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Fartos da FED
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18-09-2015

NOVA IORQUE – No final de cada mês de Agosto, os banqueiros centrais e financeiros de todo o mundo reúnem-se em Jackson Hole, Wyoming, para o simpósio económico da Reserva Federal dos EUA. Este ano, os participantes foram saudados por um grande grupo de pessoas, na maioria jovens, incluindo muitos afros e hispano-americanos.

O grupo não estava lá tanto para protestar, mas sim para informar. Queriam que os governantes reunidos soubessem que as suas decisões afectam as pessoas comuns e não apenas os financeiros que estão preocupados com o que a inflação faz ao valor das suas obrigações ou o que os aumentos das taxas de juro podem fazer às suas carteiras de acções. E as suas t-shirts verdes exibiam a mensagem de que para estes americanos, não houve nenhuma recuperação.

Mesmo agora, sete anos depois de a crise financeira global ter provocado a Grande Recessão, o desemprego “oficial” entre os afro-americanos é de mais de 9%. De acordo com uma definição mais ampla (e mais apropriada), que inclui trabalhadores a tempo parcial, que procuram empregos a tempo inteiro, e trabalhadores marginalmente activos, a taxa de desemprego para os Estados Unidos como um todo é de 10,3%. Mas, para os afro-americanos - especialmente os jovens - a taxa é muito maior. Por exemplo, para os afro-americanos com idades entre os 17 e os 20 anos, que completaram o ensino secundário, mas não se inscreveram na faculdade, a taxa de desemprego é superior a 50%. O “défice de postos de trabalho” - a diferença entre o emprego que há hoje e o que deveria haver - é de cerca de três milhões.

Com tantas pessoas desempregadas, a pressão sobre os salários também está a aparecer nas estatísticas oficiais. Até à data, os salários reais dos trabalhadores não ligados à inspecção ou à fiscalização caíram quase 0,5%. Esta é parte de uma tendência a longo prazo que explica o porquê de o rendimento médio das famílias ser mais baixo hoje, do que era há 25 anos.

A estagnação dos salários também ajuda a explicar o porquê de as declarações dos representantes da FED, de que a economia voltou praticamente ao normal, serem recebidas com escárnio. Talvez isso seja verdade nos bairros onde vivem esses representantes. Mas, com a maior parte do aumento dos rendimentos, desde que a “recuperação” dos EUA começou, a ir para 1% dos assalariados mais bem pagos, não é verdade para a maioria das comunidades. Os jovens em Jackson Hole, que representam um movimento nacional chamado, naturalmente, “Fed Up” [Fartos], poderiam confirmar isso.

Há fortes indícios de que as economias têm melhor desempenho com um mercado de trabalho apertado e, tal como o Fundo Monetário Internacional tem mostrado, uma desigualdade mais baixa (e o primeiro, tipicamente, conduz ao último). É claro que os financeiros e executivos de empresas que pagam mil dólares para participarem na reunião de Jackson Hole veem as coisas de forma diferente: Salários baixos significam lucros elevados, e taxas de juro baixas significam acções com preços altos.

A FED tem um duplo encargo - promover o emprego a tempo inteiro e a estabilidade dos preços. Tem tido bastante sucesso na segunda, em parte porque tem tido muito pouco sucesso na primeira. Então, porque é que os governantes irão considerar um aumento das taxas de juro na reunião da FED, em Setembro?

O argumento habitual para aumentar as taxas de juro é o de amortecer um sobreaquecimento da economia, na qual as pressões inflacionárias se tornaram demasiado elevadas. Esse não é, obviamente, o caso, agora. Na verdade, dada a estagnação dos salários e ao forte dólar, a inflação está bem abaixo da própria meta da FED dos 2%, já para não mencionar a taxa de 4%, a qual muitos economistas (incluindo o ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, Olivier Blanchard) debateram.

Os falcões da inflação argumentam que o dragão da inflação deve ser morto antes que “alguém veja o branco dos seus olhos”: se não agirmos agora, ele irá consumir-nos pelo fogo dentro de um ano ou dois. Mas, nas circunstâncias actuais, uma inflação mais elevada seria bom para a economia. No fundo, não há nenhum risco de a economia sobreaquecer tão rapidamente sem que a FED possa intervir a tempo de evitar a inflação excessiva. Seja qual for a taxa de desemprego na qual as pressões inflacionárias se tornem significativas - uma questão-chave para os governantes - sabemos que é muito mais baixa do que a taxa actual.

Se a FED se focar excessivamente na inflação, agrava a desigualdade, que por sua vez piora o desempenho económico global. Os salários vacilam durante as recessões; se a FED subir as taxas de juro cada vez que houver um sinal de crescimento dos salários, a participação dos trabalhadores será reajustada para baixo - nunca se irá recuperar o que foi perdido durante a recessão.

O argumento para o aumento das taxas de juro não se concentra no bem-estar dos trabalhadores, mas sim no dos financeiros. A preocupação é que num ambiente com taxas de juro baixas, a irracional “procura de rendimento” dos investidores estimule distorções no sector financeiro. Numa economia que funcione bem, espera-se que o baixo custo de capital seja a base de um crescimento saudável. Nos EUA, os trabalhadores estão a ser solicitados para sacrificarem os seus estilos de vida e bem-estar de forma a proteger os financeiros abastados das consequências da sua própria imprudência.

A FED deve simultaneamente estimular a economia e acalmar os mercados financeiros. Uma boa regulamentação significa mais do que apenas impedir que o sector bancário prejudique o resto de nós (embora a FED não tenha feito um trabalho muito bom antes da crise). Significa, também, a adopção e a aplicação de regras que restrinjam o fluxo de fundos à especulação e incentivem o sector financeiro a desempenhar o papel construtivo que deveria ter na nossa economia, fornecendo capital para estabelecer novas empresas e permitindo que as empresas bem-sucedidas se expandam.

Sinto, muitas vezes, uma boa dose de simpatia pelos representantes da FED, porque eles têm de tomar decisões difíceis num ambiente de considerável incerteza. Mas a decisão agora não é difícil. Pelo contrário, é uma tarefa tão fácil como tais decisões podem ser: Agora não é o momento de apertar o crédito e desacelerar a economia.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Economia e professor universitário na Universidade de Columbia, foi presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente Bill Clinton e actuou como Vice-Presidente Sénior e Economista-Chefe do Banco Mundial. Seu livro mais recente, em co-autoria com Bruce Greenwald, “Criar uma Sociedade da Aprendizagem: Uma Nova Abordagem para o Crescimento, Desenvolvimento e Progresso Social”.

 

 

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