30-01-2015
80% do consumo privado no mundo é realizado por 20% da população, e a cada 1% de crescimento nos países emergentes, o lixo acumulado cresce 0,69%.
Esta é uma montanha que não para de crescer. Nos cálculos da ONU e do Banco Mundial nas últimas três décadas a geração de resíduos sólidos urbanos cresceu três vezes mais rápido do que a população. Os sete bilhões de habitantes produziram 1,4 bilhão de toneladas de lixo e em 10 anos o montante chegará a 2,2 biliões de toneladas. Lógico que metade desse lixo é gerada pelos países da Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento, a OCDE, clube dos 34 ricos do planeta. Entre eles os países da União Europeia, além de Coreia do Sul, Japão, Austrália e Reino Unido. Os Estados Unidos lideram a estatística, com 5% da população mundial consomem 40% dos produtos, com um detalhe importante: em 2010 a Agência Ambiental (EPA) divulgou que os norte-americanos deitavam fora 34 milhões de toneladas de sobras de comida todo ano. O Brasil já é considerado o quinto país na lista dos campeões do lixo com 78 milhões de toneladas para 2014.
O pesquisador Maurício Waldmam, pós-doutor pela Unicamp e autor do livro “Lixo: cenários e desafios” criou uma versão da mitologia grega para traduzir a gravidade da situação. Trata-se do mito da Esfinge, um demónio com corpo de leão, cabeça de mulher e asas de água, que apavorava os habitantes de Tebas. Para ir embora propôs um enigma, decifrado por Édipo, tragédia de Sófocles – “decifra-me ou devoro-te”.
Decifra-me ou devoro-te
Eis o que o que a montanha de lixo planetária está nos propondo. Maurício Waldman comenta:
“- No Brasil, como em qualquer parte do mundo, o que a Era do Lixo está expondo de modo radical é a impossibilidade de mantermos o modus vivendi e modus operandi, que sustentou o surgimento e a difusão da civilização ocidental... o lixo assumiu o contorno de uma calamidade civilizadora. Em termos mundiais apenas a massa de lixo municipal recolhido, estimada em 1,2 bilião de toneladas, supera a produção global de aço – 1 bilião. As cidades ejectam dois biliões de toneladas de refugo, superando em 20% a produção de cereais. Os números falam por si”.
No dia 2 de Agosto terminou o prazo para os municípios brasileiros se adequarem à lei federal 12.305, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, depois de tramitar durante 20 anos no Congresso Nacional. Dois dias depois, a Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe) lançou a publicação “Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil 2013”, uma pesquisa realizada em 404 municípios envolvendo quase metade da população. No ano passado foram recolhidos 76 milhões de toneladas com um aumento de 4,1%, comparado ao ano anterior. Apenas 58,3% dos resíduos têm destinação final adequada. Ou seja, os restantes 41,7% são depositados em lixeiras e aterros controlados, que são quase lixeiras. Dos mais de cinco mil municípios do país, 3.344 ainda fazem uso de locais impróprios para destinação final de resíduos. E 1.569 municípios utilizam lixeiras a céu aberto, que é a pior forma de tratar o lixo. Enfim, mais da metade dos municípios brasileiros não se adequou à nova legislação, embora desde a década de 1980 seja proibido colocar lixo em qualquer lugar.
Nova York gera 24,8 mil toneladas de lixo
Em Outubro desse ano, na Índia, o primeiro-ministro Narendra Modi de vassoura em punho lançou a campanha Índia Limpa, e convocou quatro milhões de funcionários públicos federais para se envolverem. “Depois de tantos anos de independência não podemos continuar convivendo com esta imundície”, disse ele, acrescentando que o governo investirá R$24 biliões em cinco anos para varrer a sujeira. No caso indiano a situação é particularmente grave, porque metade dos 1,2 biliões de habitantes não tem acesso a banheiros e fazem suas necessidades fisiológicas em qualquer canto. Porém, mesmo entre os ricos o problema continua grave. Os japoneses geraram quase 500 milhões de toneladas de resíduos urbanos e seus aterros sanitários tem vida útil de oito anos. Aqueles que recebem o lixo de Tóquio tem vida útil de quatro anos, conforme a publicação Lixo Zero, do Instituto Ethos, coordenada pelo economista Ricardo Abramovay.
