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Invasores alienígenas
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14-11-2014

Centenas de espécies estrangeiras de plantas, animais e microrganismos chegaram ao Brasil e dominaram os ambientes onde se instalaram, ameaçando de extinção os seus concorrentes nativos.

Os invasores trazem prejuízos para a biodiversidade, a saúde humana e a economia.

Uma das vedetas agrícolas do Brasil, a soja deverá bater mais um recorde de produção em 2014, com 90,261 milhões de toneladas, 10,5% a mais do que em 2013. Esse número será obtido, basicamente, porque os agricultores ampliaram a área ocupada pelo grão e aumentaram o rendimento médio da cultura. Mas os resultados poderiam ser ainda melhores se o fungo Phakopsora pachyrhizi estivesse longe das plantações. A espécie causa a ferrugem da soja, doença originária da Ásia que, desde 2001, já causou mais de US$ 20 bilhões em perdas para o sector, segundo a Associação de Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja). O Departamento de Sanidade Vegetal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) suspeita que esse parasita, capaz de contaminar até 70% de uma plantação, tenha chegado ao Brasil por correntes de ar, em 2001.

O fungo que atormenta os produtores de soja e o Mapa é apenas uma das mais de 540 espécies exóticas invasoras registadas actualmente no país. A lista engloba animais, plantas e microrganismos que têm proliferado por aqui e representam prejuízos para a fauna, a flora e a economia do país. “Quando introduzidas em um novo ambiente, essas espécies se reproduzem e se disseminam a ponto de dominá-lo”, afirma a engenheira florestal Sílvia Ziller, presidente do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental. Com isso, os invasores expulsam espécies nativas, cuja sobrevivência fica ameaçada, e alteram o funcionamento dos ecossistemas.

A biodiversidade e a agricultura são as áreas mais prejudicadas, mas a saúde humana também é afectada pelos invasores. Uma das formas da meningite, a eosinofílica, é causada pelo verme Angiostrongylus cantonesis, cujo hospedeiro natural é o caramujo gigante africano (Achatina fulica). Esse molusco terrestre, que atinge 15 centímetros de comprimento por 8 de largura e pode pesar mais de 200 gramas, foi trazido para o Paraná nos anos 1980, afirma a bióloga Silvana Iengo, do Instituto Oswaldo Cruz. A ideia seria criá-lo como opção gastronómica ao caracol. Como o plano fracassou, os exemplares remanescentes foram soltos na natureza, dando início ao desastre. Sem nenhum predador natural, o bicho se multiplicou de tal forma que hoje existe em quase todo o Brasil. Além de transmitir vermes, ele ataca plantações e ocupa o espaço de moluscos nativos Outro invasor que preocupa muito os serviços de saúde é o mosquito Aedes aegypti, transmissor de doenças como a dengue e a febre-amarela. Originário da África, ele está presente hoje em praticamente todo o mundo, sobretudo nas regiões tropicais e subtropicais. É comum, por exemplo, a migração de espécies pela água de lastro, que garante estabilidade aos navios. Eles a captam no porto de origem e despejam-na ao chegar ao seu destino. A globalização e o consequente aumento no comércio internacional têm aumentado as proporções do problema.

No Brasil, o caso mais notável nesse sentido é o do mexilhão dourado (Limnoperna fortunei), oriundo do Sul da Ásia, que chegou ao Lago Guaíba (RS) no fim da década de 1990, por meio do despejo da água de lastro de um navio mercante argentino. Com quatro centímetros de tamanho, facilidade para aderir a qualquer superfície submersa e adaptar-se a novos ambientes, esse molusco já se espalhou por rios, lagos e reservatórios da região Sul, de São Paulo e do Centro Oeste. O estrago que causa é considerável: ele desloca espécies nativas das áreas onde se instala, entope tubulações de hidroeléctricas e de água potável, afecta a cadeia alimentar e pode causar contaminação. Essa capacidade destrutiva fez do mexilhão dourado o alvo de uma Task Force criada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) em 2003 unicamente para combatê-lo. Sem muito a apresentar, o grupo se desfez em 2005 – e o molusco continuou a avançar.

