15-04-2016
LONDRES – A política de asilo que emergiu das negociações da União Europeia com a Turquia no mês passado entrou em vigor em 4 de Abril, quando 202 requerentes de asilo foram deportados da Grécia. Esta política apresenta quatro falhas fundamentais.
• Foi negociada com a Turquia e imposta à UE pela Chanceler alemã Angela Merkel.
• Está seriamente subfinanciada.
• Não é voluntária, pois estabelece quotas a que muitos Estados-Membros se opõem e obriga os refugiados a estabelecerem residência em países onde não querem viver.
• Transforma a Grécia num verdadeiro “parque de espera” com instalações insuficientes para o número de requerentes de asilo que já lá se encontram.
É possível corrigir todas estas deficiências. A Comissão Europeia reconheceu implicitamente algumas delas no dia 6 de Abril, através de um novo conjunto de propostas de reforma do sistema de asilo da Europa. Mas as propostas da Comissão continuam a assentar em quotas obrigatórias, e isso jamais funcionará. Frans Timmermans, primeiro vice-presidente da Comissão Europeia, exorta ao debate aberto.
A meu ver, uma política de asilo abrangente para a Europa devia estabelecer um objectivo anual firme e confiável de 300.000-500.000 refugiados. Este número é suficientemente elevado para dar aos refugiados a garantia de que acabarão por chegar ao seu destino. Contudo, ainda é demasiado reduzido para ser tido em conta mesmo no actual clima político desfavorável.
Existem técnicas para estabelecer a correspondência voluntária entre a oferta e a procura em outros domínios, nomeadamente entre alunos e escolas entre internos de medicina e hospitais. No caso dos refugiados, os que estivessem decididos a ir para um determinado destino, teriam que esperar mais tempo do que os que aceitassem o destino que lhes foi atribuído. Os requerentes de asilo registados poderiam, assim, ter de aguardar a sua vez no local onde se encontrassem naquele momento.
Esta medida seria muito menos dispendiosa e dolorosa do que a actual situação de caos, cujas principais vítimas são os migrantes. Aqueles que "saltarem a fila" perderão seu lugar – facto que deve constituir incentivo suficiente para o cumprimento das regras.
Este plano exigiria, no mínimo, 30 mil milhões de euros por ano. Tal inclui a disponibilização de apoio financeiro suficiente à Turquia e a outros países da linha da frente para permitir aos refugiados que aí vivem a oportunidade de trabalhar e de escolarizar os seus filhos; a criação de uma agência comum de asilo na UE e de uma força fronteiriça; a resposta ao caos humanitário da Grécia e a definição de normas comuns em toda a UE para receber e integrar os refugiados.
A UE tem indubitavelmente a capacidade de obter, pelo menos, 30 mil milhões de euros por ano, o que representa menos de 0,25% do PIB combinado dos seus 28 Estados-Membros cifrado em mais de 16 biliões de euros, e menos de 0,5% da despesa total dos seus governos nacionais. O que falta é vontade política. As regras orçamentais da UE limitam a capacidade da maioria dos Estados-Membros incorrerem em défices mais elevados e de financiá-los através novas emissões de títulos de dívida. É por isso que a questão ainda não foi levantada, e muito menos analisada seriamente.
Mais cedo ou mais tarde, terão de ser cobrados novos impostos para lidar com a crise dos refugiados. Amealhar fundos insuficientes ano após ano não será suficiente. Contrariamente, o "financiamento maciço" permitiria à UE dar uma resposta mais eficaz a algumas das consequências mais perigosas, ajudando a afastar as dinâmicas económicas, políticas e sociais da xenofobia e do descontentamento face a resultados construtivos que beneficiam tanto os refugiados como os países. A longo prazo, tal permitiria reduzir a despesa total da Europa com vista à contenção e à recuperação da crise dos refugiados.
A utilização do balanço da UE para cobrir o financiamento maciço é vivamente aconselhável. Encontrando-se as taxas de juros globais em ou perto de níveis historicamente baixos, o actual momento é particularmente propício para utilizar o crédito AAA da UE. Tal tem a vantagem adicional de fornecer um estímulo económico muito necessário. Os montantes envolvidos são de importância macroeconómica, especialmente porque seriam gastos quase imediatamente e exerceriam um efeito multiplicador. Uma economia em crescimento facilitaria ainda mais a absorção do fluxo de imigrantes, quer se tratasse de imigrantes por motivos económicos ou de refugiados.
