstra, administrar uma política protecionista é extremamente complexo, mesmo num único setor. E agora, o lamaçal protecionista de Trump está a ficar mais fundo. A Coreia do Sul, que   concordou em   adotar   “restrições voluntárias às exportações”   em troca de uma isenção das tarifas de aço dos EUA, está a pedir à sua associação de produtores nacionais que atribua quotas de exportação entre os seus membros. Mas as autoridades alfandegárias dos EUA ainda terão de suportar o custo de   controlar   todas as importações de aço, para garantirem que não são classificadas incorretamente.

As tarifas de aço de Trump são ainda mais estonteantes quando se tem em conta que já existe excesso de capacidade produtiva em todo o mundo, muito devido à China. Em vez de procurar uma solução multilateral através da Organização Mundial do Comércio, Trump está a tentar   aumentar   a produção de aço dos EUA, o que só aumentará o excesso.

Para piorar a situação, a administração de Trump está também a contemplar tarifas adicionais. Numa reunião, em agosto, Trump   reiterou as ameaças   a respeito da imposição de uma tarifa de 25% sobre os automóveis – principalmente os provenientes da União Europeia. Se ele for adiante, o Instituto Petersonpara a Economia Internacional   estima   que o custo de um carro novo nos EUA poderá aumentar entre 1400 e 7000 dólares, independentemente de ser de fabrico nacional ou estrangeiro. Além do mais, Benn Steil e Benjamin Della Rocca, do Conselho de Relações Exteriores,descobriram   que o aumento dos custos resultante das tarifas de aço já colocaram 40 mil postos de trabalho em risco no setor automóvel dos EUA.

Globalmente, as tarifas de aço de Trump não reduzirão o défice da conta corrente dos EUA nem criarão mais empregos líquidos. O défice reflete a diferença entre a poupança e o investimento internos. As tarifas de importação não terão efeito sobre isso, mas certamente aumentarão os custos para os consumidores e produtores americanos. Em vez de refletir sobre outras tarifas, a administração Trump precisa é de acalmar o seu alvoroço protecionista antes que as coisas piorem ainda mais.

Anne O. Krueger

Anne O. Krueger, ex-economista-chefe do Banco Mundial e ex-vice-diretora do Fundo Monetário Internacional, é Professora Sénior de Pesquisa de Economia Internacional na Escola de Estudos Internacionais Avançados da Universidade Johns Hopkins e membro sénior do Centro Internacional Desenvolvimento, Universidade de Stanford.

 

 

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