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A REDE SOCIAL DA SEGURANÇA ALIMENTAR
Autor: Leah Samberg

23-03-2018

MINEÁPOLIS – Em 2015, quando foram oficialmente adoptados os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, começou a contagem decrescente para um objectivo ambicioso: acabar com a fome global até 2030. Na altura, essa meta parecia ser atingível; nos 15 anos anteriores, o número de pessoas subnutridas no planeta diminuíra para metade, uma conquista surpreendente e atribuída, em grande medida, ao investimento internacional em infra-estruturas agrícolas e económicas.

Mas depois o mundo voltou a ficar mais faminto: em 2016, o número de pessoas sem o suficiente para comer aumentou para os 815 milhões, face aos 777 milhões do ano anterior. O que aconteceu?

Parte da resposta é tão antiga como a própria civilização: as secas, cheias, conflitos e deslocamentos populacionais prejudicaram as colheitas e enfraqueceram a produção. Mas não deixa de ter importância um outro factor mais intangível: muitas das redes de que os agricultores dependiam tradicionalmente para enfrentarem estes desastres perderam-se ou degradaram-se.

Acabar com a fome global não tem a ver apenas com a criação de milho resistente a secas; também pressupõe um plano para o caso de esse milho não vingar. Por outras palavras, tem tanto a ver com o redesenho das redes sociais como com a decisão sobre o que é plantado.

Para os agricultores e pastores mais pobres do mundo, a imprevisibilidade é a única constante. Para mitigar riscos, as pessoas das áreas rurais dependeram sempre das suas redes pessoais para informações que as ajudassem a ultrapassar as crises, a melhorar a produtividade, e a limitar as perdas nas colheitas. Em contrapartida, estes relacionamentos facilitaram a troca de informações e de bens, diversificaram as dietas, fortaleceram técnicas agrícolas, e protegeram contra a fome.

Hoje, porém, as redes pessoais dos agricultores estão a enfraquecer. As explorações agrícolas estão a ser afectadas mais frequentemente por condições meteorológicas adversas, e está a aumentar o conflito violento nas regiões assoladas pela pobreza; estas e outras variáveis estão a desenraizar os agricultores por toda a parte. Embora as pessoas sempre tenham abandonado os seus lares procurando segurança ou oportunidades, actualmente está em movimento um  número recorde de pessoas.

Todas estas alterações estão a afectar negativamente as estruturas sociais tradicionais de que as comunidades dependem para a sobrevivência, e não está a ser dada atenção suficiente ao papel destas estruturas na garantia da segurança alimentar. Para erradicar a fome global, os alicerces da resiliência rural devem ser apoiados, alargados e diversificados.

Uma das melhores maneiras para fazer isso é investir em novas tecnologias, que permitam ligar os agricultores a informações e instituições que consigam diminuir a incerteza e atenuar os riscos. Segundo um  documento de trabalho de 2017 do Programa de Investigação sobre Alterações Climáticas, Agricultura e Segurança Alimentar do CGIAR, algumas das inovações mais promissoras na agricultura rural são baseadas na tecnologia e nos serviços. Com acesso a dados, mercados e serviços financeiros, os agricultores conseguem plantar, fertilizar, colher e vender produtos mais eficazmente.

Actualmente, estes tipos de inovações não figuram de modo destacado na maior parte das estratégias para redução da fome. Mas isso está a mudar lentamente, principalmente à medida que mais pessoas nas economias emergentes se ligam a redes móveis, e que as aplicações concebidas para recolher e partilhar informações agrícolas se tornam cada vez mais acessíveis.

Por exemplo, no Egipto, Sudão, e Etiópia, serviços de extensão locais fornecem dados meteorológicos em tempo real a horticultores através de SMS. Na África Ocidental, empresas privadas como a Ignitia estão a melhorar a exactidão e precisão dos alertas meteorológicos enviados por SMS a agricultores em zonas remotas.

Na Mongólia, os pastores rústicos recebem informações sobre   surtos de doenças   que os ajudam a manter a saúde do seu gado. E agricultores em todo o Sul Global estão a voltar-se para serviços de apoio técnico baseados em SMS que os ajudem a adoptar mais facilmente novas colheitas e técnicas de cultivo, com benefícios tanto ao nível dos recursos naturais como do rendimento e nutrição das famílias.

A conectividade também  melhora o funcionamento dos mercados, ao permitir que os agricultores e pastores acedam a informações de preço exactas, ao coordenar transportes e outros factores logísticos, e ao promover a troca mais fácil de alimentos perecíveis mas nutritivos, como os produtos de origem animal e os vegetais. O dinheiro móvel e as informações sobre preços também ajudam os pastores a ajustarem as dimensões dos seus rebanhos à variação das condições ambientais, ao mesmo tempo que ajudam os agricultores a garantirem sementes e adubos para colheitas futuras.

Além disso, ao permitirem a transferência rápida e segura de fundos, os serviços bancários móveis permitem aos produtores acederem de forma mais eficiente aos mercados, a reduzirem os seus custos transaccionais, e a explorarem segmentos de mercado de valor mais elevado. Os sistemas móveis de pagamento também estão a facilitar as transferências entre as áreas urbanas e rurais, uma componente cada vez mais importante para a subsistência do mundo rural.

É evidente que a mera existência desta tecnologia não acabará com a fome. O desafio consiste em alargar o acesso a todas estas ferramentas, e em garantir que satisfazem as necessidades dos agricultores que as usam. Isto obriga a que as tecnologias móveis considerem as diferenças entre género, educação e níveis de recursos entre os agricultores, e dêem resposta a novas circunstâncias. O impacto e o sucesso destas ferramentas e programas devem ser monitorizados e avaliados, e as abordagens ineficazes devem ser melhoradas ou substituídas.

Conduzi investigações em comunidades rurais em todo o mundo, e uma das características que todas têm em comum é a dificuldade que os agricultores e pastores enfrentam no acesso a informações fiáveis sobre mercados, a meteorologia, e o financiamento. Com os vizinhos em debandada, e com a preocupação crescente das alterações climáticas, as tradicionais redes de informações já não são suficientes. Os agricultores de todo o mundo, mas especialmente os das economias em desenvolvimento, precisam do apoio das comunidades digitais.

Para centenas de milhões de pessoas, a informação representa a diferença entre a segurança alimentar e a fome. Mas perante a ameaça tripla das alterações climáticas, dos conflitos violentos, e das migrações em massa, o modo como essa informação é recolhida e partilhada está a mudar. As redes pessoais dos agricultores são agora globais e estão   on-line . Para alimentarmos um mundo em rápida mudança, temos de usar as novas tecnologias para reinventarmos a forma mais antiga de mitigação de riscos: a comunidade.

LEAH SAMBERG

Leah Samberg é pesquisadora da Iniciativa de Paisagens Globais do Instituto de Meio Ambiente da Universidade de Minnesota.

 

 

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