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A Crise da Vergonha da Europa de Leste
Autor:

25-09-2015

BERLIM – Enquanto milhares de refugiados chegam às costas da Europa para fugir aos horrores da guerra, muitos deles morrendo pelo caminho, vive-se um outro tipo de tragédia em muitos dos novos Estados-Membros da União Europeia. Os países conhecidos colectivamente como «Europa de Leste», incluindo a Polónia (o meu país de origem), revelaram-se intolerantes, pouco liberais, xenófobos e incapazes de se lembrarem do espírito de solidariedadeque, há um quarto de século, os conduziu à liberdade.

São estas mesmas sociedades que se mostravam, antes e depois da queda do comunismo, favoráveis a um «regresso à Europa», proclamando orgulhosamente que partilhavam os seus valores. Porém, o que representava então a Europa para estes países? Desde 1989 (e em particular desde 2004, aquando da sua adesão à UE), estes países beneficiaram de transferências de fundos massivas sob a forma de fundos estruturais e de coesão europeus.

Actualmente, não estão dispostos a contribuir em nada para resolver a maior crise de refugiados enfrentada pela Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

Com efeito, perante o olhar de todo o mundo, o governo da Hungria, um Estado-Membro da UE, maltratou milhares de refugiados. O Primeiro-ministro Viktor Orbán não vê razão para agir de outra forma: insiste em afirmar que os refugiados não são um problema europeu, mas sim um problema alemão.

Viktor Orbán não é o único a pensar desta forma. Até mesmo os bispos católicos da Hungria estão a seguir a linha de pensamento de Orbán, como é o caso de Laszlo Kiss-Rigo, bispo de Szeged-Csanad, que  afirma  que os imigrantes muçulmanos «pretendem assumir o controlo» e que o Papa, que apelou a que cada paróquia católica da Europa acolhesse uma família de refugiados, «não conhece a situação».

Na Polónia, um país com 40 milhões de habitantes, o governo manifestou-se inicialmente disposto a aceitar 2 000 refugiados, mas apenas os que fossem cristãos (a Eslováquia propôs uma condição semelhante). «Os refugiados não são um problema da Europa de Leste», disse «um jornalista polaco à Rádio Pública Nacional dos Estados Unidos da América, porque estes países não participaram na decisão de bombardear a Líbia» (a Alemanha também não o fez).

Será que os europeus de Leste não têm qualquer sentimento de vergonha? Durante séculos, os seus antepassados emigraram em massa, procurando escapar das dificuldades materiais e da perseguição política. E hoje, o comportamento cruel e a retórica impiedosa dos seus líderes tiram partido do sentimento popular. Na verdade, a versão electrónica do maior jornal da Polónia, a  Gazeta Wyborcza, publica actualmente um aviso surpreendente sobre os refugiados no final de cada artigo: «Em virtude do teor extremamente agressivo de observações que defendem a violência, o que é contrário à lei, e que apelam ao ódio racial, étnico e religioso, não permitiremos que os leitores publiquem comentários.»

Não há muito tempo, nos primeiros anos do pós-guerra, os sobreviventes do holocausto judaico nacionais na Europa de Leste fugiram do anti-semitismo assassino dos seus vizinhos polacos, húngaros, eslovacos ou romenos para encontrar refúgio nos campos de refugiados, precisamente na Alemanha. «Em Segurança Entre os Alemães» anunciava o título de uma  importante obra  da historiadora Ruth Gay sobre estes 250 000 sobreviventes. Actualmente, os refugiados muçulmanos e os sobreviventes de outras guerras, não tendo encontrado refúgio na Europa de Leste, estão igualmente a refugiar-se na segurança entre os alemães.

Neste caso, a história não é uma metáfora. Pelo contrário, a principal causa das atitudes da Europa de Leste, que revela agora a sua face sinistra, reside na Segunda Guerra Mundial e nas suas consequências.

Consideremos os polacos, que, merecidamente orgulhosos da resistência da sua sociedade contra o nazismo, acabaram por matar mais judeus do que alemães durante a guerra. Embora os católicos da Polónia tenham sido vítimas de grande crueldade durante a ocupação nazi, manifestaram pouca compaixão pelo destino das principais vítimas do nazismo. Nas palavras de Józef Mackiewicz, um escritor polaco conservador e anticomunista com credenciais patrióticas irrepreensíveis: «Durante o período de ocupação não havia, literalmente, uma única pessoa que não tivesse ouvido a frase "Uma coisa que Hitler fez correctamente foi o extermínio dos judeus." Porém, não se deve falar abertamente sobre isto.»

É evidente que houve polacos que ajudaram judeus durante a guerra. Com efeito, o número de polacos «Justos entre as Nações» reconhecidos pelo memorial Yad Vashem em Israel pelo seu heroísmo durante a guerra é o maior entre todos os países europeus (o que não constitui surpresa, uma vez que antes da guerra a Polónia era o país da Europa que tinha, de longe, a maior população judaica). Contudo, estas pessoas notáveis agiram de um modo geral por iniciativa própria, contra as normas sociais dominantes. Eram marginais que, muito tempo após a guerra ter terminado, insistiam em manter escondido dos vizinhos o seu heroísmo do tempo de guerra, ao que parece com receio de que, se assim não fosse, as suas próprias comunidades os rejeitassem, ameaçassem e banissem.

Todas as sociedades europeias ocupadas foram, em certa medida, cúmplices do esforço nazi para destruir os judeus. Cada uma destas sociedades deu uma contribuição diferente, em função das circunstâncias e das condições específicas do regime alemão em cada país. Porém, o holocausto revelou-se mais terrífico na Europa de Leste, devido ao elevado número de judeus na região e à crueldade incomparável dos regimes de ocupação nazi.

Quando a guerra terminou, a Alemanha (em virtude das vitoriosas «políticas de desnazificação» dos vencedores e da sua responsabilidade na instigação e concretização do holocausto) não teve outra opção senão «enfrentar» o seu passado assassino. Foi um processo longo e difícil; mas a sociedade alemã, consciente dos seus erros históricos, tornou-se capaz de enfrentar desafios morais e políticos como os que agora se colocam com o actual afluxo de refugiados. Além disso, relativamente aos migrantes, a Chanceler Angela Merkel deu um exemplo de liderança que envergonha todos os líderes da Europa de Leste.

A Europa de Leste, por outro lado, ainda tem de ajustar contas com o seu passado assassino. Só quando o fizer é que os seus povos serão capazes de reconhecer a sua obrigação de salvar aqueles que tentam escapar ao flagelo.

Jan T. Gross

Jan T. Gross, professor de Guerra e Sociedade e Professor de História na Universidade de Princeton, é o autor de “Vizinhos: A destruição da comunidade judaica em Jedwabne”, “A Sociedade Polaca Sob Ocupação Alemã”, e “Medo: Anti-semitismo na Polónia Depois de Auschwitz”.

Tradução: Teresa Bettencourt

 

 

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