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AS PREMISSAS PERIGOSAS DA PROMESSA
Autor: Martin Guzman, Joseph E. Stiglitz

22-092017

NOVA IORQUE –A economia de Porto Rico está em grandes apuros. Mais de uma década de recessão tornou a dívida pública insustentável e está a fomentar fluxos de migração para o continente dos Estados Unidos, afetando a vida de milhares de famílias e impondo um fardo maior aos que ficam. Inverter esta dinâmica desestabilizadora exigirá uma reestruturação da dívida que proporcione o alívio necessário para implementar políticas pró-crescimento. Infelizmente, o que está a ser oferecido não é de modo algum suficiente.

A dívida de Porto Rico é para ser reestruturada de acordo com uma comissão estabelecida pela Lei de Supervisão, Gestão e Estabilidade Económica de Porto Rico (PROMESA). Essa lei federal, promulgada em junho de 2016, também estabeleceu um Conselho de Supervisão com autoridade de tomada de decisão fiscal para a comunidade dos EUA.

O processo de reestruturação teve início no dia 3 de maio, quando o Conselho entrou com uma petição no tribunal federal. Mas muitas decisões cruciais ainda têm de ser tomadas, tais como a quantidade total da redução da dívida a ser fornecida e como é que a margem de avaliação será distribuída entre os titulares dos diferentes tipos de obrigações. Estas decisões irão determinar que políticas são viáveis para impulsionar as perspetivas económicas de Porto Rico - e, portanto, o montante que o país pode pagar aos seus credores.

No centro de qualquer esforço para resolver a crise da dívida tem de estar o entendimento de que, tal como a presente reestruturação da dívida afeta o crescimento futuro de Porto Rico, também o crescimento futuro de Porto Rico afeta a quantidade de reestruturação necessária da dívida. Ainda assim, o plano fiscal de dez anos aprovado pelo Conselho para o período 2017-2026 –que, inevitavelmente, constituirá a base das discussões sobre a reestruturação da dívida –parece ignorar esta circularidade.

O próprio plano reconhece que a sua adoção implica outra “década perdida” de atividade económica e que irá enfraquecer a sustentabilidade da dívida da ilha, perpetuado assim uma crise que todas as partes gostariam de pôr fim (ver o gráfico abaixo). Infelizmente, a já profunda descida prevista do Conselho no PIB real é altamente otimista, pois baseia-se numa série de pressupostos implausíveis e/ou controversos.

Destacam-se cinco falhas no plano fiscal do Conselho.

Primeira: os multiplicadores fiscais projetados – o montante pelo qual o PIB irá descer como resultado de cada dólar de contração fiscal –utilizado para a previsão do PIB, pressupõe que uma contração de um dólar no défice fiscal primário será associado a uma contração de 1,34 dólares do PIB . Esse valor incide no nível mais baixo do espectro de multiplicadores fiscais estimados para países ou regiões que vivenciam recessões.

O valor dos multiplicadores fiscais depende do desempenho da economia. As estimativas pontuais dos multiplicadores associados a gastos não relacionados com a defesa, para regiões ou países em recessão variam de   1,09   a   3,5 . E, como Porto Rico não se encontra numa qualquer recessão comum, não chega (ou não é até mesmo apropriado) analisar o expectável no cenário mais otimista. Uma avaliação adequada das consequências das políticas fiscais exigida pelo plano deveria focar-se não num único valor, mas num conjunto de valores com base em cenários plausíveis, do mais otimista para o mais pessimista. Por exemplo, utilizar simplesmente um multiplicador de 2,0 e manter os outros pressupostos (irrealistas) do plano provoca uma queda cumulativa projetada de 9,4% no PIB real durante os anos fiscais de 2018 e 2019, comparado com a estimativa do plano fiscal de 7,2%.

Segunda: as projeções do plano para o PIB ignoram os efeitos de   feedback   endógenos que a atividade económica em declínio terá sobre as receitas fiscais. Uma redução da despesa pública que deprime a atividade económica, também reduz a base tributária. Desta forma, o governo precisaria fazer mais do que o plano prevê para atingir os objetivos a nível das receitas.

