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Estancar a fuga de capitais nos países em desenvolvimento
Autor: Joseph E. Stiglitz e Hamid Rashid

26-02-2016

NOVA IORQUE – Os países em desenvolvimento estão este ano a preparar-se para um forte abrandamento. De acordo com o relatório Situação e Perspectivas Económicas Mundiais em 2016da ONU, o seu crescimento médio não passou dos 3,8% em 2015: a taxa mais reduzida desde a crise financeira global em 2009 e apenas igualada, neste século, pelo recessivo ano de 2001. E o que é importante ter em mente é que o abrandamento da China e as profundas recessões na Federação Russa e no Brasil apenas explicam parte da queda generalizada do crescimento.

É verdade que a quebra na procura de recursos naturais pela China (que é responsável por perto de metade da procura global por metais de base) tem tido muito a ver com as acentuadas quedas nos seus preços, que atingiram profundamente muitas economias emergentes e em desenvolvimento na América Latina e em África. De facto, o relatório da ONU refere 29 economias que terão probabilidade de ser grandemente afectadas pelo abrandamento da China. E o colapso dos preços do petróleo, superior a 60% desde Julho de 2014, abalou as perspectivas de crescimento dos exportadores de petróleo.

A verdadeira preocupação, contudo, não reside apenas na queda dos preços das mercadorias, mas também nas maciças saídas de capital. Entre 2009 e 2014, os países em desenvolvimento receberam, no seu conjunto, entradas líquidas de capital de 2,2 biliões de dólares, em parte devido à flexibilização quantitativa nas economias avançadas, que empurrou as suas taxas de juro quase até zero.

A busca por maiores rendimentos levou os investidores e os especuladores até aos países em desenvolvimento, onde as entradas de capital aumentaram a alavancagem, estimularam os preços dos títulos, e em alguns casos fomentaram uma subida abrupta do preço das mercadorias. A capitalização bolsista nas bolsas de Mumbai, Joanesburgo, São Paulo e Xangai, por exemplo, quase triplicou nos anos que se seguiram à crise financeira. Os mercados de títulos noutros países em desenvolvimento também testemunharam aumentos dramáticos semelhantes durante este período.

Mas os fluxos de capital estão agora a inverter-se, tornando-se negativos pela primeira vez desde 2006, com as saídas líquidas nos países em desenvolvimento em 2015 a excederem 600 mil milhões de dólares (mais de um quarto das entradas recebidas durante os seis anos anteriores). As maiores saídas ocorreram através dos canais bancários, com os bancos internacionais a reduzirem as suas exposições ilíquidas ao crédito a países em desenvolvimento em mais de 800 mil milhões de dólares em 2015. Saídas de capital desta magnitude implicam uma miríade de prováveis efeitos: secagem da liquidez, aumento dos custos do crédito e do serviço da dívida, enfraquecimento de divisas, esgotamento de reservas, e decréscimo no preço das acções e de outros activos.

Ocorrerão sobre a economia real grandes efeitos em cadeia, incluindo danos sérios às perspectivas de crescimento dos países em desenvolvimento.

Esta não é a primeira vez em que os países em desenvolvimento tiveram de enfrentar os desafios de gerir capital especulativo pró-cíclico, mas as magnitudes actuais são avassaladoras. Durante a crise financeira Asiática, as saídas líquidas provenientes das economias do Leste Asiático atingiram apenas 12 mil milhões de dólares em 1997.

Claro que as economias do Leste Asiático estão hoje mais bem preparadas para resistir a essas saídas maciças, dada a sua acumulação de reservas internacionais desde a crise financeira de 1997. Na verdade, as reservas globais mais do que triplicaram desde a crise financeira Asiática. A China, por exemplo, usou perto de 500 mil milhões de dólares das suas reservas em 2015 para combater as saídas de capital e evitar a desvalorização acentuada do renminbi; mas ainda possui mais de 3 biliões de dólares em reservas.

A dimensão das reservas pode explicar parcialmente porque é que as grandes saídas não desencadearam uma crise financeira generalizada nos países em desenvolvimento. Mas nem todos os países têm a sorte de possuir um arsenal tão grande.

