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EURO IMPOSTO PELA ALEMANHA TORNOU A EUROPA UM «NOVO TITANIC»
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26-06-2015

Como afirmou a chanceler alemã Ângela Merkel num congresso do seu partido, a União Democrata Cristã (CDU), em Novembro de 2011: «A Europa atravessa a sua pior crise desde a II Guerra Mundial». Já o sabíamos. O professor Pangloss (tutor do «Cândido» de Voltaire) não diria melhor. E o pior é que fomos avisados com bastante antecedência e não ligámos nenhuma.

No final do século XX, Paul Samuelson, considerado fundador da economia moderna, e prémio Nobel da Economia em 1970, afirmou que a criação do euro era «o novo Titanic da experimentação económica» e, antecipando as consequências, aconselhava: «Rezem para que no novo século os livros de história económica não relembrem a experiência do euro como um erro trágico». Infelizmente a tragédia está à vista.

Também o muito controverso Milton Friedman, prémio Nobel da Economia em 1976, escreveu em 1999: «O que mais me perturba é que os membros do euro tenham atirado fora as suas chaves. Assim que o euro substituir fisicamente as moedas nacionais, como é que se sai desse mundo? Será uma crise imensa». E avisava: «Os defeitos do euro levarão algum tempo a aparecer. Nada surge rapidamente nessa área. (…) O sistema político dificilmente reagirá com rapidez bastante (a uma recessão) para acabar com o euro. Por isso, julgo que seria muito conveniente pensar seriamente na elaboração de uma forma de sair da camisa-de-forças do euro depois de 2002». Ninguém pensou. E «o euro devia ser abandonado antes de 1 de Janeiro de 2002». Não foi.

A esta luz, talvez se compreenda melhor que o economista João Ferreira do Amaral não estava completamente isolado quando afirmou, no princípio deste século, que, «para Portugal, a permanência na moeda única constituirá um obstáculo permanente ao nosso desenvolvimento». E disse mais, no livro que publicou em 2002, «Contra o Centralismo Europeu – Um Manifesto Autonomista»: «A moeda única, quer na fase de aproximação através da política de convergência nominal, quer na fase de realização, desde 1999, tem prejudicado fortemente a economia portuguesa. Fez-lhe perder mais de 20 por cento da sua competitividade externa e fez descer as taxas de juro numa altura em que a situação da economia portuguesa aconselhava que subissem. O resultado é um enorme endividamento da nossa economia em relação ao exterior (cresceu cerca de 40 por cento do PIB nos últimos seis anos) e um enorme endividamento interno das famílias (que atinge cerca de 95 por cento do rendimento disponível). Tudo isto acompanhado por um crescimento económico muito baixo (cerca de 2,5 por cento entre 1991 e 2002) e um profundo desequilíbrio entre bens transaccionáveis e não transaccionáveis». De então para cá, tudo piorou ainda mais.

Ou seja: Portugal nunca deveria ter aderido ao euro, mas aderiu, e hoje está metido na tal camisa-de-forças de que falava Milton Friedman (ao menos desta vez cito-o por concordar com ele). E o que é dramático é que as consequências seriam sempre as que estamos a sofrer agora, mesmo que a meia dúzia de governos que entretanto se sucederam no poder não tivesse cometido quaisquer erros. Aliás, confesso a minha curiosidade quanto a saber o que pensará de tudo isto o ex-ministro das Finanças, Vitor Gaspar, discípulo de Milton Friedman. Admitirá ele que foi parte de uma orquestra que promete continuar a tocar sempre a mesma partitura da austeridade até ir ao fundo o «novo Titanic» de que falava Paul Samuelson há uma dúzia de anos? A dúvida justifica-se tanto mais quanto é certo que Vitor Gaspar não era apenas mais um violinista, como os restantes membros do Governo, mas um autêntico solista.

A INSENSIBILIDADE DO CHAMADO «ARCO DA GOVERNAÇÃO»

Mesmo que os dirigentes dos partidos políticos portugueses do chamado «arco da governação» –PS, PPD, CDS – tenham passado ao lado dos avisos que Paul Samuelson, Milton Friedman e João Ferreira do Amaral fizeram há mais de uma década, o que mais impressiona é a sua insensibilidade aos alertas que vários economistas prestigiados têm feito, no últimos meses, em relação ao programa de austeridade ou, como lhe chamou com ironia José Pacheco Pereira, ao «Processo de Rápido Empobrecimento em Curso» – um novo PREC, portanto.

