Pequenos mundos – Vincent Moon
14-03-2014 - Tiago Sousa
Vincent Moon é o alter ego artístico de Mathieu Saura. Notabilizou-se como videasta através de um novo conceito de videoclip, que viria a tornar-se cânone para a produção independente. Concert à Emporter ou The Take Away Shows são uma síntese perfeita do que de mais genuíno e honesto existe na manifestação musical. Juntamente com Christophe Abric, propunham levar a música para espaços do quotidiano e filmá-los em take único, imprimindo-lhe grande espontaneidade. Todos os vídeos estão disponíveis na internet, gratuitamente. Estes geraram uma atenção crescente e exponencial, em grande parte pelo motivo dos pequenos filmes, mas também pelos nomes que começaram a querer envolver-se. Os casos de Tom Jones, Beirut, Grizzly Bear ou Arcade Fire, ajudaram a chamar a atenção para este procedimento, mas não são a única razão do seu sucesso.
Take Away Show _ BOMBA ESTEREO (part 2) from Vincent Moon / Petites Planètes on Vimeo.
O que me parece motivar tal burburinho, relaciona-se com a simplicidade de processo, por oposição ao aparato crescente da indústria. Os filmes eram de produção quase imediata, normalmente apenas em plano contínuo, num conceito próximo do das field recordings, ou recolhas sonoras, que ao mesmo tempo revelavam uma preocupação estética cinematográfica. Não importa apenas documentar: há um statement que se pode ser nas entrelinhas deste processo tão depurado, imediato e orgânico. O efeito de contágio, pelo facto de ser um processo tão simples, foi também assinalável e ajudou na popularização de Vincent na cultura pop. Em todo o mundo multiplicaram-se os exemplos desta prática.
O sucesso destes vídeos foi de tal modo global que Vincent acabou por se envolver mais profundamente na indústria musical. Abraçando novos filmes, com colossos como os REM ou o músico indie Beirut, trabalhando na documentação do festival All Tomorrows Parties, ganhou prestígio e um potencial comercial crescente.
É neste momento que Vincent dá um passo inesperado e investe numa nova abordagem, mais preocupada com o fenómeno da música para além do contexto da cultura de massas: ele parte para uma nova série, intitulada Collection Petites Planètes. Aqui busca um sentido mais antropológico, focando-se nas idiossincrasias regionais, procurando entender as tradições ao mesmo tempo que busca autores que pretendem trilhar novos caminhos a partir desse património. Nestes registos documentais, o lugar do narrador é ocupado pelos próprios intervenientes, e preserva-se tudo o que Vincent desenvolvera nos seus Take Away Shows. A mesma espontaneidade e busca pela autenticidade. A mesma procura pelo momento de verdade, pelo momento definitivo de uma determinada prática.
Aquilo que, na minha perspectiva, torna tão interessante o percurso de Vincent, é precisamente essa busca. O modo como ele parte dos fenómenos mais ou menos ancorados na indústria cultural de massas e consonantes com a ideia de espectáculo, para chegar a um modus operandi que permite aprofundar, cada vez mais, a sua crítica à alienação provocada pelo espectáculo. Esse aprofundamento da crítica, que começa por estar focada no objecto, neste caso, a performance musical, estende-se à própria prática cinematográfica. No contexto da cultura dominante, a fixação de imagens é outro processo de fetichização espectacular. O resultado é uma aparência de relação directa entre as coisas, e não entre as pessoas. As pessoas agem como coisas e as coisas, como pessoas.
Na realidade, o que Vincent nos mostra, é cada vez mais a sua implicação na prática. O relato da sua própria busca. Não que ele se tenha demitido do papel de autor ou de produtor, mas o objecto, ou produto da sua actividade, é cada vez mais o resultado daquilo que, para ele, significa fazer parte desta imensa comunidade de diferentes manifestações e modos de comunicar.
Não é inocente que Vincent tenha decidido desde a primeira hora licenciar o seu trabalho através das licenças Creative Commons, que partem precisamente dessa ideia de comunidade, de partilha e de dádiva, para colocar os diferentes intervenientes, espectadores e actores, no mesmo plano de igualdade. Funcionam todos como tradutores e autores de signos que falam sobre a vida e suas diferentes manifestações. Vincent coloca-se assim no meio da problemática e não numa posição que transcende dessa problemática. Ele é ao mesmo tempo actor e espectador dessas manifestações e, acima de tudo, um entusiasta profundamente envolvido no constante fluxo das ideias e dos signos.
Tiago Sousa
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