Mais uma vez, prova-se que os defensores da livre mobilidade dos desestabilizadores fluxos de capital de curto prazo estão errados. Muitos mercados emergentes reconheceram esses perigos e tentaram reduzir as entradas de capital. A Coreia do Sul, por exemplo, tem aplicado uma série de medidas macro-prudenciais desde 2010, destinadas a moderar as responsabilidades pró-cíclicas transfronteiriças do sector bancário. As medidas tomadas foram apenas parcialmente bem-sucedidas, como mostram os dados anteriores. A questão é: o que deverão fazer agora?

Os sectores empresariais dos países em desenvolvimento, tendo aumentado a sua alavancagem com as entradas de capital no período pós-2008, estão especialmente vulneráveis. As saídas de capital terão um efeito adverso sobre os preços do seu capital, incrementando a parcela das dívidas sobre o capital, e aumentando a probabilidade de incumprimentos. O problema é particularmente grave nas economias em desenvolvimento exportadoras de mercadorias, onde as empresas se endividaram extensivamente, prevendo que os preços das mercadorias continuassem elevados.

Muitos governos de países em desenvolvimento não souberam aprender as lições de crises anteriores, que deveriam ter desencadeado regulamentações e impostos que restringissem e desencorajassem as exposições cambiais. Agora, os governos devem tomar medidas rápidas para evitar responsabilidades por estas exposições. Procedimentos de insolvência mais expeditos e amigáveis para os devedores poderiam garantir reestruturações rápidas e constituir um enquadramento para a renegociação de dívidas.

Os governos dos países em desenvolvimento também deveriam encorajar a conversão dessas dívidas a obrigações indexadas ao PIB ou a outros tipos de obrigações indexadas. Os países com elevados níveis de dívida externa, mas com reservas, também deveriam considerar a recompra da sua dívida soberana no mercado internacional de capitais, aproveitando os preços em queda das obrigações.

Embora as reservas possam fornecer alguma folga para minimizar os efeitos adversos da saída de capitais, em muitos casos não serão suficientes. Os países em desenvolvimento devem resistir à tentação de aumentar as taxas de juro para impedir a saída de capitais. Historicamente, as subidas das taxas de juro têm tido pouco efeito. Na verdade, porque prejudicam o crescimento económico, reduzindo ainda mais a capacidade dos países em assegurar o serviço da dívida externa, as taxas de juro mais elevadas podem ser contraproducentes. As medidas macro-prudenciais podem desencorajar ou atrasar as saídas de capitais, mas também essas medidas podem ser insuficientes.

Em alguns casos, poderá ser necessário introduzir controlos de capital selectivos, específicos, e temporários, para impedir as saídas, especialmente as saídas efectuadas através dos canais bancários. Isto implicaria, por exemplo, restringir as transferências de capital entre as sedes dos bancos nos países desenvolvidos e as suas filiais e balcões nos países em desenvolvimento. Seguindo o bem-sucedido exemplo da Malásia em 1997, os países em desenvolvimento também poderiam suspender temporariamente todos os levantamentos de capital, para estabilizar os fluxos de capital e as taxas de câmbio. Este será talvez o único recurso que muitos países em desenvolvimento possuem para evitar uma crise financeira catastrófica. É importante que ajam rapidamente.

As opiniões aqui expressas não reflectem as opiniões das Nações Unidas nem dos seus estados-membros.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, vencedor do Prémio Nobel de Ciências Económicas em 2001 e a medalha Clark John Bates em 1979, é professor universitário na Universidade de Columbia, co-presidente do Grupo de Alto Nível de Especialistas sobre a Medição do Desempenho Económico e Social progresso na OCDE, e economista-chefe do Instituto Roosevelt. É ex-vice-presidente economista-chefe sénior do Banco Mundial e foi presidente do Conselho de Assessores Económicos de Bill Clinton ex-presidente dos EUA, em 2000, fundou a Initiative for Policy Dialogue, um grupo de reflexão sobre o desenvolvimento internacional com sede na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente é Reescrevendo as Regras da Economia Americana .

Hamid Rashid

Hamid Rashid, director-geral anterior para os assuntos económicos multilaterais no Ministério dos Negócios Estrangeiros do Bangladesh e conselheiro sénior da Mesa do PNUD para a política de desenvolvimento , é Chefe de Acompanhamento Económico Global do Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas.

Traduzido do inglês por António Chagas

 

 

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