A questão consiste em determinar como é que se vai utilizar o crédito AAA da UE sem suscitar oposição, especialmente na Alemanha? Em primeiro lugar, devemos reconhecer que a UE já é um mutuário de crédito AAA. Durante a crise da zona euro, a UE criou instrumentos financeiros, como o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (MEEF) e o Mecanismo de Estabilidade Europeia (MEE), capazes de mobilizar rapidamente dezenas de milhar de milhões de euros em condições favoráveis.
Estas entidades, detentoras de uma considerável capacidade de contracção de empréstimos, devem ser reorientadas para garantir o financiamento maciço necessário para enfrentar a crise migratória. O recurso a um mecanismo existente, ainda que para um novo fim, seria muito mais eficiente do que a criação de um mecanismo novo, bastando para o efeito uma decisão política - que pudesse ser adoptada a curto prazo.
Duas fontes de verbas - o MEEF (para os membros da zona euro) e o mecanismo de apoio financeiro às balanças de pagamentos (para os Estados-Membros da UE não pertencentes à zona euro) - deviam ser integradas na tarefa. Estas duas fontes são totalmente apoiadas pelo orçamento da UE e, por conseguinte, não exigem garantias nacionais ou aprovação parlamentar a nível nacional. A sua capacidade bruta de contracção de empréstimos é, no conjunto, de 110 mil milhões de euros, um montante que corresponde à receita anual do orçamento da UE.
Os 50 mil milhões de euros correspondentes à capacidade de contracção de empréstimos do mecanismo de apoio financeiro às balanças de pagamentos estão praticamente por utilizar. O MEEF concedeu cerca de 46,8 mil milhões de euros em empréstimos a Portugal e à Irlanda, mas dispõe ainda de uma considerável capacidade disponível. A sua capacidade conjunta é bastante superior a 60 mil milhões de euros, e aumenta a cada ano à medida que os empréstimos a Portugal e à Irlanda vão sendo reembolsados.
À semelhança da crise do euro, a crise dos refugiados requer uma resposta rápida. Mas difere da crise do euro, na medida em que os países beneficiários (Jordânia, Turquia e Grécia) estão na linha da frente de uma tarefa colectiva europeia. Têm direito a subsídios, e não deviam ser obrigados a reembolsar o dinheiro que recebem. Em vez disso, a UE e os seus Estados-Membros devem encontrar novas fontes de receitas fiscais para pagar o financiamento maciço.
A nova receita fiscal poderia ter origem em diversas fontes, incluindo o imposto sobre o valor acrescentado à escala da UE, que já fornece receitas; um imposto especial sobre a gasolina, como sugerido pelo Ministro das Finanças da Alemanha, Wolfgang Schäuble; ou um novo imposto sobre as viagens com destino à UE e sobre os pedidos de visto, que contribuiria para transferir parte dos encargos para os cidadãos não pertencentes à UE.
A conclusão do processo de cobrança de novos impostos levará muito tempo, e os obrigacionistas quererão assegurar o bom cumprimento e o reembolso das suas obrigações. É por isso que a UE deve garantir que vai gerar as novas receitas fiscais no momento em que são necessárias, mesmo que ainda não se tenha determinado a fonte exacta.
Mantém-se a questão: como gerar a vontade política necessária? A UE assenta em princípios democráticos. Estou convicto de que existe uma maioria silenciosa que quer preservar a União, mesmo que actualmente a instituição não esteja a funcionar bem. Se esta maioria fizer ouvir a sua voz, os líderes políticos irão escutá-la.
A crise dos refugiados representa uma ameaça existencial para a Europa. Seria uma irresponsabilidade permitir que a UE se desintegrasse devido à falta de financiamento para controlar a crise. No entanto, a falta de financiamento adequado é o principal obstáculo ao êxito dos programas nos países da linha da frente. Ao longo da história, os governos emitiram obrigações em resposta a emergências nacionais. Quando deve a UE explorar o seu crédito AAA, senão num período em que corre perigo de vida?
* George Soros
George Soros é presidente do Soros Fund Management e Presidente do Open Society Foundations. Um pioneiro da indústria de fundos de hedge, ele é o autor de muitos livros, incluindo The Alchemy of Finance, O Novo Paradigma para os Mercados Financeiros: A crise do crédito de 2008 e o que ele significa, e A Tragédia da União Europeia.