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Por que razão a Reserva Federal Americana enterrou o monetarismo
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02-10-2015

LONDRES – A decisão da Reserva Federal dos EUA em atrasar um aumento das taxas de juro não deveria ser surpresa para aqueles que prestaram atenção aos comentários da presidente da Fed, Janet Yellen. A decisão da Fed apenas confirmou que não é indiferente ao stress financeiro internacional e que a sua abordagem de gestão de risco permanece fortemente tendenciosa a favor de “mais baixo por mais tempo”. Então, porque é que os mercados e os meios de comunicação se comportam como se a ação da Fed (ou, mais precisamente, a inação) tivesse sido inesperada?

O que realmente chocou os mercados não foi a decisão da Fed em manter as taxas de juro de valor zero por mais alguns meses, mas sim a declaração que a acompanhou. A Fed revelou que estava totalmente despreocupada em relação aos riscos de uma inflação mais elevada e estava ansiosa por impulsionar o desemprego a ficar abaixo do valor, que a maioria dos economistas considera como a taxa “natural”, dos 5% aproximadamente.

É esta relação - entre a inflação e o desemprego - que está no cerne de todas as controvérsias sobre a política monetária e os bancos centrais. E quase todos os modelos económicos modernos, incluindo aqueles usados pela Fed, baseiam-se na teoria monetarista das taxas de juro explorada por Milton Friedman no seu discurso presidencial, em 1967, na Associação Americana de Economia.

A teoria de Friedman afirmava que a inflação iria aumentar automaticamente sem limite, a partir do momento em que o desemprego caísse abaixo de um nível mínimo seguro, que ele descreveu como a taxa de desemprego “natural”. No trabalho original de Friedman, a taxa de desemprego natural era uma conjetura puramente teórica, fundada num pressuposto descrito como “expectativas racionais”, mesmo que contrariasse qualquer definição normal de comportamento racional.

A publicação da teoria numa altura de alarme mundial sobre a inflação de dois dígitos deu aos banqueiros centrais exatamente o pretexto que precisavam para medidas desesperadamente impopulares. Ao aumentarem drasticamente as taxas de juros para combaterem a inflação, os governantes quebraram o poder do trabalho organizado e, ao mesmo tempo, evitaram a culpa pelo desemprego em massa que a austeridade monetária foi obrigada a produzir.

Alguns anos mais tarde, a taxa “natural”de Friedman foi substituída pela “taxa de desemprego não inflacionista” (NAIRU), uma taxa com menos valor e com tom mais erudito. Mas a ideia básica era sempre a mesma. Se a política monetária for utilizada para tentar empurrar o desemprego abaixo do nível pré-determinado, a inflação irá acelerar sem limite e destruir empregos. Uma política monetária que tem como objetivo o desemprego sub-NAIRU deve, portanto, ser evitada a todo o custo.

A versão mais extrema da teoria afirma que não há nenhum acordo duradouro entre inflação e desemprego. Todos os esforços para estimular a criação de emprego ou o crescimento económico com dinheiro fácil, apenas irão impulsionar o crescimento dos preços, contrabalançando qualquer efeito sobre o desemprego. A política monetária deve, portanto, concentrar-se apenas em atingir metas de inflação e os banqueiros centrais devem ser exonerados de qualquer culpa pelo desemprego.

A teoria monetarista que justificava diminuir as responsabilidades dos bancos centrais pelas metas de inflação, tinha muito pouco apoio empírico quando Friedman a propôs. Desde então, tem sido refutada, tanto pela experiência política como por testes estatísticos. A política monetária, longe de estar dissipada no aumento dos preços, como previa a teoria, acabou por ter um impacto muito maior no desemprego do que na inflação, especialmente nos últimos 20 anos.

Mas, apesar da refutação empírica, a atração ideológica do monetarismo, apoiada pela suposta autoridade das expectativas “racionais”, revelou ser esmagadora. Como resultado, a abordagem para a política monetária, puramente orientada para a inflação, ganhou o domínio total nos bancos centrais e na economia a nível académico.

