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O FRACASSO DA GUERRA ÀS DROGAS NA ÁFRICA OCIDENTAL
Autor: Olusegun Obasanjo

28-09-2018

Para onde quer que olhemos na África Ocidental, vemos a legislação relativa às drogas a falhar. Apesar de orientações para sentenças pesadas e de políticas de tolerância zero, o uso de drogas está a aumentar, enquanto os traficantes de droga agem com total impunidade. Como o falecido Kofi Annan escreveu uma vez, “as drogas destruíram muitas vidas, mas as políticas governamentais erradas destruíram muitas mais.”

Um dos problemas com a abordagem da África Ocidental aos narcóticos é o modo como as leis são aplicadas. No meu país, a Nigéria, a posse de qualquer substância ilegal é tecnicamente punível com pena de prisão – até 25 anos, em alguns casos. Mas na prática, aqueles que conseguem pagar uma multa ou contratar um advogado conseguem frequentemente escapar a qualquer punição. Geralmente, a cadeia é apenas para os pequenos traficantes, os transportadores e os utilizadores individuais; os cabecilhas escapam normalmente à justiça.

Mas o maior desafio enfrentado pela região é que muitos governos tratam a toxicodependência como uma falha moral em vez de uma doença. Isto criou um ambiente de medo, em que os governos têm relutância a importar, e os médicos a prescrever, medicamentos legítimos, devido à preocupação generalizada de que alguns destes possam ser desviados, e que os prescritores sejam encarados (e perseguidos) como traficantes de droga. Em 2013, por exemplo, nem uma das 210 000 pessoas que morreram de complicações dolorosas e relacionadas com a SIDA conseguiu ter acesso a morfina. Mesmo no Gana, que evolui no sentido de ter uma das legislações mais liberais sobre drogas na região, a utilização de morfina   per capita é apenas 2% da média global.

Juntos, estes factos deixam claro que a legislação sobre a droga na África Ocidental faz mais mal que bem. Precisamos de uma nova abordagem, que descriminalize o uso de drogas e dê prioridade ao tratamento.

Existem várias medidas que se podem aplicar imediatamente para colocar a África Ocidental neste rumo. A nível local, as clínicas e as equipas de proximidade poderiam fornecer seringas limpas às pessoas que usam drogas injectáveis, para impedir a transmissão de doenças por via sanguínea. Os médicos, entretanto, poderiam disponibilizar metadona às pessoas que quisessem deixar a heroína. Outras iniciativas para redução de danos – como o aconselhamento ou o despiste de doenças – poderiam ajudar a reduzir as consequências sociais, económicas e pessoais do abuso de drogas.

As reformas governamentais demorarão mais tempo a implementar, mas também aqui estão a ser feitos progressos. No início deste mês, a Comissão da África Ocidental sobre Drogas (CAOD), à qual presido, publicou a Lei-Modelo da Droga para a África Ocidental, uma ferramenta   on-line   concebida para ajudar os legisladores regionais a reescreverem as suas cartilhas de legislação contra a droga, e a implementarem políticas que protejam a saúde e o bem-estar de   todos   os cidadãos.

Uma das principais recomendações da lei-modelo consiste na remoção da ameaça de prisão para as pessoas que usam drogas. Isto permitir-lhes-ia acederem mais facilmente a programas de apoio, e até capacitaria os médicos e os profissionais de saúde a prescreverem medicamentos analgésicos sem recearem represálias legais. A lei-modelo também disponibiliza estratégias para ajudarem as autoridades na reescrita de orientações para sentenças, de modo a que os juízes tenham maior latitude para considerarem factores atenuantes no momento da aplicação da pena.

Evidentemente, nenhuma destas alterações pode ser desenvolvida isoladamente. Já que a maior parte das organizações criminosas envolvidas no negócio da droga também se dedica a outras actividades ilegais – como o contrabando de mercadorias, de armas, e de pessoas – as forças de manutenção da ordem devem concentrar-se na luta contra o crime organizado em todas as suas facetas, incluindo a corrupção e o branqueamento de capitais. Para os criminosos, o tráfico de droga é apenas uma fonte de financiamento, e é necessário abrangência na luta contra todas as fontes disponíveis.

Alguns governos já estão a aplicar melhorias às suas leis. A Nigéria adoptou no ano passado uma política nacional para agilizar a produção de morfina líquida, facilitando assim a prescrição, pelos médicos, desse analgésico a pacientes terminais. Em Dakar, a capital do Senegal, os dependentes de heroína podem agora aceder à metadona, uma estratégia de redução de danos que já deu provas na ajuda à reconstrução de vidas destruídas pela droga. E, no Gana, os legisladores discutem um projecto-lei que acabaria com a punição dos infractores primários.

Mesmo assim, ainda é preciso muito trabalho; a lei-modelo da CAOD é apenas um ponto de partida. Para protegerem as nossas comunidades, os líderes devem reunir a vontade política para defender a segurança, a saúde, os direitos humanos e o bem-estar de todos os cidadãos da África Ocidental – incluindo os toxicodependentes. Annan tinha razão: as drogas são prejudiciais. As nossas legislações sobre a droga não precisam de sê-lo.

Olusegun Obasanjo

 

Olusegun Obasanjo, ex-presidente da Nigéria, é presidente da Comissão da África Ocidental sobre Drogas e membro da Comissão Global de Políticas sobre Drogas.

 

 

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