25-03-2016
ATENAS – “A Grécia regressou, finalmente, ao crescimento económico”. Este era o enredo oficial da União Europeia no final de 2014. Infelizmente, os eleitores gregos, não impressionados com este júbilo, destituíram o governo em exercício de funções e, em Janeiro de 2015, votaram por uma nova administração na qual desempenhei a função de ministro das Finanças.
Na semana passada, relatórios jubilosos semelhantes foram emanados de Bruxelas, anunciando o “regresso ao crescimento” em Chipre, e contrastando esta “boa” notícia com o “regresso à recessão” da Grécia ". A mensagem da troika de credores do resgate europeu - a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e do Fundo Monetário Internacional - é clara e dita em alta voz: “Façam o que mandarmos, como Chipre fez, e irão recuperar. Resistam às nossas políticas, elegendo pessoas como Varoufakis, e irão sofrer as consequências de mais recessão”.
É uma história poderosa. Só que ela tem como base uma mentira dissimulada. A Grécia não estava a recuperar em 2014 e o rendimento nacional de Chipre ainda não recuperou. As reivindicações da UE em sentido contrário são baseadas num foco inadequado no “verdadeiro” rendimento nacional, um limite métrico para induzir em erro durante os períodos de queda de preços.
Se lhe perguntassem se está melhor hoje, do que estava há um ano, a sua resposta seria afirmativa caso o seu rendimento monetário (isto é, os seus dólares, libras, euros ou ienes) tivesse subido durante os 12 meses anteriores. Nos tempos de inflação de outrora, a sua resposta poderia ser acompanhada com a denúncia (razoável) que o aumento do custo de vida corroeu o aumento do seu rendimento monetário.
Para justificar esta lacuna entre o seu rendimento monetário e a sua capacidade de comprar coisas com ele, os economistas focaram-se no seu poder de compra, ajustando o seu rendimento monetário com base nos preços médios.
O rendimento global de um país é medido de forma semelhante. Os economistas começam por somar o rendimento monetário de todos os cidadãos para obter o Produto Interno Bruto nominal - ou, para dizer de uma forma mais simples, o rendimento monetário total do país (N). Em seguida, eles ajustam o N com base nas mudanças nos preços médios (P) dividindo N por P. Esta proporção é o “verdadeiro” rendimento do país (R = N / P).
Durante os períodos de inflação, o objectivo de calcular o valor do rendimento real, R, era evitar que ficássemos demasiado entusiasmados com os relatórios que diziam que o rendimento monetário tinha aumentado substancialmente. Por exemplo, numa altura em que os preços médios estavam a subir, digamos, 8%, um aumento de 9% no rendimento monetário traduzia-se num mera taxa de crescimento real de 1% na nossa capacidade de comprar coisas.
Então, não há dúvida de que em tempos de inflação, o número do rendimento nacional real, R, era o único ao qual se deveria dar atenção antes de se jubilar que a economia estava a crescer. Só quando o R aumentou fortemente é que tivemos boas razões para acreditar que a actividade económica estava a subir.
Mas em períodos de deflação (quando os preços estão a cair), como aqueles vividos na Grécia e hoje em Chipre, o R pode ser profundamente enganador. Considere a representação hipotética de uma economia deflacionária na tabela abaixo.
|
Ano 1 |
Ano 2 |
Ano 3 |
Rendimento Monetário Nacional (N) |
100 |
98 |
96 |
Índice de Preço Médio (P) |
100 |
99 |
93 |
Rendimento Nacional Real (R = N/P) |
1 |
98/99 |
96/93 |
Crescimento do N |
- |
-2% |
-2,04 |
Taxa de Inflação |
- |
-1% |
-6,06% |
Crescimento do R |
- |
-0,01% |
+4,28% |
Do Ano 1 ao Ano 2, o rendimento monetário do país (N) diminuiu 2% (passou de 100 para 98), enquanto o índice de preço médio caiu 1% (passou de 100 para 99). No ano seguinte (Ano 3), a recessão intensificou-se, com uma nova queda de 2,04% no rendimento monetário (passou de 98 para 96) e uma queda ainda maior nos preços, quando a deflação atingiu os 6,06%.
Este é o retrato de uma economia a deslizar na recessão em direcção a algo que faz lembrar a depressão: queda de rendimentos e diminuição ainda mais rápida nos preços. Mas repare na última linha: o rendimento nacional “verdadeiro” parece ter repercutido de forma dramática no Ano 3, subindo uns saudáveis 4,28%!
Mas é uma miragem – uma ilusão provocada pela queda dos preços. Indo directamente ao assunto, nas economias deflacionárias, onde as pessoas e o Estado suportam dívidas significativas, apenas os aumentos nos rendimentos monetários (em oposição ao real) são motivo de celebração.
Pode-se ripostar dizendo que um aumento no rendimento nacional real, R, é sempre uma boa notícia, mesmo que os rendimentos monetários estejam a cair. Visto que, se os preços (P) estiverem a cair mais depressa do que os rendimentos monetários (N), certamente isso significa que nos podemos dar ao luxo de comprar mais por menos. Isto não será uma coisa boa?
Certamente que é - mas apenas na ausência de um obstáculo habitual: a dívida. Quando as pessoas e os governos estão extremamente endividados, e desde que paguem juros positivos sobre essa dívida, a diminuição do rendimento monetário é uma receita para a insolvência colectiva.
Era isto que estava a acontecer na Grécia, em 2014, quando o R subiu 0,8%, mas o P desceu 2,6%. Foi também isto que aconteceu em Chipre, durante o último trimestre de 2015, com o R nos 0,4% em Janeiro de 2016, mas o P nos -0,75%. De facto, grande parte da periferia europeia está presa numa trapalhada deflacionária, com rendimentos monetários a cair, dívidas a subir rapidamente (como parte dos rendimentos monetários) e os bancos a afogarem-se em empréstimos de cobrança duvidosa que os impedem de emprestar até mesmo a empresas lucrativas.
Durante vários anos, os líderes políticos da Europa estiveram paralisados. Investiram demasiado capital político nas suas políticas fracassadas para tentarem reverter o rumo. Mas ninguém devia ser enganado pela prestidigitação estatística: a concentração nos dados do rendimento nacional real durante um período de deflação é apenas um esforço para renovar a imagem de uma depressão económica, de forma a parecer uma grande história de sucesso.
Yanis Varoufakis
Yanis Varoufakis, ex-ministro das Finanças da Grécia, é professor de Economia na Universidade de Atenas.