Como já nos explicou Paul De Grauwe, economista e professor da Universidade Católica de Lovaina (Expresso,02/07/2011): «Há muito que os economistas sabem que as tentativas de redução dos défices em períodos de recessão falham quase sempre. E o motivo por que isso acontece não é segredo. Quando um país atravessa uma recessão, qualquer programa que obrigue o seu governo a aumentar impostos e a reduzir despesa induz as pessoas a cortar ainda mais os seus gastos. Por conseguinte, o PIB cai ainda mais e, com ele, as receitas fiscais. No final, nem défice nem dívida pública são reduzidos. Só os rendimentos das famílias e o emprego diminuem». Estas políticas são «induzidas pelo medo: medo dos banqueiros e medo das agências denotação de risco (rating)». E «o principal objectivo dos programas de austeridade aplicados nos países do sul da Europa é proteger os balanços dos bancos do norte da Europa». Os decisores políticos europeus continuam a ser, infelizmente, escravos dessas instituições financeiras.

Mas Paul De Grauwe foi ainda mais longe, dois meses depois, ao afirmar que a regra do equilíbrio orçamental não é uma boa ideia porque se baseia num «diagnóstico errado da crise da dívida na zona euro» (Expresso, 03/09/2011). Diz De Grauwe: «À excepção da Grécia (…) a causa fulcral do problema das dívidas na zona euro deve ser encontrada na acumulação insustentável de dívida dos sectores privados em muitos países do euro.

Entre 1999 e 2008, quando a crise financeira estalou, os proprietários de casas na zona euro aumentaram os seus níveis de dívida, de cerca de 50 % do PIB para 70 %. A explosão da dívida dos bancos na zona euro foi ainda mais espectacular e atingia uma percentagem superior a 250 % do PIB em 2008. O único sector (da zona euro) que, surpreendentemente, não teve um aumento do nível da dívida durante esse período foi o público, que viu mesmo a dívida cair de 72 % para 68 % do PIB». Ou seja: «Depois do crash de 2008, a acumulação de dívida privada na zona euro fez disparar as dinâmicas deflacionárias (…),forçando os governos dos países do euro a permitir que os seus défices aumentassem». Como? Por um lado, com os governos a «assumirem a dívida dos privados (principalmente dívida da banca)». Por outro lado, «através dos estabilizadores automáticos postos em acção pela diminuição das receitas governamentais induzida pela recessão». Assim: «Em resultado disto, as percentagens de dívida do Estado em relação ao PIB começaram a crescer muito depressa depois da erupção da crise financeira. Desta forma, pode dizer-se que este aumento do défice foi necessário para salvar largos segmentos do sector privado».

Também a crise em Portugal é, sobretudo, uma crise profunda do sector privado, que se foi agravando desde a entrada no euro. No final de 2009, a soma do endividamento do Estado (77%) com o dos privados (159%) atingia 236% do PIB (170% na Grécia). Foi do crédito bancário aos privados que resultou o problema fulcral da economia portuguesa na primeira década do século XXI: a subida vertiginosa do endividamento externo (de 40% do PIB em 2000 para 112% em 2009). Enquanto a dívida dos privados portugueses (bancos, empresas e famílias) representava 75% do total de créditos em carteira comunicados pela banca estrangeira ao Banco Internacional de Pagamentos, o passivo do universo público face aos bancos estrangeiros era apenas de 25% desse bolo («Tiros ao lado», de Bruno Faria Lopes, no «i» de 03/05/2010).

Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia em 2001, salienta, por seu turno, «a crise ideológica do capital ocidental» (Diário Económico, 12/07/2011), e aponta a dedo «uma ideologia poderosa – a crença nos mercados livres e sem restrições» – que «colocou o mundo à beira da ruína». Preocupa-o «o ressurgimento dos economistas de direita, que se movem, como sempre, pela ideologia e por interesses especiais» e continuam a «ameaçar a economia global». Stiglitz reafirma que há alternativas às políticas de austeridade inibidoras do crescimento e sublinha: «O próprio crescimento conduz a um aumento das receitas fiscais, tal como o apoio aos desempregados e a confiança que ele gera conduzem a maior crescimento». «Infelizmente – diz ele – os mercados financeiros e os economistas da direita perceberam o problema ao contrário: crêem que a austeridade gera confiança e que a confiança gerará crescimento. Mas a austeridade afecta o crescimento e agrava a posição orçamental do país, ou, pelo menos, gera menos melhorias do que os defensores da austeridade prometem. E sempre que a confiança é afectada, inicia-se uma espiral descendente».

(*) Do meu livro «A Crise da Esquerda Europeia», D. Quixote, 2012

 

 

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