Nova Iorque, onde são geradas 24,8 mil toneladas por dia – em São Paulo são pouco mais de 18 mil toneladas – os resíduos são enterrados em aterros de Nova Jersey, Pensilvânia e até na Virgínia, alguns distantes 500 quilómetros. A capital dos turismo da classe média brasileira recicla apenas 18% do que produz. Aliás, os Estados Unidos reciclam apenas um terço das garrafas pet, índice que é de 72% no Japão. Os norte-americanos produzem 624 mil toneladas de lixo diariamente. E mais: 80% do lixo electrónico são exportado para a China. Até recentemente os países da OCDE exportavam 200 milhões de toneladas de lixo para outros países. É interessante o estilo de vida dos EUA, onde todos os anos são repostos 600 milhões de quilos de carpetes.
Brasil é o quinto mercado mundial
No Brasil, uma pesquisa recente do Banco Mundial apontou que se 42% dos resíduos sólidos colocados em lixeiras a céu aberto fossem para aterros sanitários – onde o chorume e o metano são recolhidos – o aproveitamento do biogás e a compostagem abririam 110 mil novos empregos nos próximos 18 anos e acrescentariam US$35 biliões na economia. Também supririam 1% da procura de energia eléctrica. Na União Europeia o cálculo apontou que se todo o lixo fosse tratado acrescentaria 42 biliões de euros no sector de recolha e reciclagem e mais 400 mil empregos. A Alemanha é o país líder na reciclagem com aproveitamento de 48% dos materiais utilizados. O mercado global do lixo da recolha até a reciclagem movimenta US$410 biliões. Mas a ONU ressalta que os orçamentos dos municípios estão destinados até 30% da sua verba para o lixo. No caso da capital paulista em 2013 foi R$1,8 bilhão, 20% mais do que o ano anterior.
O Brasil até 2020, ou seja, daqui a seis anos, será o quinto maior mercado consumidor do mundo. Já somos o maior consumidor de cosméticos, o segundo em cervejas, o terceiro em computadores, o quarto em carros e motos e o quinto em calçados e roupas. O problema cresce, porque a questão é: o que fazer com a montanha de lixo? A Confederação Nacional dos Municípios diz que são necessários investimentos de R$70 biliões para atender a procura dos municípios que jogam os resíduos nas lixeiras.
Cheiro de ovo podre
Porém, isso não explica o óbvio: 80% do consumo privado no mundo é realizado por 20% da população. Quer dizer, 5,6 biliões de pessoas rateiam o que resta da miséria, mesmo que isso signifique ter um smartphone, televisão fininha e uma vala na porta de casa, onde corre o esgoto a céu aberto, com todas as embalagens e utensílios domésticos imaginados. Nos países da OCDE a média de carros por cada mil habitantes é de 750, na China é 150 e na Índia 35. A mesma organização diz que a cada 1% de crescimento nos países emergentes, o lixo acumulado cresce 0,69%. Como os emergentes continuarão crescendo, deduz-se que a montanha idem.
Em meio a isso tudo, a época de Natal comercial cristã, com o mercado de luxo crescendo no Brasil – em São Paulo ricos de todo o país gastaram R$10 biliões em 2012 -, comecei a elaborar a seguinte questão: existe um problema maior do que as emissões de gás carbónico, metano e óxido nitroso – os gases estufa – na atmosfera. Trata-se do gás sulfídrico H2S, sulfato de hidrogénio, conhecido popularmente pelo cheiro de ovo podre, ou pelo cheiro de qualquer rio podre – caso do Tietê, em SP -, ou córrego carregado de esgoto, locais onde o gás se expande. Este cheiro da podridão, de coisa decomposta, degradada, em meio à globalização e a concentração de rendimento no planeta, é que está definindo os rumos da civilização do lixo. A tecnologia venceu a natureza, pensaram os mecanicistas desde a Revolução Industrial, agora reforçados pelos agentes do sistema financeiro. O que não estava nos planos do capitalismo esclerosado é que a expansão acabaria devorando o mercado com clientes, industriais, comerciantes e demais componentes económicos afogados em uma gigantesca montanha de lixo. O enigma grego foi decifrado e só falta puxar a descarga.
Por Najar Tubino