“Em termos de espécies marinhas, a navegação é a principal causa de sua introdução em todo o mundo, através das águas de lastro”, explica à PLANETA o oceanógrafo Hugo Gallo, do Aquário de Ubatuba (SP). “Em seguida vêm a maricultura (o cultivo de organismos marinhos para alimentação e outros produtos em água salgada) e as correntes marinhas, que podem estar se alterando por questões relacionadas ao aquecimento global e às mudanças climáticas.

A forma mais comum de invasões de espécies está ligada a actividades económicas do homem, como pesca ornamental, florestamento (é o caso dos pínus P. elliottii e P. taeda, trazidos dos Estados Unidos) e comércio de animais de estimação. Em geral, as espécies exóticas se adaptam bem ao novo ambiente e fogem do controle humano. Um exemplo clássico disso no Brasil é o das abelhas africanas A bióloga Michele Dechoum, especialista em espécies exóticas invasoras do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental, ressalta que a conjunção entre as alterações do clima e a globalização amplia o potencial das invasões. “Com as mudanças climáticas, os invasores se proliferam muito mais rapidamente. Grandes eventos catastróficos têm trazido maior degradação para ecossistemas naturais. Os dois factores trazem uma sinergia”, afirma.

Luta desigual

Combater as espécies invasoras é uma tarefa indigesta. No Brasil, os principais esforços vêm de ONGs como o Instituto Hórus e ‑ e Nature Conservancy (TNC) e do MMA, que desde 2001 tem desenvolvido várias acções nesse sector, dedicadas à prevenção das introduções, à detecção precoce e ao monitoramento, controle e erradicação dessas espécies.

As iniciativas abrangem a revisão e o desenvolvimento de normas associadas à matéria, a elaboração de inventários das espécies exóticas registadas nos ecossistemas do país, a discussão relativa à elaboração de uma lista oficial de espécies exóticas invasoras em âmbito nacional e o estímulo à abertura de linhas de financiamento no Fundo Nacional de Meio Ambiente.

Um dos destaques na área foi a elaboração da Estratégia Nacional sobre Espécies Exóticas Invasoras, aprovada em 2009, que inclui elementos de prevenção, controle, políticas e instrumentos legais, consciencialização pública, capacitação técnica, pesquisa e financiamento, a serem desenvolvidos e/ou apoiados pelo MMA ou por entidades vinculadas a ele, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Por uma resolução aprovada em 2013 pela Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio), a Estratégia deverá estar totalmente implantada até 2020, “com participação e comprometimento dos estados e com a formulação de uma Política Nacional, garantindo o diagnóstico continuado e actualização das espécies e a efectividade dos Planos de Acção de Prevenção, Contenção e Controle”, informa o texto.

A acção do Mapa para travar a proliferação de invasores acontece sobretudo em termos de comunicação, afirma Luís Eduardo Rangel, director de Departamento de Sanidade Vegetal do ministério. “Tentamos convencer os produtores dos riscos sobre os processos formais de importação de materiais vegetais com uso da quarentena em casos de pesquisa ou da execução de processos de análise de risco”, explica.

“Além disso, há um esforço no envolvimento dos responsáveis técnicos das propriedades rurais nas questões de certificação e alertas fitossanitários para integração das esferas pública e privada, e ainda estadual e federal, no monitoramento da ocorrência e vigilância agropecuária.” As grandes dimensões do Brasil e o modo de actuação das pragas estão entre os principais desafios enfrentados nessa área, ressalta Rangel.

Na avaliação de Michele Dechoum, alguns órgãos estaduais têm feito um monitoramento e uma prevenção mais eficazes de espécies invasoras em suas unidades de conservação. Ela lista como exemplos Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Pernambuco.

A bióloga recomenda priorizar mais a prevenção do que o controle. “O ideal é trabalhar com análise de risco”, observa. “Você avalia a chance de a espécie se tornar invasora. No caso de invasão biológica, a prevenção é a forma mais barata e efectiva. Os custos de prevenção são mínimos comparados aos custos de controlo, que chegam a 5% da economia global”, afirma. Enquanto o problema não atrair esses investimentos, porém, os riscos estarão longe de dar sinais de trégua.

Luís Henrique Vieira e Eduardo Araia

Fonte: Planeta

 

 

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