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“The Favourite” é a comédia infantil do ano

22-02-2019 - Diogo Lucena e Vale

Pela primeira vez desde a sua estreia no cinema com O kalyteros mou filos  (2001), Yorgos Lanthimos realiza um filme cujo guião não foi por ele escrito. Dada a semelhança entre as suas duas longas-metragens em língua inglesa,   The Lobster  (2015) e The Killing of a Sacred Deer  (2017), esta novidade poderia trazer à obra do grego novo alento, cuja evolução começava a sugerir a simplificação de uma fórmula ao mesmo tempo que uma tendência para a estase. Enquanto os seus filmes anteriores se apoiavam num humor negro e minimalista com traços   nonsense, à moda do sueco Roy Andersson,   The Favourite  troca o minimalismo pelo simplismo e o   nonsense  pela estupidez.

Todos se lembram daquela situação na escola em que uma qualquer vulgaridade proferida pelo professor ou pela professora fazia toda a turma soltar uma gargalhada ou do espanto infantil perante um adulto que diz uma asneira. Durante quase duas horas, este é o género de humor que serve de combustível para  The Favourite , o que me leva a crer que o seu público-alvo são crianças até doze anos. A época histórica sobre a qual o filme se debruça é o início do século XVIII, imaginando o guião a disputa entre duas primas (Rachel Weisz e Emma Stone) que pretendem tornar-se a súbdita preferida da Rainha Ana da Grã-Bretanha (Olivia Colman). Consequentemente, da mesma forma que o estatuto do professor dá ao seu discurso uma solenidade que as suas piadas atraiçoam, o apelo de  The Favourite  está inteiramente na possibilidade de ver membros das nobreza e realeza agir de forma comprometedora e vulgar. Os elementos “cómicos” são o mais banais possível: falas grosseiras (“gosto quando ela põe a sua língua dentro de mim”) e comédia física (quedas, diferentes líquidos atirados à cara das personagens). Dir-se-ia que Yorgos Lanthimos desceu ao nível de um filme com Adam Sandler, não fosse o seu último,  The Week Of  (2018), bastante mais engraçado que este embaraço.

A perversão de algo tipicamente associado a uma certa seriedade é algo de bastante comum no cinema de comédia, podendo ser observado no contraste entre a mise-en-scène rigorosa e os diálogos levianos nas comédias de João César Monteiro ou na mais recente longa-metragem de Jessica Hausner,   Amour Fou  (2014). Contudo, tanto num caso como no outro, este elemento não é o truque que alicerça todo o filme, ao contrário do que acontece na obra de Lanthimos, que, nada mais tendo para oferecer, cedo se torna entediante. Todos os atores e atrizes interpretam num registo caricatural que não favorece ninguém e até o uso da câmara é dolorosamente banal, com movimentos panorâmicos que se repetem de cada vez que uma personagem atravessa um espaço, sendo as únicas surpresas o bizarro recurso ocasional a uma lente olho-de-peixe, cuja utilidade não se entende. Concomitantemente, no parlamento inglês discute-se a estratégia a adotar relativamente a uma guerra em curso, deixando espaço para interpretações que vejam neste espetáculo macabro a essência da política. Todavia, a escassa atenção dedicada a este tópico sublinha mais a sua importância para a progressão do enredo do que a sua significância para a construção de um comentário político. Ademais, as idiossincrasias da época, superficiais como são, numa abordagem que não explora o tema a fundo, sobressaem relativamente às semelhanças mais abstratas, distanciando o filme da atualidade o suficiente para desencorajar tais leituras.

Num episódio da série  Louie , Louis CK, ao sair de um edifício, vê o seu carro ser destruído. Ao mostrar esse excerto num  talk-show , o comediante americano explica ao apresentador que, por a sua personagem conduzir um modelo de carro específico, tiveram de recorrer a um carro real para aquela piada, tendo, por essa razão, o custo da sua filmagem sido de vários milhares de dólares. Ao contemplar as caras conhecidas dos atores e o luxo dos  décors  e roupas, a impressão com que se fica de  The Favourite  é a de que o filme não passa disso, uma piada cara. Tivesse ele sido lançado no período histórico em que situa a sua ação, certamente teria sido um escândalo e todos os envolvidos na sua produção seriam severamente punidos. No século XXI, dificilmente se imagina alguém que já tenha atravessado a puberda

Fonte; Comunidade Cultura e Arte

 

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