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A Secreta Tomada do Poder pelas Corporações
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22-05-2015

NOVA IORQUE – Os Estados Unidos e o mundo estão envolvidos num grande debate sobre novos acordos comerciais. Estes pactos costumavam ser apelidados de “acordos de livre-comércio”; na verdade, eram acordos comerciais geridos, adaptados aos interesses corporativos, principalmente nos EUA e na União Europeia. Hoje, estes acordos são mais frequentemente chamados de “parcerias”, como na Parceria Trans-Pacífica (PTP). Mas estas não são parcerias entre iguais: os EUA impõem efectivamente as condições. Felizmente, os “parceiros” da América estão a tornar-se cada vez mais resistentes.

Não é difícil ver porquê. Estes acordos vão muito além do comércio, regulando também o investimento e a propriedade intelectual, impondo alterações fundamentais aos modelos jurídicos, judiciários e regulamentares, sem contribuições ou responsabilização por parte de instituições democráticas.

A parte talvez mais injusta, e mais desonesta, de tais acordos diz respeito à protecção dos investidores. Naturalmente, os investidores têm de ser protegidos contra a apropriação das suas propriedades por governos desonestos. Mas não é para isto que são tomadas estas provisões. Houve pouquíssimas expropriações na décadas recentes, e os investidores que queiram proteger-se podem comprar seguros da Agência Multilateral de Garantia do Investimento, uma filial do Banco Mundial, e os EUA e outros governos fornecem garantias similares. Não obstante, os EUA exigem essas provisões na PTP, mesmo quando muitos dos seus “parceiros” têm protecções de propriedade e sistemas judiciários tão bons quanto os seus.

O verdadeiro propósito destas provisões é entravar regulamentos de saúde, ambientais, de segurança, e mesmo financeiros, destinados à protecção da economia e dos cidadãos Americanos. As empresas poderão processar governos pela reparação plena de qualquer redução nos seus lucros futuros esperados decorrente de alterações regulamentares.

Esta não é apenas uma possibilidade teórica. A Philip Morris está a processar o Uruguai e a Austrália por estes exigirem rotulagem de advertência nos cigarros.

Reconhecidamente, ambos os países foram um pouco mais longe que os EUA, tornando obrigatória a inclusão de imagens chocantes que mostrem as consequências do consumo de cigarros.

A rotulagem está a funcionar. Está a desencorajar o tabagismo. Por isso agora a Philip Morris exige ser compensada por lucros perdidos.

No futuro, se descobrirmos que qualquer outro produto causa problemas de saúde (pensem no amianto), em vez de enfrentar processos pelos custos impostos sobre nós, o fabricante poderia processar os governos por impedirem-no de matar mais pessoas. A mesma coisa poderia acontecer se os nossos governos impusessem regulamentos mais rigorosos para nos proteger do impacto das emissões de gases que contribuem para o efeito de estufa.

Quando presidi ao Conselho de Assessores Económicos do Presidente Bill Clinton, os anti-ambientalistas tentaram promulgar uma provisão similar, conhecida por “tomada regulamentar”. Sabiam que assim que fossem aprovados, os regulamentos seriam suspensos, simplesmente porque o governo não poderia pagar a compensação. Felizmente, fomos bem-sucedidos no combate à iniciativa, tanto nos tribunais como no Congresso dos EUA.

Mas, agora, os mesmos grupos estão a tentar rodear os processos democráticos, inserindo essas provisões em legislação comercial, cujo conteúdo está a ser mantido, em grande parte, em segredo do público (mas não das corporações que estão a tentar impô-los). É apenas a partir de fugas, e de conversas com responsáveis governamentais que parecem mais comprometidos com o processo democrático, que sabemos o que está a acontecer.

Um poder judiciário público imparcial, com padrões legais construídos durante décadas, baseado em princípios de transparência, de precedência, e da oportunidade para recorrer de decisões desfavoráveis é fundamental para o sistema de governo Americano. Tudo isto está a ser posto de parte, já que os novos acordos exigem arbitragem privada, não-transparente, e muito cara. Além disso, este acordo é frequentemente repleto de conflitos de interesse; por exemplo, os árbitros podem ser “juízes” num caso e defensores num caso relacionado com o primeiro.

Os procedimentos são tão dispendiosos que o Uruguai teve que recorrer a Michael Bloomberg e a outros Americanos abastados e comprometidos com a saúde para se defender da Philip Morris. E, embora as corporações possam instaurar processos, outros não podem fazê-lo. Se existir uma violação de outros compromissos, por exemplo laborais ou de normas ambientais, os cidadãos, os sindicatos e os grupos da sociedade civil não dispõem de qualquer recurso.

Se alguma vez existiu um mecanismo unilateral de resolução de disputas que viola princípios básicos, este é um deles. Foi por isso que me juntei a destacados peritos jurídicos dos EUA, incluindo de Harvard, Yale, e Berkeley, na escrita de uma carta ao Presidente Barack Obama explicando quão nocivos são estes acordos para o nosso sistema de justiça.

Os apoiantes Americanos de tais acordos salientam que até agora os EUA foram processados poucas vezes, e que ainda não perderam um único caso. As corporações, contudo, estão a começar a aprender a usar estes acordos em seu proveito.

E as dispendiosas sociedades de advogados nos EUA, Europa, e Japão muito provavelmente superarão os mal-remunerados advogados governamentais que tentem defender o interesse público. Pior ainda, as corporações dos países avançados podem criar filiais em países membros através das quais investem novamente nas sedes, e seguidamente processar, dando-lhes um novo canal para bloquear regulamentação.

Se houvesse uma necessidade para uma melhor protecção da propriedade, e se este mecanismo de resolução de disputas privado e dispendioso fosse superior a um sistema judicial público, deveríamos estar a mudar a lei não apenas para prósperas companhias estrangeiras, mas também para os nossos próprios cidadãos e pequenas empresas. Mas não tem havido indícios que seja este o caso.

As normas e regulamentos determinam o tipo de economia e de sociedade em que as pessoas vivem. Afectam o poder de negociação relativo, com implicações importantes sobre a desigualdade, um problema crescente em todo o mundo. A questão é se devemos permitir que as abastadas corporações usem provisões ocultas, em alegados acordos comerciais, para impor como viveremos no século XXI. Espero que os cidadãos nos EUA, na Europa, e no Pacífico respondam com um retumbante não.

Joseph E. Stiglitz

Joseph E. Stiglitz, Prémio Nobel de Economia e professor universitário na Universidade de Columbia, foi presidente do Conselho de Assessores Económicos do presidente Bill Clinton e actuou como Vice-Presidente Sénior e Economista Chefe do Banco Mundial. Seu livro mais recente, em co-autoria com Bruce Greenwald, está a Criar uma Sociedade da Aprendizagem: Uma Nova Abordagem para o Crescimento, Desenvolvimento e Progresso Social.

Traduzido do inglês por António Chagas

 

 

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