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Mas tu és vegetariano?

11-01-2019 - Bernardo Crastes

No mundo empresarial, eu faço parte da trupe da lancheira: aquele grupo que não se importa de repetir o mesmo prato duas refeições seguidas ou de despender o esforço extra de cozinhar algo para uma refeição que ainda parece tão distante. A altura da comunhão à volta da mesa é normalmente entusiasmante, com a oportunidade para partilhar conversas até então mudas pelo rigor do trabalho, a troca de chalaças em momentos de descontracção e aquele olhar indiscreto para o prato dos vizinhos. “O que é que estás a comer?”

A partir do momento em que comecei a ser totalmente responsável pelas minhas refeições, tomei a decisão de evitar ao máximo comprar carne para cozinhar em casa, tornando a maioria das mesmas vegetarianas (ou   vegan ) ou, pelo menos, piscitarianas. Os motivos são maioritariamente ambientais e salutares, aos quais se adicionam as afamadas questões de índole moral, para além de realmente apreciar este estilo de cozinha. Desta forma, o desfile de pratos ao longo da semana é rico em cores, odores, sabores e texturas, que suscitam a curiosidade de quem os observa. As respostas à pergunta que fechou o parágrafo anterior vão variando, passando por variadas leguminosas, legumes, frutas, substitutos da carne e palavras como  seitan ,  tempeh ,  tofu , húmus, bulgur, quinoa, entre outras. “Mas tu és vegetariano?”

Não, por acaso até não sou. Esta pergunta é algo desarmante, pois, apesar de válida (mesmo sendo uma generalização apressada), vem sempre com um tom de incompreensão. Recentemente, tive de sair da bolha em que havia residido durante os anos de faculdade, na qual estilos de vida vegetarianos – ou pelo menos mais equilibrados – eram respeitados, apreciados e encorajados. Por isso, agora, quando explico os meus motivos e o facto de, apesar de não ser vegetariano, ter reduzido drástica e voluntariamente o consumo de carne na minha vida, as pessoas perguntam-se por que raio haveria eu de me submeter a isso, como se estivesse a cometer um acto de auto-mutilação ou a passar por um suplício.

Na maioria dos casos, o que se verifica é que esta postura desdenhosa advém de ignorância, por vezes involuntária, por outras auto-induzida – devido a preconceitos que teimam em não ser confrontados e uma falta de abertura a coisas exteriores à zona de conforto. Durante anos, também me foi mais fácil encarar a hora da refeição como uma questão binária: “carne ou peixe?” No entanto, tem sido cada vez mais complicado ignorar os alertas relacionados com as consequências advindas do sobreconsumo de alimentos de origem animal. A resposta aos mesmos tem de passar pela já referida ignorância ou pela mudança de hábitos –   ninguém o pode fazer por nós .

A resistência à mudança passa muito por encará-la como algo terminante e excessivamente dramático, como se todas as decisões da nossa vida fossem sempre sim ou sopas. Pequenas concessões, feitas aos poucos, custam menos; e quando ocorrem a uma larga escala, têm efeitos muito maiores do que aqueles que esperamos se pensarmos simplesmente ao nível individual. Ainda que vivamos numa sociedade cada vez mais interligada, o sentido de comunidade não tem crescido da mesma forma. Decisões que nos podem parecer insignificantes, afectam-nos a todos e retiram o peso dos ombros de quem ouve a sua consciência social em detrimento dos caprichos individuais. No fundo, esta partilha de responsabilidade leva-nos àquilo que é também o cerne da questão no que toca à alimentação: o   equilíbrio . Comer comida vegetariana ou comer carne não têm de ser coisas mutuamente exclusivas ou incompatíveis (por agora) e o equilíbrio entre ambas é crucial para a manutenção do planeta.

Esta crónica não pretende entrar na apresentação de factos irrefutáveis ou ilações que sirvam de orientação moral – apesar de ser complicado não o fazer -, pois este tipo de decisões individuais devem partir do próprio indivíduo. O que este texto pretende é ser mais um foco deste tópico na esfera pública, pois o grosso da população continua alheia ao mesmo. É preciso catalisar estas conversas, pois quem não sabe é como quem não vê. A cada hora de almoço, há mais abertura e familiaridade com estas questões, que acredito que acabem por ficar no fundo da mente de quem sobre elas discorre. Se este texto também ressoar no interior de alguém, já fez o seu papel.

Fonte: Publicado no site Comunidade Cultura e Arte

 

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