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A Grécia Sem Ilusões
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23-10-2015

ATENAS – “A pequena remodelação governamental mais cara da história da Grécia.” Esta é uma das formas de descrever o resultado das eleições nacionais gregas de 20 de Setembro. Com efeito, salvo algumas excepções, os mesmos ministros voltaram aos mesmos gabinetes como parte de uma administração apoiada pela mesma peculiar dupla de partidos (o Syriza, de esquerda e, em menor número, os gregos independentes de direita), que obtiveram uma percentagem de votos apenas um pouco inferior à da administração anterior.

No entanto, a aparência de continuidade é ilusória. Embora a percentagem de eleitores apoiantes do governo se mantenha praticamente inalterada, 0,6 milhões dos 6,1 milhões de gregos que votaram no referendo de 5 de Julho sobre a continuidade dos empréstimos “extend and pretend” com condições rigorosas de austeridade não foram às urnas. A perda de tantos eleitores em pouco mais de dois meses reflecte uma mudança drástica do estado de espírito dos eleitores, passando de entusiasta a desanimado.

A mudança reflecte o mandato que o Primeiro-Ministro Alexis Tsipras procurou e obteve. No passado mês de Janeiro, quando estivava a seu lado, pedimos aos eleitores que apoiassem a nossa determinação em acabar com os resgates “extend and pretend” que tinham conduzido a Grécia a um buraco negro e funcionavam como modelo das políticas de austeridade em toda a Europa. O governo que regressou em 20 de Setembro tem a missão oposta: implementar um programa de resgate “extend and pretend”, que é, na verdade, a variante mais tóxica de sempre.

A nova administração Tsipras sabe disso. Tsipras entende que o seu governo está a caminhar na corda bamba de um programa orçamental que não pode ser bem-sucedido e de um programa de reformas que os seus ministros detestam. Embora os eleitores prefiram, sensatamente, que seja Tsipras e o seu gabinete, e não a oposição conservadora, a implementar um programa que a esmagadora maioria dos gregos detestam, a realidade do programa de austeridade irá testar a paciência do público.

O governo de Tsipras está empenhado na adopção de uma longa lista de medidas de recessão. Três destas medidas sublinham a avalanche de impostos que se avizinham: Mais de 600 000 agricultores terão de pagar impostos adicionais relativos ao exercício de 2014, bem como pagar antecipadamente mais de 50% do imposto estimado para o próximo ano. Cerca de 700 000 pequenas empresas (incluindo trabalhadores com salários reduzidos que são forçados a operar como prestadores de serviços privados) terão de pagar antecipadamente 100% (sim, leu correctamente) dos impostos do próximo ano. A partir do próximo ano, os comerciantes estarão sujeitos ao pagamento de um imposto sobre o volume de negócios de 26%, a contar do primeiro euro ganho, tendo que pagar antecipadamente, em 2016, 75% dos seus impostos relativos a 2017.

Para além deste absurdo aumento dos impostos (que também inclui aumentos substanciais nos impostos sobre as transacções), o governo de Tsipras concordou quanto a cortes nas pensões e à venda de bens públicos com carácter de urgência. Até mesmo os gregos mais apologistas da reforma recusam o programa imposto pela “troika” (composta pela Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu).

Tsipras está a tentar construir duas linhas de defesa contra o tsunami de dor que se avizinha (e, deste modo, minimizar o descontentamento popular). A primeira linha consiste em pressionar a troika a cumprir a sua promessa de encetar negociações com vista à redução da dívida logo que o seu programa de recessão esteja plenamente implementado. A segunda linha de defesa é baseada na promessa de um programa “paralelo” destinado a melhorar os efeitos mais nefastos do programa da troika. Contudo, ambas as linhas são, na melhor das hipóteses, permeáveis, tendo em conta as duras realidades da situação económica da Grécia.

Não restam muitas dúvidas de que o governo grego conseguirá um certo alívio da dívida. Uma dívida impagável constitui, de uma forma ou de outra, uma redução do valor dos activos (haircut, em inglês). Porém, os credores da Grécia já foram objecto de duas reduções do valor dos activos, a primeira na Primavera de 2012 e a outra em Dezembro do mesmo ano. Infelizmente, essas reduções, embora substanciais, foram muito pouco muito tarde e muito tóxicas no que diz respeito aos seus parâmetros financeiros e jurídicos.

A questão com que se vê confrontado o governo de Tsipras é, por conseguinte, se a próxima redução do valor dos activos será mais terapêutica do que a última. A fim de ajudar a sanar a economia grega, o alívio da dívida deve ser significativo e constituir uma alavanca para eliminar a maior parte das novas medidas de austeridade, que apenas garantem mais uma rotação do ciclo da dívida-deflação. Mais precisamente, a redução da dívida deve ser acompanhada por uma redução da meta do excedente orçamental primário a médio prazo, dos actuais 3,5% do PIB para um valor não superior a 1,5%. Nada mais poderá permitir a recuperação da economia grega.

Será politicamente possível algo deste género? Uma pista surgiu recentemente num artigo do Financial Times em que Klaus Regling, o responsável pelo fundo de resgate da Europa, o Mecanismo Europeu de Estabilidade, retomou o dogma da troika segundo o qual a Grécia não necessita de um alívio da dívida substancial. Regling pode não ser um actor de relevo por direito próprio, mas nunca fala fora de sítio nem contradiz o BCE nem o governo alemão.

Depois, há o FMI, cujos funcionários dizem a quem esteja disposto a ouvir que a dívida grega deve ser reduzida em cerca de um terço ou 100 mil milhões de euros. No entanto, se o passado recente pode, de algum modo, servir de orientação para o futuro próximo, os pontos de vista do FMI serão ultrapassados.

Isto significa que Tsipras fica apenas com a sua segunda linha de defesa: o programa “paralelo”. Trata-se aqui de demonstrar aos eleitores que o governo pode combinar a capitulação à troika com o seu próprio programa de reformas, incluindo benefícios em termos de eficiência e um atentado à oligarquia que pode libertar fundos para diminuir o impacto da austeridade sobre os gregos mais fracos.

É um projecto nobre. Se o governo puder fazê-lo, terá potencial para alterar o curso das coisas.

Contudo, para ser bem-sucedido, o governo terá de matar dois coelhos com uma cajadada: A incompetência da administração pública da Grécia e o engenho inesgotável de uma oligarquia que sabe como defender-se, inclusivamente forjando alianças fortes com a troika.

Yanis Varoufakis

Yanis Varoufakis, um ex-ministro das Finanças da Grécia, é professor de Economia na Universidade de Atenas.

Tradução. Teresa Bettencourt

 

 

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