Edição online quinzenal
 
Sexta-feira 29 de Março de 2024  
Notícias e Opnião do Concelho de Almeirim de Portugal e do Mundo
 
DOSSIERS
 
A ECONOMIA GLOBAL EM 2067
Autor: Kaushik Basu

30-06-2017

NOVA IORQUE – O mundo está a passar por uma crise económica em câmara lenta; uma crise que, segundo a maioria dos especialistas, continuará durante o futuro imediato. A economia global tem crescido aos solavancos desde a crise económica de 2008, numa das estagnações mais longas da era moderna de que se tem registo. Em praticamente todos os países de rendimento médio e elevado, os salários (em percentagem do PIB) encontram-se numa trajectória descendente há perto de 40 anos. Mas o que acontecerá nos próximos 50?

Actualmente, a situação afigura-se desoladora. A estagnação económica e a crescente desigualdade contribuíram para um aumento da xenofobia e do nacionalismo nos países avançados, exemplificado pelo voto do Reino Unido no sentido da saída da União Europeia, e pela eleição do Presidente dos EUA, Donald Trump (e agora pela sua decisão de abandonar o acordo de Paris sobre o clima). Entretanto, grandes áreas do mundo em desenvolvimento (particularmente, o Médio Oriente e a África do Norte) têm estado envolvidas em conflitos, e algumas aproximam-se da falência do Estado.

Mas embora seja provável que esta turbulência continue durante o futuro imediato, não existe consenso sobre o que acontecerá depois. Na verdade, as previsões de longo prazo são normalmente um exercício enganoso. Em 1930, num período igualmente conturbado, foi o próprio John Maynard Keynes que tentou a sua sorte, com o famoso ensaio “Possibilidades económicas para os nossos netos.” As suas previsões não se verificaram.

Não obstante, a tentativa de Keynes representa seguramente um precedente respeitável para as previsões económicas. Por isso, aqui vai: daqui a 50 anos, prevejo que a economia estará provavelmente (mas sem certeza absoluta) a prosperar, com o PIB global a crescer tanto quanto 20% ao ano, e com o rendimento e o consumo a duplicarem todos os quatro anos.

À primeira vista, este cenário poderá parecer fantasioso. Afinal, a economia global só cresce actualmente a uma taxa anual próxima dos 3% (ou um pouco menos, nos últimos anos). Mas não seria a primeira vez que o crescimento económico global aceleraria para níveis anteriormente inimagináveis.

Entre 1500 e 1820, de acordo com dados recolhidos pelo falecido Angus Maddison, a taxa anual de crescimento do mundo foi de apenas 0,32%, sendo que grandes partes do mundo não registaram qualquer crescimento. Na China, o rendimento anual per capita durante esse período permaneceu nos 600 dólares. Para alguém que vivesse nessa época, a actualmente decepcionante taxa de crescimento de 3% teria sido inconcebível. Como poderiam prever a Revolução Industrial, que elevou o crescimento anual médio global para 2,25% entre 1820 e 2003?

Hoje, é a Revolução Digital que promete elevar o crescimento a novos máximos. Com efeito, encontramo-nos no meio de inovações tecnológicas impressionantes, com os avanços na tecnologia digital a ligar todos os cantos do mundo. Como consequência, os trabalhadores não se estão a tornar apenas mais produtivos; estão também a conquistar maior acesso ao emprego. As pessoas nos países em desenvolvimento, por exemplo, conseguem hoje trabalhar para empresas multinacionais. O resultado final é o aumento do número de trabalhadores que participa no mercado de trabalho.

Nem todos os efeitos económicos desta tendência foram positivos. Nos Estados Unidos, por exemplo, o salário médio real (ajustado pela inflação) quase não subiu, mesmo com o desemprego a descer para 4,3%. Ao permitir a distribuição de mais empregos por trabalhadores estrangeiros com salários mais baixos (e por máquinas, cada vez mais), a tecnologia reforçou este “tecto salarial”.

A solução para quebrar este tecto consiste em alterar os tipos de trabalho a que as pessoas se dedicam. Através do ensino e da formação melhorados, bem como de uma redistribuição mais eficaz, podemos viabilizar mais trabalho criativo, da arte à investigação científica, função que as máquinas não serão capazes de desempenhar no futuro previsível.

Embora esse tipo de trabalho possa parecer perdulário, devido ao número de pessoas e à quantidade de tempo necessários para garantir uma conquista ou inovação importante, essa conquista ou inovação é tudo aquilo que é necessário para criar valor suficiente e melhorar as condições de vida de toda a gente. E, na verdade, à medida que o sector criativo crescer, o crescimento também crescerá significativamente.

Este resultado é provável, mas não é certo. Garanti-lo obrigará a alterações fundamentais nas nossas economias e sociedades.

Por um lado, devemos trabalhar no sentido de suavizar a transição dos trabalhadores para empreendimentos mais criativos. Para tal, serão necessárias alterações fundamentais nos sistemas educativos, nomeadamente na formação para adultos. Também serão necessárias políticas e programas que proporcionem alguma margem financeira aos trabalhadores deslocados; de outra forma, os proprietários das máquinas e do capital aproveitarão as rupturas tecnológicas para se apropriarem de uma fatia ainda maior do bolo económico. A nível nacional, isto pode ser conseguido através de uma qualquer forma de partilha de lucros, mantendo por exemplo 15 a 20% dos lucros totais de um país na “posse” das classes trabalhadoras.

Os padrões de consumo também precisarão de mudar. Se, como o consumo global duplica todos os quatro anos, também duplicarmos o número de automóveis ou de milhas voadas pelos aviões, rapidamente ultrapassaremos os limites do planeta. Isto será tanto mais válido se considerarmos que o aumento da esperança de vida não só agravará o crescimento populacional, como também aumentará a proporção de idosos. Serão necessários os incentivos certos para garantir que uma grande porção da nossa riqueza seja direccionada para a melhoria da saúde e para alcançarmos a sustentabilidade ambiental.

Se não conseguirmos estas mudanças políticas nos próximos anos, a economia mundial deslocar-se-á para o outro extremo durante os próximos 50 anos. Num tal cenário, 2067 seria marcado por ainda maiores desigualdades, por conflitos, e pelo caos, continuando os eleitores a escolher líderes que se aproveitem dos seus receios e queixas. Acredito que possamos excluir o meio-termo, onde o mundo se pareceria com aquilo que têm sido os últimos 30-40 anos.

Em 1967, o mundo assistiu a grandes inovações na economia (a primeira ATM do mundo foi instalada perto de Londres em Junho desse ano) e na saúde (o primeiro transplante de coração bem-sucedido foi realizado na África do Sul, em Dezembro). Para que em 2067 celebremos um centenário adequado a estas inovações, a turbulência actual deverá motivar os líderes mundiais no sentido de trabalharem no desenvolvimento e na implementação das novas políticas de que necessitamos para criarmos um futuro mais próspero, mais justo, e mais estável.

Kaushik Basu

Kaushik Basu, ex-economista-chefe do Banco Mundial, é professor de Economia na Universidade de Cornell.

 

 

Subscreva a nossa News Letter
CONTACTOS
COLABORADORES
 
Eduardo Milheiro
Coordenador
Marta Milheiro
   
© O Notícias de Almeirim : All rights reserved - Site optimizado para 1024x768 e Internet Explorer 5.0 ou superior e Google Chrome