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A América no caminho
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14-08-2015

NOVA IORQUE – A Terceira Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento reuniu recentemente na capital da Etiópia, Adis Abeba. A conferência decorreu numa altura em que os países em desenvolvimento e os mercados emergentes já demonstraram a sua capacidade para absorver enormes quantidades de dinheiro de forma produtiva. Na verdade, as tarefas que estes países estão a empreender – investir em infra-estruturas (estradas, electricidade, portos, e muito mais), construir cidades que um dia albergarão milhares de milhões, e evoluir no sentido de uma economia verde – são verdadeiramente gigantescas.

Ao mesmo tempo, não há falta de dinheiro à espera de ser empregue produtivamente. Ainda há poucos anos, Ben Bernanke, então presidente do Conselho de Governadores da Reserva Federal dos EUA, falava de uma fartura global de poupanças. E, no entanto, os projectos de investimento com elevado retorno social estavam à míngua de fundos. Isso ainda é verdade hoje. O problema, então como agora, é que os mercados financeiros do mundo, destinados a intermediar eficientemente entre as poupanças e as oportunidades de investimento, em vez disso distribuem indevidamente o capital e criam risco.

Existe outra ironia. A maior parte dos projectos de investimento de que o mundo emergente necessita são de longo prazo, como são muitas das poupanças disponíveis – os biliões em contas poupança-reforma, em fundos de pensões, e em fundos soberanos. Mas os nossos mercados financeiros, cada vez mais míopes, permanecem no meio.

Muito mudou nos 13 anos desde que a primeira Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento decorreu em Monterrey, no México, em 2002. Nesse tempo, o G-7 dominava a política económica global; hoje, a China é a maior economia do mundo (em termos da paridade do poder de compra), com poupanças cerca de 50% maiores que as dos EUA. Em 2002, pensava-se que as instituições financeiras Ocidentais eram fenómenos na gestão do risco e na distribuição de capitais; hoje, vemos que são fenómenos na manipulação do mercado e em outras práticas enganadoras.

Longe vão os apelos aos países desenvolvidos, para honrarem os seus compromissos de doar pelo menos 0,7% do seu rendimento nacional bruto para ajuda ao desenvolvimento. Alguns países da Europa do norte (Dinamarca, Luxemburgo, Noruega, Suécia e, surpreendentemente, o Reino Unido), no meio desta austeridade auto-infligida, cumpriram as suas promessas em 2014. Mas os Estados Unidos (que doaram 0,19% do RNB em 2014) ficaram muitíssimo atrás.

Hoje, os países em desenvolvimento e os mercados emergentes dizem aos EUA e aos outros: se não cumprirem as vossas promessas, pelo menos saiam do nosso caminho e deixem-nos criar uma arquitectura internacional para uma economia global que funcione também para os pobres. Sem surpresas, as potências hegemónicas existentes, lideradas pelos EUA, estão a fazer tudo o que podem para frustrar estes esforços. Quando a China propôs o Banco Asiático de Investimento e Infra-estruturas, para ajudar a reciclar algum do excedente de poupanças globais para onde o financiamento é profundamente necessário, os EUA procuraram torpedear o esforço. A administração do Presidente Barack Obama sofreu uma derrota incisiva (e altamente constrangedora).

Os EUA também estão a bloquear o caminho do mundo para uma legislação internacional que regule a dívida e o financiamento. Por exemplo, para que os mercados obrigacionistas funcionem devidamente, deverá ser definido um modo organizado para resolver casos de insolvência soberana. Mas hoje esse modo não existe. A Ucrânia, a Grécia, e a Argentina são exemplos do falhanço dos acordos internacionais existentes. A grande maioria dos países já solicitaram a criação de um enquadramento para a reestruturação da dívida soberana. Os EUA permanecem sendo o principal obstáculo.

O investimento privado também é importante. Mas as novas provisões de investimento incorporadas nos acordos comerciais que a administração Obama está a negociar, para lá de ambos os oceanos, implicam que o acompanhamento de qualquer investimento estrangeiro directo acarreta uma redução acentuada nas capacidades dos governos regulamentarem o ambiente, a saúde, as condições de trabalho, e até a economia.

A posição dos EUA relativa à parte mais discutida na conferência de Adis Abeba foi especialmente desanimadora. Quanto mais os países em desenvolvimento e os mercados emergentes se abrem às multinacionais, torna-se cada vez mais importante que possam tributar estes colossos relativamente aos lucros gerados pelos negócios realizados dentro das suas fronteiras. A Apple, a Google, e a General Electric demonstraram uma genialidade para evitar a tributação que excede aquela que empregaram na criação de produtos inovadores.

Tanto os países desenvolvidos como os países em desenvolvimento têm perdido milhares de milhões de dólares em receitas fiscais. No ano passado, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação divulgou informação sobre decisões fiscais do Luxemburgo que expôs a escala da fuga e evasão fiscais. Embora um país rico como os EUA possa provavelmente custear o comportamento descrito no chamado Luxembourg Leaks, os países pobres não podem fazê-lo.

Fui membro de uma comissão internacional, a Comissão Independente para a Reforma da Tributação Internacional das Sociedades, que estudou maneiras de reformar o sistema tributário actual. Num relatório apresentado à Conferência Internacional para o Financiamento do Desenvolvimento, concordámos por unanimidade que o sistema actual está avariado, e que ajustes menores não o repararão. Propusemos uma alternativa, baseada no modo como as sociedades são tributadas nos EUA, com os lucros distribuídos a cada estado na proporção da actividade económica que ocorra dentro das fronteiras estaduais.

Os EUA e outros países avançados têm insistido em mudanças muito menores, a serem recomendadas pela OCDE, o clube dos países avançados. Por outras palavras, supõe-se que os países de onde vêm aqueles que são politicamente poderosos e que praticam a evasão e a fuga fiscal, devam criar um sistema para reduzir a evasão fiscal. A nossa Comissão explica porque as reformas da OCDE foram, na melhor das hipóteses, ajustes a um sistema fundamentalmente errado e porque foram simplesmente inadequadas.

Os países em desenvolvimento e os mercados emergentes, liderados pela Índia, defenderam que o fórum adequado para discutir estas questões globais seria um grupo já estabelecido no âmbito das Nações Unidas, o Comité de Peritos para a Cooperação Internacional em Assuntos Fiscais, cujo estatuto e financiamento precisava de ser potenciado. Os EUA opuseram-se firmemente: pretendiam manter as coisas como no passado, com a governação global assegurada por e para os países avançados.

As novas realidades geopolíticas exigem novas formas de governação global, atribuindo uma maior voz aos países em desenvolvimento e emergentes. Os EUA predominaram em Adis Abeba, mas também revelaram estar do lado errado da história.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia e professor universitário na Universidade de Columbia, foi presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente Bill Clinton e actuou como Vice-Presidente Sénior e Economista-Chefe do Banco Mundial. O seu mais recente livro, em co-autoria com Bruce Greenwald, tem o título “Criar uma Sociedade da Aprendizagem: Uma Nova Abordagem para o Crescimento, Desenvolvimento e Progresso Social”.

Tradução do inglês por António Chagas

 

 

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