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Dizer não ao uso da genética no sector agrícola
Autor: Mariann Bassey-Orovwuje

02-11-2018

Inicialmente, os gigantes do sector agro-industrial vieram apoderar-se das nossas terras e prejudicar os nossos sistemas alimentares com pesticidas sintéticos, fertilizantes, sementes exclusivas e organismos geneticamente modificados (OGM). Actualmente, a mão-de-obra contratada destas empresas está a aumentar a fasquia com a "genética dirigida", uma tecnologia deliberadamente invasiva, destinada a propagar material genético em toda uma população ou espécie. Como resultado, os africanos confrontam-se agora com uma nova e séria ameaça aos seus solos, biodiversidade, direitos e abastecimento alimentar.

Para assinalar o Dia Mundial da Alimentação (16 de Outubro) deste ano, a Aliança para a Soberania Alimentar em África (ASAA) - uma rede de organizações de agricultores que opera em 52 dos 54 países africanos - está a unir-se a centenas de outros defensores proeminentes a nível mundial para se opor à utilização da genética dirigida. Instámos as Nações Unidas e outras organizações multilaterais a promulgar uma moratória global sobre a libertação destas biotecnologias no ambiente e, em particular, em ambientes agrícolas.

A genética dirigida foi caracterizada "genética forçadora" ( genetic forcers ), porque força literalmente as características geneticamente modificadas em populações inteiras de insectos, de plantas, de fungos e de outros organismos. O que antes era um cenário de pesadelo em relação aos OGM - a disseminação descontrolada de genes geneticamente modificados nocivos num ecossistema - pode tornar-se uma estratégia deliberada.

Mais especificamente, os investigadores já criaram “genes geneticamente modificados egoístas” que se repartem automaticamente em duas espécies de insectos. Normalmente, a prole dos organismos sexualmente reprodutores tem 50% de possibilidade de herdar um gene dos seus genitores. Contudo, com a genética dirigida, a probabilidade é de quase 100%, o que significa que os descendentes e toda a sua progenitura futura terá a característica.

A genética dirigida representa uma ameaça clara para os sistemas naturais. Se for libertada no ambiente, poderá alterar cadeias alimentares, erradicar organismos benéficos, tais como os polinizadores e prejudicar prácticas e culturas agro-ecológicas autóctones.

Os investigadores responsáveis pela genética dirigida só recentemente começaram a considerar as implicações dos genes produzidos em laboratório que têm um comportamento discordante daquele que os seus modelos teóricos prevêem. No entanto, não se pode descartar a possibilidade de que os genes para a esterilidade feminina possam encontrar o seu caminho em espécies que polinizam culturas ou que sirvam como fonte de alimento para aves, répteis e até mesmo para seres humanos. Tampouco se podem descartar cenários em que os genes artificiais fragilizem os genes naturais benéficos ou que, inclusive, causem surtos de novas doenças.

Os responsáveis pela genética dirigida gastaram milhões de dólares a tentar vender esta tecnologia como uma solução rápida para alcançar objectivos ambiciosos no domínio da saúde e da conservação, tais como os definidos na Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável. Na minha zona do mundo,África Ocidental, cientistas com milhões de dólares oriundos do projecto “Target Malaria” da Fundação Bill & Melinda Gates estão a prosseguir agressivamente um plano para libertar mosquitos geneticamente modificados na natureza (após terem inicialmente realizado um teste com mosquitos não geneticamente modificados).

Desnecessário será dizer que muitos de nós na região sentimo-nos como se estivéssemos a ser usados como cobaias de laboratório numa experiência susceptível de devastar a capacidade das famílias dos agricultores africanos de se alimentarem e de alimentarem as suas comunidades. Além disso, é uma experiência que pode ser duplamente auto-destrutiva já que a desnutrição pode aumentar o risco de morte por malária. Temendo pela sua saúde e pela saúde dos seus ambientes, os agricultores africanos que estão empenhados em prácticas agro-ecológicas - bem como grupos como a ASAA, a Coligação para a Protecção do Património Genético Africano (COPAGEN), e a Terre À Vie - estão a liderar a campanha contra as experiências de campo com mosquitos geneticamente modificados.

As comunidades locais não estão cegas para o facto de a utilização da genética dirigida contra os mosquitos transmissores de malária é, em grande parte, uma jogada de relações públicas. O verdadeiro jogo final é a agricultura. De acordo com a "Forcing the Farm", com um novo relatório do Grupo ETC e com a Fundação Heinrich Böll, até mesmo os líderes no domínio da genética dirigida aceitam serenamente que as tecnologias que estão a desenvolver serão mais utilizadas no sector agro-industrial do que em qualquer outro sector.

Afinal, os impulsos genéticos têm potencial para alterar todo o modelo de negócios da agricultura industrial. Em vez de simplesmente alterarem as culturas que os agricultores cultivam, as empresas de biotecnologia tentarão agora controlar a composição genética de todos os componentes do ecossistema agrícola, desde os polinizadores até às ervas daninhas e às pragas. Por exemplo, alguns investigadores querem usar organismos geneticamente modificados (OGM) para se infiltrarem e eliminarem espécies inteiras de pragas em apenas algumas gerações.

Tendo sido vendida a genética dirigida como uma possível bala mágica, organizações agrícolas como a California Cherry Board e a norte-americana Citrus Research Board estão a colaborar com a Agragene Inc., a primeira empresa agrícola de genética dirigida do mundo. É claro que as grandes empresas do sector agro-industrial - a Monsanto-Bayer, a Syngenta-ChemChina, a DowDuPont (a actual Corteva Agriscience) e a Cibus - estão escondidas na sombra dos debates sobre a estratégia da genética dirigida, tendo sido aconselhadas por investigadores e assessores de relações públicas a manterem uma atitude discreta.

Alguns defensores da genética dirigida argumentaram que os OGM podiam ser compatíveis com abordagens agro-ecológicas, tais como a agricultura orgânica. Porém não nos enganemos: uma agropecuária baseada em genes representaria a abordagem industrial à agricultura que chumbou no teste da sustentabilidade. É por isso que está a ser cada vez mais rejeitada a favor de um modelo agro-ecológico baseado no princípio da “soberania alimentar”. A última abordagem, aprovada pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, insta os agricultores a partilharem mutuamente os conhecimentos e as sementes e a protegerem os ecossistemas locais.

No próximo mês, representantes de mais de 190 países reunir-se-ão em Sharm el Sheikh, no Egipto, para a 14ª reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica (Conferência sobre a Diversidade Biológica das Nações Unidas). No decurso da conferênia, irão considerar se devem refrear a genética dirigida para garantir que os agricultores e os povos indígenas sejam devidamente consultados antes que estas tecnologias sejam lançadas nas suas comunidades. Espera-se que a comunidade internacional cumpra o seu dever de proteger os recursos alimentres, bem como os direitos dos agricultores em todo o mundo.

Mariann Bassey-Orovwuje

Mariann Bassey-Orovwuje é presidente da Aliança para a Soberania Alimentar em África (AFSA).

 

 

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