Vinhos em Portugal: um planeta solitário
19-09-2014 - Rita Bueno Maia
Muito se fala hoje sobre a melhorada imagem dos vinhos de Portugal além fronteiras. Não há prova a que compareça nem número de imprensa especializada que leia em que não me encontre com uma ou outra mostra de regozijo pela melhor atenção que os vinhos portugueses têm merecido.
No entanto, sempre ouvi estas esperanças com a sensação de que ditas flutuações de mercado só achavam consequência numa elite restrita quer profissional quer winelover. Por isso há muito desejava saber que tipo de orientações vínica acharia uma turista não-especializado ao consultar um guia turístico de Portugal. Para tirar a teima, fui à biblioteca municipal e aluguei a fonte mais recente que encontrei: o guia “Portugal” da Lonely Planet, publicado em 2008 em versão francesa. E os resultados da minha leitura foram inesperados.
Escrito “a meias”, as secções referentes às regiões Algarve, Alentejo e Lisboa e Arredores são da responsabilidade de Regis St Louis, autor que se apresenta primeirissimamente como um “amoureux du bon vin”. Pois este apaixonado do bom vinho, que escreve sobre o Algarve, Lisboa, Setúbal, Sintra, Cascais, Loures decide mencionar tão-somente os vinhos do Alto Alentejo (p.225).
Acima do Tejo e no texto de Robert Landon encontramos mais secções dedicadas aos vinhos de Portugal. Sem surpresa, o maior destaque é dado ao vinho do Porto, merecedor de uma página inteira do guia (p.371). Com agrado, encontrei menção aos vinhos do Ribatejo, apresentados por um passado rústico e de muitos taninos, mas com um futuro muito promissor, nomeadamente, desde a obtenção da DOC em 2000 (p.298). Com maturidade, confirmei que nada se dizia sobre o vinho das terras do Buçaco.
No que toca à região dos Vinhos Verdes, Landon começa por informar:
“Fora de Portugal, o vinho verde (le « vin vert ») não tem boa reputação, muitas vezes justificadamente: é de facto raríssimo no estrangeiro ter a possibilidade de o consumir « vert » – ou seja jovem, de preferência com menos de um ano de idade. ” (p.450, tradução minha)
Esta citação suscita-me duas observações. Por um lado, desconhecia por completo a má reputação dos brancos minhotos fora de Portugal; pelo contrário, pensava que no estrangeiro ora se desconhecia ora, quando se conhecia, se procurava com respeito o Alvarinho e o Loureiro. Por outro lado, reparo na exortação de Landon para que se prefira o consumo dos “vinhos verdes” com menos de um ano, pois, vai ao encontro de uma teimosia que produtores como Luís Cerdeira (Soalheiro) e Pedro Araújo (Ameal) muito tentam contrariar. Após esclarecedora introdução, dá-se lugar a alguns clichés perpetuados como o das “pequenas bolhas” típicas deste tipo de vinhos. Que referências terá Landon econtrado e degustado?
Para minha enorme surpresa, vi, na página 351, abrirem-se as cortinas para a região vínica mais respeitada em vinhos tranquilos pelo guia Lonely Planet: o Dão. De boca aberta li:
“Aujourd’hui, ses rouges veloutés [du Dão] comptent parmi les grands crus du Portugal. (…) On les appelle souvent les « bourgognes du Portugal » car ils se caractérisent autant par leur goût fin et subtil que par leur puissance. ” (p.351)
Apresentada como uma região mais de tintos que de brancos (com a excepção de Lafões), a região do Dão é, sem dúvida, recomendada como o destino preferido para o enófilo estrangeiro. Uma região de “grands crus” e dos borgonhas de Portugal, vinhos aveludados, finos e poderosos. Tão grande protagonismo dever-se-á não só aos excelentes produtos como também, e certamente, a uma muito boa comunicação dos produtores neste século XXI.
Por fim, volvidas estas 450 páginas, compreende-se que apenas arestas bem carregadas passam no papel vegetal de um estrangeiro. Se, de facto, estes guias são o resultado de viagens anónimas e visitas imparciais, resta-nos compreender que muitas mensagens não chegam aos transeuntes. E que se o diálogo prossegue no mesmo círculo, os projectos ficarão entre as mesmas portas e o Portugal vínico permanecerá flutuando um planeta solitário. Parece que há que olhar para o Dão e aprender com esta diferença.
E Tudo O Vinho Levou – Rita Bueno Maia

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