Terceira: ao passo que as políticas contracionistas do plano empurram a economia situando-a abaixo das estimativas iniciais do PIB do Conselho, uma série de reformas estruturais, principalmente destinadas a afetar a oferta agregada, alegadamente empurra-a situando-a acima. Com efeito, estas reformas parecem ser a única força que impulsiona a recuperação (nominal) que o plano estima para depois de 2022.

Mas isso, simplesmente, não é credível. A economia de Porto Rico está num regime de procura condicionada e não há nenhuma razão para esperar que isso mude num futuro próximo. Assim, a recuperação económica a curto prazo exige um estímulo agressivo por parte do governo, particularmente tendo em conta que qualquer reforma estrutural que reduza os gastos (tais como uma diminuição das pensões) terá, provavelmente, um efeito contracionista numa economia que é restritiva na procura. Outras medidas, tais como o corte de financiamento para a educação pública, são suscetíveis de reduzir a procura agora e reduzir a oferta agregada a longo prazo.

Quarta: o pressuposto do plano sobre a emigração é controverso, na melhor das hipóteses. A população de Porto Rico diminuiu, passando aproximadamente dos 3,8 milhões, em 2000, para pouco mais de 3,4 milhões, em 2016. Entre 2010 e 2016, a taxa anual de contração da população ultrapassou 1% e atingiu 1,8%, em 2016. Uma recessão mais profunda – como a antecipada pelo plano do Conselho –diminuirá ainda mais oportunidades na ilha, incitando mais a migração para o continente. E, ainda assim, o plano pressupõe que os fluxos de migração irão abrandar, com a população a diminuir em apenas 0,2% por ano durante o período entre 2017 e 2026. Dada a dinâmica desestabilizadora que o plano fiscal acionará, a emigração será maior do que o plano assume, o tamanho da economia diminuirá e o peso da dívida   per capita   sobre os restantes aumentará.

Quinta: em vez de especificar uma proposta abrangente de reestruturação da dívida, o plano simplesmente especifica o montante que será restituído aos credores durante a próxima década. Mas a dinâmica macroeconómica futura não pode ser avaliada sem uma estimativa do alívio da dívida que será proporcionado. Com efeito, a falta de um plano de reestruturação aumenta a incerteza e, portanto, impede o investimento necessário para restaurar o crescimento económico.

Declarar o que é basicamente a falência foi uma medida razoável. De outra forma, Porto Rico teria seria exposto a litígios massivos que teriam prejudicado os esforços de reestruturação e tornado mais longo o caminho para a recuperação económica. Mas o que o plano deveria ter feito era definir as políticas que Porto Rico precisa para recuperar e, simultaneamente, apresentar uma proposta de reestruturação que permita um alívio suficiente para tornar essas políticas praticáveis.

Em vez disso, ao aprovar o plano fiscal para 2017-2026, o Conselho de Supervisão PROMESA colocou-se numa posição difícil. A utilização desse plano como base para calcular o alívio de Porto Rico necessita de riscos que conduzam à conclusão falaciosa de que Porto Rico consegue levar a cabo uma recuperação com uma margem de avaliação mais pequena do que aquela que necessita. A menos que o plano seja redefinido urgentemente com base em pressupostos credíveis, Porto Rico não recuperará, a sustentabilidade da dívida não será restaurada e o Conselho terá falhado na sua missão.

Martin Guzman

Martin Guzman, é investigador na Columbia University Business School e professor associado da Universidade de Buenos Aires, é co-presidente da Taskforce sobre Diálogo de Políticas da Universidade de Columbia para a Reestruturação da Dívida e a Falência Soberana e um colega sénior no Centro para a Internacional Governança Inovação (CIGI).

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e a medalha Clark John Bates em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico-social e progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Um ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA Bill Clinton, em 2000, fundou a Initiative for Policy Dialogue, um grupo de reflexão sobre o desenvolvimento internacional com sede na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Reescrevendo as regras da economia americana”.

 

 

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