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O que é que se passa com as taxas negativas?
Autor: Joseph E. Stiglitz

22-04-2016

NOVA IORQUE – Escrevi, no início de janeiro, que estimava que as condições económicas este ano seriam tão fracas como em 2015, esse que foi o pior ano desde que a crise financeira mundial eclodiu, em 2008. E, à semelhança do que já aconteceu várias vezes na última década, após passarem alguns meses do ano, outras previsões mais otimistas estão a ser reavaliadas de forma descendente.

O problema subjacente – que tem atormentado a economia mundial desde a crise, mas que piorou ligeiramente – é a falta de procura agregada global. Agora, em resposta, o Banco Central Europeu (BCE) reforçou o seu estímulo, juntando-se ao banco do Japão e a um par de outros bancos centrais para mostrar que o “limite inferior zero” – a incapacidade de as taxas de juro se tornarem negativas – é um limite apenas na imaginação dos economistas convencionais.

E ainda assim, em nenhuma das economias que tentou fazer a experiência não ortodoxa das taxas de juro negativas houve um regresso ao crescimento e ao pleno emprego. Em alguns casos, o resultado foi inesperado: algumas taxas de empréstimo até aumentaram.

Deveria ter sido evidente que a maioria dos modelos pré-crise dos bancos centrais – os modelos formais e os modelos mentais que orientam o pensamento dos governantes – estava muito errada. Ninguém previu a crise; e muito poucas destas economias aparentam a recuperação do pleno emprego. Famosamente, o BCE aumentou as taxas de juro duas vezes em 2011, precisamente no momento em que a crise do euro estava a piorar e o desemprego a aumentar para níveis de dois dígitos, colocando cada vez mais a deflação no horizonte.

Eles continuaram a usar os velhos modelos desacreditados, talvez ligeiramente modificados. Nestes modelos, a taxa de juro é a ferramenta chave da política, ao ser registada nos seus percursos ascendentes e descendentes para garantir o bom desempenho económico. Se uma taxa de juro positiva não for suficiente, então, uma taxa de juro negativa deve resultar.

Não resulta. Em muitas economias – incluindo a Europa e os Estados Unidos – as taxas de juro reais (ajustadas pela inflação) têm estado negativas, às vezes até estão nos -2%. E apesar disso, uma vez que as taxas de juro caíram, os investimentos empresariais estagnaram. De acordo com a OCDE, a percentagem do PIB investido numa categoria que é na maior parte tangível caiu na Europa e nos EUA nos últimos anos. (Nos Estados Unidos passou de 8,4%, em 2000, para 6,8% em 2014, na UE passou de 7,5% para 5,7% no mesmo período). Outros dados fornecem um quadro semelhante.

Claramente, a ideia de que as grandes empresas calculam com precisão a taxa de juro com a qual estão dispostas a realizar investimentos – e com a qual estariam dispostas a empreender um grande número de projetos, se apenas as taxas de juros baixassem mais 25 pontos base – é absurda. De forma mais realista, as grandes empresas estão sentadas em centenas de milhares de milhões de dólares – na verdade, biliões se agregadas entre as economias avançadas – porque elas já têm muita capacidade. Por que razão se vai construir mais só porque a taxa de juro desceu um pouco? As pequenas e médias empresas (PME) que estão dispostas a pedir empréstimos, não conseguiam ter acesso ao crédito antes de o BCE estar negativo e agora também não.

Simplificando, a maioria das empresas – e especialmente as PME – não podem pedir empréstimos facilmente à taxa de obrigações do tesouro. Elas não pedem empréstimos nos mercados de capitais. Elas pedem empréstimos aos bancos. E há uma grande diferença (spread) entre as taxas de juro que os bancos estabelecem e a taxa de obrigações do tesouro. Além disso, os bancos racionam. Eles podem recusar emprestar a algumas empresas. Noutros casos, eles exigem garantias (muitas vezes imóveis).

Isto pode chocar a quem não é economista, mas os bancos não desempenham nenhum papel no modelo padrão económico que os formuladores de políticas monetárias usaram nas últimas duas décadas. Claro, se não houvesse nenhum banco, também não haveria nenhum banco central; mas a dissonância cognitiva raramente abalou a confiança dos banqueiros centrais nos seus modelos.

O facto é que a estrutura da zona euro e as políticas do BCE garantiram que os bancos dos países com desempenho abaixo do esperado e especialmente nos países em crise são muito fracos. Os depósitos foram colocados de parte e as políticas de austeridade exigidas pela Alemanha estão a prolongar a escassez da procura agregada e a sustentar elevadas taxas de desemprego. Nestas circunstâncias, o empréstimo é arriscado e os bancos não têm apetite nem capacidade de emprestar, particularmente às PME (que normalmente gerem o maior número de postos de trabalho).

Uma diminuição na taxa de juro real – nas obrigações do Estado – para os -3% ou até mesmo os  -4% irá fazer pouca ou nenhuma diferença. As taxas de juro negativas causam danos nos balanços dos bancos, com o “efeito riqueza” nos bancos a esmagar o pequeno aumento em incentivos para emprestar. A menos que os governantes sejam cuidadosos, as taxas de empréstimo podem aumentar e a disponibilidade de crédito pode diminuir.

Existem três problemas adicionais. Primeiro, as baixas taxas de juro incentivam as empresas a investir em tecnologias de capital mais intensivo, resultando numa procura de trabalho que diminui a longo prazo, mesmo que o desemprego diminua a curto prazo. Segundo, as pessoas mais velhas que dependem do rendimento de juros sofrem ainda mais, reduzem muito mais o seu consumo quando comparadas com aqueles que beneficiam com a diminuição nas taxas de juro – donos de capital ricos – e aumentam o seu consumo, prejudicando a procura agregada atual. Terceiro, a procura talvez irracional, mas amplamente documentada de rendimentos implica que muitos investidores irão redirecionar as suas carteiras para ativos mais arriscados, expondo a economia a uma maior instabilidade financeira.

O que os bancos centrais deveriam fazer eram focarem-se no fluxo de crédito, o que significa restabelecer e manter a capacidade dos bancos locais e a disponibilidade para emprestarem às PME. Em vez disso, em todo o mundo, os bancos centrais têm incidido sobre os bancos sistemicamente significativos, as instituições financeiras cuja tomada de riscos excessivos e práticas abusivas causaram a crise de 2008. Mas um grande número de pequenos bancos no total é sistemicamente importante – especialmente se algum estiver preocupado com a restauração de investimento, do emprego e do crescimento.

A grande lição de tudo isto é apreendida pelo velho ditado: “entra lixo, sai lixo”. Se os bancos centrais continuarem a usar os modelos errados, eles continuarão a fazer a coisa errada.

Claro, mesmo nas melhores circunstâncias, a capacidade da política monetária para transformar uma economia em queda em pleno emprego pode ser limitada. Mas confiar no modelo errado impede que os banqueiros centrais contribuam com o que podem – e podem até piorar uma situação que já é má.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e a medalha Clark John Bates em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico Social e progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. Um ex-vice-presidente sénior e economista-chefe do Banco Mundial e presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente dos EUA Bill Clinton, em 2000, fundou a Initiative for Policy Dialogue, um grupo de reflexão sobre o desenvolvimento internacional com sede na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é “Reescrevendo as regras da economia americana”.

 

 

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