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O PARADOXO DO RINOCERONTE DA ÁFRICA DO SUL
Autor: Ross Harvey

29-09-2017

JOANESBURGO – No início deste ano, o Tribunal Constitucional da África do Sul anulou uma moratória de 2009 sobre o comércio de chifres de rinoceronte. Esta decisão foi um golpe devastador para os grupos de protecção dos animais, que tinham aclamado uma medida que veio alinhar a África do Sul com a proibição deste comércio a nível mundial, em vigor desde 1977.

No entanto, com a integração da decisão do tribunal se vai integrando, os criadores comerciais e os grupos de direitos dos animais enfrentam uma questão fundamental: poderia a criação de um mercado legal de chifres de criação refrear uma pandemia de caça furtiva que reivindica anualmente cerca de 1 500 rinocerontes selvagens?

Para a indústria do rinoceronte da África do Sul, a decisão do tribunal foi um marco decisivo. John Hume, o criador de rinocerontes mais bem sucedido do mundo, organizou o primeiro leilão online de chifres em Agosto. Argumentou no site do leilão que "a procura de chifres de rinoceronte é elevada e o comércio aberto de chifres tem potencial para satisfazer essa procura, a fim de evitar a caça ao rinoceronte".

As pessoas que se opõem a este tipo de comércio afirmam que a procura de chifres poderia aumentar em resultado da legalização, reavivando o interesse latente. Esse crescimento poderia superar o abastecimento comercial e inclusivamente aumentar a caça furtiva de animais selvagens. Os críticos preocupam-se igualmente com a possibilidade de o fim à proibição vir a acabar com eventuais estigmas persistentes associados à posse de chifres de rinoceronte, aumentando ainda mais a procura.

Os criadores e comerciantes como Hume reconhecem que a procura "não irá esmorecer nos próximos tempos". Contudo, fazem esta afirmação porque os chifres são um recurso renovável - voltam a crescer depois de cortados, embora lentamente. O que é efectivamente necessário para a África do Sul são incentivos para promover a criação e conservação responsáveis. "Se não tomarmos as medidas necessárias para fazer face à procura", argumenta Hume, "não conseguiremos salvar o rinoceronte".

Ainda não sabemos de que forma a decisão do tribunal irá afectar a procura de um recurso que é valorizado em toda a Ásia pelo seu valor medicinal. O que é óbvio, porém, é que depositar demasiada confiança numa abordagem de preservação comercial é algo arriscado. As evidências sugerem que, embora a criação de rinocerontes possa ter possibilidades de nicho de mercado, não irá impedir a caça furtiva de rinocerontes selvagens.

Os esforços semelhantes já envidados para proteger os animais selvagens através da produção revelaram-se insuficientes. Por exemplo, um estudo levado a cabo em 2010 no Vietname constatou que a produção comercial do porco-espinho do Sudeste Asiático, uma fonte popular de carne, não originou uma redução drástica da caça de porcos-espinhos selvagens. O mesmo se aplica ao marfim de elefante, à bílis de urso e almíscar de veado. A procura de produtos selvagens excede frequentemente o que a criação comercial pode, de forma realista, oferecer.

Os programas de criação comercial têm ainda maiores desvantagens em razão da percepção que alguns compradores têm de que os produtos selvagens são mais valiosos. Tal como observou a investigadora Laura Tensen da Universidade de Joanesburgo, "os animais selvagens são considerados superiores por serem raros e valiosos".

Isto é especialmente verdade no que se refere aos rinocerontes. Os caçadores furtivos comprovam frequentemente a veracidade do seu produto ilícito, mostrando aos compradores chifres que foram removidos da base do crânio, um método de extracção que mata o animal. Só os consumidores mais conscienciosos iriam assegurar-se de que os chifres que estava a adquirir eram provenientes de criadores autorizados.

Historicamente, a caça furtiva tem-se revelado igualmente imune às flutuações no preço retalhista dos chifres de rinoceronte. Para que o mecanismo de preços conseguisse erradicar a caça furtiva, seria necessário diminuir a procura. Com o aumento efectivo da procura e a inexistência de um preço-limiar para incentivar a reprodução, as intervenções do lado da oferta têm poucas possibilidades de ser eficazes na protecção dos rinocerontes selvagens. Actualmente, os chifres de rinoceronte são vendidos a 60 000 dólares por quilograma em partes da Ásia.

Os criadores estão convencidos de que, com os sistemas de autorização e as tecnologias de detecção, os chifres obtidos legalmente poderiam ser identificados, a aplicação da lei poderia impedir o tráfico de chifres provenientes da caça furtiva e o comércio interno poderia reduzir a pressão exercida sobre as populações selvagens. No entanto, estes argumentos dependem de uma série de condições que, no presente momento, são apenas uma aspiração.

Em primeiro lugar, a criação comercial só conseguirá ter êxito se os chifres de criação forem considerados como um substituto dos produtos provenientes de animais selvagens. No entanto, investigadores como Tensen informam que tal é pouco provável de acontecer num curto espaço de tempo, tendo em conta o estatuto mais elevado, associado aos produtos que não são de produção.

É igualmente necessário reforçar as medidas de aplicação da lei para detectar abastecimentos ilegais e cortar as correntes de branqueamento. Infelizmente, os consórcios ilegais que contrabandeiam produtos da vida selvagem, frequentemente com o apoio de funcionários do governo, são adeptos da detecção evasiva.

Por último, o argumento favorável à criação pressupõe que os criadores comerciais acabarão por vender chifres a preços mais baixos do que os caçadores furtivos. Mas a criação em cativeiro é dispendiosa. Os investigadores da Universidade da Califórnia, San Diego, por exemplo, demonstraram que os rinocerontes brancos em cativeiro raramente geram descendência fértil. Além disso, os chifres dos adultos jovens crescem apenas cerca de seis centímetros por ano, e esta taxa diminui com a idade.

Os criadores comerciais contestam que suas as operações são equivalentes ao "cativeiro" e que o modelo de Hume se destina a para replicar, na medida do possível, as condições selvagens. No entanto, se as soluções de produção em cativeiro viessem a ser consideradas como uma alternativa à caça de animais selvagens, outros criadores precisariam de replicar essas condições. O custo seria significativo e haveria com certeza quem cortasse caminho.

Enquanto os criadores se manifestam empenhados em defender o seu comércio, os economistas desmistificaram o mito de que um mercado interno lícito de chifres de rinoceronte preservará as populações selvagens. Mesmo que os chifres resultantes da criação em cativeiro em África do Sul satisfizessem uma parte da procura a nível mundial, este facto não alteraria a procura entre os consumidores que preferem o produto selvagem, ou os que não se preocupam em conhecer a proveniência. É provável que a África do Sul venha em breve a albergar mercados paralelos, com ampla lavagem de chifres de origem ilícita. Tal pode ser aceitável para os criadores, mas constitui um desafio às razões de quem tenta preservar os rinocerontes selvagens.

ROSS HARVEY

Ross Harvey é pesquisador sênior da SAIIA e estudante de doutorado na Escola de Economia da Universidade de Cape Town.

 

 

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