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A Lei de “Alívio ao Contribuinte” de 2017 dos EUA
Autor: Joseph E. Stiglitz

05-01-2018

NOVA IORQUE – Jamais um diploma legislativo, simultaneamente apelidado de corte fiscal e de reforma, foi recebido com tanta desaprovação e desdém como a lei aprovada pelo Congresso dos EUA e promulgada pelo Presidente Donald Trump logo antes do Natal. Os Republicanos que votaram a favor da lei (não houve Democratas que o fizessem) alegam que a sua dádiva será reconhecida no futuro, quando os americanos virem o seu salário a crescer. Estão quase certamente enganados. Em vez disso, a lei reúne num pacote único tudo o que o Partido Republicano tem de errado e, de certo modo, o estado degradado da democracia americana.

A legislação não é uma “reforma fiscal”, mesmo na leitura mais elástica. Uma reforma implica a eliminação de lacunas distorcionárias, e a melhoria da equidade do código fiscal. Essencial para a equidade é a capacidade de pagamento. Mas esta legislação fiscal reduz os impostos em dezenas de milhares de dólares, em média, para os mais capazes de suportá-los (o quintil mais abastado). E quando estiver completamente implementada (em 2027), terá aumentado os impostos para a maioria dos americanos que auferem rendimentos médios (nos segundo, terceiro e quarto quintis).

O código tributário dos EUA já era regressivo muito antes da presidência Trump. De facto, o investidor bilionário Warren Buffett, um dos homens mais ricos do mundo, ficou famoso por queixar-se que achava errado suportar uma taxa de imposto menor que a da sua secretária. A nova legislação torna o sistema tributário da América ainda mais regressivo.

Hoje, reconhece-se universalmente que a desigualdade crescente constitui um problema económico central dos Estados Unidos, onde quase todos os ganhos do PIB durante o último quarto de século foram capturados pelos mais abastados. A nova legislação junta o insulto à injúria: em vez de contrariar esta tendência perturbadora, a “reforma” Republicana transfere ainda mais para os que estão no topo.

Uma economia mais distorcida não será uma economia saudável. O Fundo Monetário Internacional já salientou que uma sociedade mais desigual piora o desempenho económico, e a nova legislação fiscal levará inexoravelmente a uma sociedade mais desigual.

Muita da complexidade e distorção no código tributário dos EUA decorre de se taxarem tipos diferentes de rendimento a taxas diferentes. Este tratamento diferenciado leva não só à percepção (correcta) de que o código tributário é injusto, mas também a ineficiências: os recursos são transferidos para os sectores privilegiados, e são desperdiçados quando as empresas tentam converter os seus rendimentos e actividades para as formas mais privilegiadas. As piores provisões do antigo código tributário (como a lacuna relativa aos juros transitados, que permite o pagamento de impostos a taxas reduzidas por empresas de participações privadas que destroem postos de trabalho) foram mantidas, e foram criadas novas categorias de rendimento privilegiado (auferidos pelas chamadas entidades pass-through, ou de “passagem”).

O esperado estímulo sobre o crescimento económico terá pouca probabilidade de se concretizar, por vários motivos. Primeiro, a economia já se encontra no pleno emprego, ou perto disso. Se a Reserva Federal dos EUA chegar à conclusão que isso se verifica, aumentará as taxas de juro ao primeiro sinal de um aumento significativo da procura agregada. E taxas de juro mais altas significam que o investimento, e por conseguinte o crescimento, abrandará, mesmo que aumente o consumo dos muito ricos.

Além disso, pressionar os estados “azuis” (Democratas), como a Califórnia e Nova Iorque, através da inclusão de provisões na lei fiscal destinadas especificamente a estes, não só aumenta ainda mais a divisão política na América: é também um sinal de má economia.

Nenhum governo sensato poria em causa as partes mais dinâmicas da sua economia, mas é isso mesmo que a administração Trump está a fazer. As isenções fiscais especiais para o sector imobiliário podem ajudar Trump e o seu genro, Jared Kushner, mas não tornam a América grande nem competitiva. E limitar a dedutibilidade dos impostos estaduais sobre o rendimento e propriedades irá quase certamente reduzir o investimento na educação e nas infra-estruturas – mais uma vez, uma estratégia pouco sensata para melhorar a competitividade americana. Novas provisões adicionais também provocarão danos à economia dos EUA.

Devido ao aumento do défice fiscal (a única questão reside em saber em quanto, e eu aposto que será muito mais do que as estimativas actuais de 1 a 1,5 biliões de dólares), o défice comercial também aumentará, independentemente de Trump prosseguir mais políticas nativistas/proteccionistas. Menos exportações e mais exportações enfraquecerão ainda mais a indústria dos EUA. Mais uma vez (como fez com a saúde e as reduções de impostos), Trump trai os seus principais apoiantes.

Mas o Partido Republicano é cínico. Os seus líderes estão a servir-se da gamela – Trump, Kushner, e muitos outros na sua administração estão entre os mais beneficiados – pensando que esta pode ser a sua última oportunidade para um festim deste tipo. E nenhum Republicano acredita que o partido conseguirá levar a sua avante com maior firmeza do que Trump.

É por isso que a legislação está estruturada para proporcionar cortes fiscais temporários às pessoas singulares, com as sociedades a conseguirem uma redução permanente na sua taxa de imposto. Os Republicanos parecem confiar que os eleitores não conseguirão ver para além do seu próximo salário. Mas os eleitores não são assim tão facilmente manipuláveis: já perceberam o truque, e são devidamente informados pelos numerosos estudos, de fontes internas e externas ao governo, que demonstram que a parte de leão dos cortes fiscais vai para as sociedades e para os muito ricos.

A legislação fiscal de Trump também comprova a crença de muitos Republicanos de que os dólares são mais importantes que os eleitores. Tudo o que importa é agradar aos seus patrocinadores corporativos, que recompensarão o partido com donativos, que serão usados para comprar votos, assegurando desse modo a perpetuação de uma agenda política dominada pelas corporações.

Esperemos que os americanos sejam verdadeiramente mais espertos do que pensam os gananciosos CEO corporativos e os seus cínicos servos Republicanos. Com as eleições intercalares para o congresso no próximo mês de Novembro, terão uma excelente oportunidade para prová-lo.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e a medalha Clark John Bates em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico-social e progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Um ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA Bill Clinton, em 2000, fundou a Initiative for Policy Dialogue, um grupo de reflexão sobre o desenvolvimento internacional com sede na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Reescrevendo as regras da economia americana”.

 

 

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