Isso traz-nos de volta aos acontecimentos financeiros recentes. Os modelos de metas de inflação utilizados pela Fed (e outros bancos centrais e instituições oficiais, como o Fundo Monetário Internacional) assumem a existência de algum limite pré-determinado para o desemprego não inflacionista. O mais recente modelo da Fed estima que esta NAIRU seja de 4,9-5,2%.

E é por isso que muitos economistas e participantes do mercado ficaram chocados com a aparente complacência de Yellen. Com o desemprego dos EUA agora nos 5,1%, a teoria monetária convencional determina que as taxas de juro devem ser aumentadas com urgência. Caso contrário, um rebentamento inflacionário desastroso irá inevitavelmente surgir ou então o essencial da teoria económica que dominou uma geração de pensamento político e académico, desde o artigo de Friedman sobre as expectativas “racionais” e desemprego “natural”, irá revelar estar completamente errado.

O que deveríamos, então, concluir da decisão da Fed de não aumentar os juros? Uma possível conclusão é banal. Sendo a NAIRU uma construção puramente teórica, os economistas da Fed podem simplesmente mudar as suas estimativas deste número mágico. Na verdade, a Fed já reduziu a sua estimativa NAIRU três vezes nos últimos dois anos.

Mas pode haver uma razão mais profunda para a paciência da Fed. A julgar pelos discursos recentes de Yellen, a Fed pode já não acreditar em qualquer versão da taxa de desemprego “natural”. As suposições de Friedman sobre a inflação cada vez mais acelerada e expectativas irracionalmente “racionais” que levam à firme segmentação da estabilidade dos preços permanecem incorporadas em modelos económicos oficiais como algum mito de criação bíblica. Mas a Fed, juntamente com quase todos os outros bancos centrais, parece ter perdido a fé nessa história.

Em vez disso, os bancos centrais parecem agora estar implicitamente (e talvez até inconscientemente) a regressar às perspetivas pré-monetaristas: os acordos entre a inflação e o desemprego são reais e podem durar muitos anos. A política monetária deve gradualmente recalibrar o equilíbrio entre estes dois indicadores económicos à medida que o ciclo de negócios prossegue. Quando a inflação é baixa, a prioridade deve ser a de reduzir o desemprego para o nível mais baixo possível; e não há nenhuma razão convincente para a política monetária conter a criação de emprego ou o crescimento do PIB até que a inflação excessiva se torne num perigo iminente.

Isto não implica taxas de juro norte-americanas quase a zero de modo permanente. A Fed irá quase certamente começar a subir as taxas em dezembro, mas o aperto monetário será muito mais lento do que nos ciclos económicos anteriores, e será motivada por preocupações sobre a estabilidade financeira, não sobre a inflação. Como resultado, os receios - que fazem fronteira com o pânico em alguns mercados emergentes - sobre o impacto do aperto da Fed nas condições económicas globais irão, provavelmente, revelar-se injustificados.

As más notícias é que a grande maioria dos analistas de mercado, ainda agarrada ao velho quadro monetarista, vai acusar a Fed de “ficar para trás”, por deixar o desemprego dos EUA cair significativamente e por não conseguir antecipar a ameaça de aumento da inflação. A Fed deve simplesmente ignorar tais protestos atávicos, como fez acertadamente na semana passada.

Anatole Kaletsky

Anatole Kaletsky é Economista-Chefe e Co-Presidente do GaveKal Dragonomics. Um ex-colunista do Times de Londres, do Internacional New York Times e do Financial Times, ele é o autor de Capitalism 4.0, O Nascimento de uma Nova Economia, que antecipou muitas das transformações pós-crise da economia global. O seu livro de 1985, Costs of Default, tornou-se uma influência para os principais governos latino-americanos e asiáticos em negociações de incumprimentos de dívidas e reestruturações com bancos e com o FMI.

 

 

 

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