29-01-2016
DAVOS – Em 2007, os EUA contraíram uma gripe económica grave, e altamente contagiosa. Oito anos depois, o país está finalmente a dar mostras de uma recuperação convincente. Tão convincente que, pela primeira vez em quase dez anos, a Reserva Federal dos EUA aumentou no mês passado a taxa de juro de base do país. O estado da Europa, porém, ainda é crítico. Não só não recuperou da gripe do período pós-2008 (assolado por múltiplas crises), com está agora à beira de uma pneumonia.
A melhor defesa contra os agentes patogénicos é um forte sistema imunitário. E é isso que actualmente faz falta à Europa, sob a forma de líderes políticos que ofereçam uma visão inspiradora e progressista aos seus cidadãos. Com níveis de descontentamento em relação à política não observados desde os tempos mais negros do continente na década de 1930, o risco de a Europa vir sucumbir às forças destrutivas do populismo afigura-se cada vez maior.
No entanto, ainda é muito cedo para abandonar a esperança. Pelo contrário, a Europa está bem posicionada para ter êxito a longo prazo. A fim de garantir esse futuro, em vez de debater-se para fazer face às crises que vão surgindo, a classe política da Europa deve começar a considerar o panorama mais vasto, antecipar e enfrentar os desafios e voltar a inspirar as pessoas.
Será pedir demasiado? A história diz-nos que a resposta é um categórico não. Há sessenta anos, quando a economia da Europa recuperava da destruição causada pela Segunda Guerra Mundial, os líderes europeus olharam para além das dificuldades diárias enquanto moldavam um futuro mais esperançoso, assente numa integração europeia. É exactamente dessa visão e antecipação que necessitamos hoje, e a União Europeia, com a sua capacidade inigualável para facilitar a cooperação regional, continua a ser essencial.
É evidente que existem algumas diferenças fundamentais entre as circunstâncias que levaram à criação da União Europeia e as que os líderes da Europa enfrentam actualmente. Em especial, é graças à UE que os europeus de hoje, em geral, não sofreram guerras e privação económica absoluta. Não tendo os perigos da demagogia incorporados nas suas memórias de vida, ficam muito mais vulneráveis a quem semeia medos e falsas promessas, reflectidas na influência crescente das narrativas nacionalistas e dos movimentos populistas. Pior ainda, confrontados com a erosão da sua base eleitoral, muitos partidos tradicionais estão a tentar acompanhar o passo destas forças destrutivas, fustigando-se a si mesmos na UE.
A UE precisa claramente de um novo impulso que reflicta os desafios e oportunidades do século XXI. Este impulso, porém, será praticamente impossível de fundar (e de utilizar para inspirar os cidadãos), até que a UE e os seus Estados-Membros tenham controlo sobre as crises que ameaçam oprimi-los. É por isso que é tão urgente que a Europa arrume a sua casa económica de uma vez por todas, o que não será rápido nem fácil. Em especial porque vai obrigar-nos a fazer face aos muitos problemas que foram varridos para debaixo do tapete ao longo dos anos, como os projectos mal amadurecidos cuja execução foi impingida à UE. O principal exemplo disto é a união económica e monetária parcial que existe há quase duas décadas, e que tem agora de tornar-se uma união plena, se quisermos que seja bem-sucedida e assegure resultados concretos.
É tempo de os líderes europeus quebrarem o hábito de há décadas de executarem projectos mal amadurecidos que atenuam os sintomas das crises, e passarem a implementar reformas reais para combater as causas profundas. Só uma nova abordagem (e progressos tangíveis) poderá recuperar a solidariedade na Europa.
O meu apelo em prol de um compromisso renovado com a UE não deriva de um qualquer mantra federalista. Sou o primeiro a salientar que os intervenientes políticos a todos os níveis têm um papel a desempenhar na Europa, na medida em que sejam capazes de implementar políticas de forma eficiente. Reconheço também que é necessário reformar as instituições da UE, para que tenham condições de gerir o panorama mais vasto, em vez de centrar-se apenas nos pormenores.
No entanto, a UE e as suas instituições continuam a ser parte integrante dos esforços envidados para responder aos desafios que exigem uma frente unida – desafios como os que a Europa enfrenta hoje.
Se os líderes europeus tencionam inspirar os seus cidadãos na construção de um futuro partilhado, deverão demonstrar um entendimento do que o futuro reserva, e de como aproveitá-lo ao máximo. Deviam começar por mudar a sua atitude e empenhar-se em trabalhar em conjunto para fazer frente às crises actuais e futuras.
Embora não seja possível sabermos com certeza o que os próximos 10-20 reservam, dispomos de algumas pistas importantes. Por um lado, existe a Quarta Revolução Industrial, que promete transformar as nossas economias e sociedades de forma fundamental. Adivinham-se também muitos outros desafios transnacionais (desde abordar as causas profundas da crise de refugiados do Médio Oriente, até à execução do Acordo de Paris celebrado no mês passado e que visa a atenuação das alterações climáticas).
Seria irónico se os europeus, fascinados por promessas ilusórias de bem-aventurada autocontenção nacional, deitassem por terra 60 anos de ampla cooperação num momento em que esta cooperação é mais necessária do que nunca. É claro que o comportamento autodestrutivo nacional não é novidade. Mas, na maior parte dos casos, os líderes conseguiram afastar-se da beira do abismo. A chave para a Europa será fornecer uma visão coerente e convincente que justifique a necessidade de cooperação nas próximas décadas.
Martin Schulz
Martin Schulz é o presidente do Parlamento Europeu.
Tradução: Teresa Bettencourt