Mais de 1600 autores e artistas assinam e enviam carta aberta ao Governo português
10-04-2020 - Redacção
Autores, artistas e profissionais do espetáculo apelam a António Costa, Graça Fonseca e deputados do Parlamento medidas que assegurem o futuro da cultura no país.
A SPA (Sociedade Portuguesa de Autores), A GDA (Gestão dos Direitos dos Artistas), a AUDIOGEST (Associação de gestão de direitos de produtores fonográficos), lançam uma carta aberta de apelo ao Primeiro Ministro, António Costa, à Ministra da Cultura, Graça Fonseca e a todos os deputados da Assembleia da República.
Depois de cumprirem as primeiras recomendações de saúde pública que limitaram as suas atividades profissionais, o sector cultural apela ao Governo que seja prestado apoio à comunidade criativa e artística, consequência da pandemia Covid-19.
“É um contrassenso acreditar que todos estes profissionais do espetáculo podem exercer a sua atividade sem que o espetáculo exista” , pode ler-se na carta redigida que exprime falta de apoio que inclui todas as atividades performativas e de espetáculo e funções de “milhares de técnicos (de som, de luz, de palco, cenógrafos, produtores, assistentes de produção, roadies e tantos outros) que se encontram sem qualquer rendimento.”
O cancelamento de espetáculos, apresentações e eventos agendados originam o pedido da criação de um fundo de emergência para a área da cultura que assegure “a sobrevivência e subsistência de largos milhares de famílias que dependem em absoluto do espetáculo”. Autores, artistas e profissionais de artes performativas classificam as medidas, até à data anunciadas como insuficientes, destacando que “ é sempre possível fazer mais e melhor. ”
Desta forma, solicitam que o Governo, para além da criação de um fundo de emergência e apoio ao sector da cultura, garanta que as entidades públicas contratantes procedam a pagamentos no caso de cancelamento ou adiantamento de preços acordados, estabeleça um prazo para o reagendamento dos espetáculos ou eventos e que os valores pagos a título de adiantamento ou pagamento parcial sejam distribuídos pela cadeia de valor aos profissionais.
Agir, Ana Bacalhau, Ana Moura, António Zambujo, Boss Ac, Camané, Capicua, Carlão, Cláudia Pascoal, David Fonseca, Dino D’Santiago, Fernando Daniel, Fingertips, Frankie Chavez, Inês Laginha, Isaura, Joel Silva (HMB), Jorge Palma, Lena D’Água, Luís Represas, Mafalda Veiga, Marisa Liz, Nelson Freitas, Pedro Abrunhosa, Rita Guerra, Rita Redshoes, Rodrigo Leão, Salvador Sobral, Samuel Úria, Sérgio Godinho e SURMA fazem parte dos milhares de autores e artistas que assinam a carta dirigida ao Governo.
“Não cancelem a Cultura” pedem aqueles que se tornaram agentes de saúde pública pelo seu país e que são agentes culturais pela sua profissão.
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Carta Aberta:
Senhor Primeiro Ministro,
Senhora Ministra da Cultura,
Senhores Deputados,
O sector cultural, em especial todo aquele que depende de espetáculos “ao vivo”, vive uma situação que é não menos que dramática. Fomos os primeiros a sofrer as consequências das primeiras recomendações de saúde pública (que respeitámos) que limitaram a nossa atividade, logo em final de fevereiro. Tememos que, infelizmente, as limitações que sofremos hoje se possam alargar para além do estado de emergência, sendo já certo que seremos dos últimos sectores a poder retomar em pleno a sua atividade, quanto mais não seja, pela previsível crise de confiança que se poderá instalar na relação entre os espectadores e a comunidade criativa e artística relativamente à frequência e permanência em espetáculos, apresentações ou eventos ao vivo.
Temos assistido ao anúncio sucessivo de apoios vários, aplicáveis à generalidade da economia, mas também a outros apoios específicos, justamente implementados, a atividades particularmente afetadas pela crise.
Embora reconheçamos as manifestas boas intenções e o esforço do Governo, certo é que as medidas anunciadas para a área da cultura, além de manifestamente insuficientes, ou não respondem às necessidades imediatas do sector, ou deixam autores, artistas e profissionais do espetáculo ainda mais desprotegidos.
Não é seguramente com apoios à produção que os profissionais autores, profissionais artistas e profissionais de espetáculo poderão fazer face, no imediato, à situação trágica em que se encontram. É um contrassenso acreditar que todos estes profissionais do espetáculo podem exercer a sua atividade sem que o espetáculo exista. A atividade criativa e artística está absolutamente cancelada, até porque face à disfuncionalidade do mercado de venda de música (em particular o digital), no caso dos artistas, a esmagadora maioria dos rendimentos decorre de espetáculos ao vivo.
Se alguns autores e artistas (que não todos) podem ainda continuar a criar (sem por isso serem, necessariamente, remunerados), milhares de técnicos (de som, de luz, de palco, cenógrafos, produtores, assistentes de produção riggers e tantos outros), todos eles profissionais ditos “independentes”, ficaram impedidos de exercer a sua atividade, sem qualquer rendimento, precisamente na altura do ano em que se preparavam para a reatar, após o período de outono e inverno, em que tipicamente o trabalho já escasseia.
É tão evidente quanto urgente a necessidade de criação imediata de um verdadeiro fundo de emergência ao setor. Essa deveria ter sido a prioridade imediata, antes mesmo de se desenharem medidas de incentivo à produção cultural, cuja utilidade não se discute, mas que não devem desviar as atenções e esforços dos poderes públicos para o que é, agora, essencial: a sobrevivência e subsistência de largos milhares de famílias que dependem em absoluto do espetáculo.
Também a regulação dos contratos relativos a espetáculos que tenham sido ou venham a ser adiados, deixou de lado autores, artistas e profissionais de espetáculos.
Estes não só se veem obrigados a aceitar cancelamentos de datas para um período temporal que durará, pelo menos, até ao dia 26 de agosto (90 dias úteis após o final do estado de emergência), como ficam obrigados a aceitar reagendamentos, sem que ao menos lhes seja prestado um sinal.
Apesar das suas inequívocas boas intenções, o DL 10-I / 2020, de 26 de março, ao regular, as relações decorrentes dos contratos cancelados, acabou por alargar o horizonte temporal desta suspensão muito além do que poderíamos, nesta fase, esperar, e deixou os autores e artistas nas mãos dos promotores públicos que, por não dependerem de receitas de bilheteira, não têm qualquer incentivo real, nem ao reagendamento, nem ao pagamento (ao menos parcial) dos licenciamentos e cachets devidos.
Não é aceitável que os profissionais do espetáculo fiquem dependentes das boas intenções do promotor público do espetáculo, em muitos casos sem qualquer pagamento, e sejam lançados num limbo de incerteza sobre o futuro do espetáculo que contrataram.
Estamos certos que a intenção do legislador não era (jamais poderia ser) a de colocar estes profissionais em pior situação que aquela que já tinham.
Por isso mesmo, e porque é sempre possível fazer mais e melhor, numa altura em que são apresentados para discussão no parlamento projetos de lei com impacto no sector cultural, vimos apelar aos senhores deputados e ao Governo que promovam e viabilizem:
▪ A criação de um verdadeiro fundo de emergência e apoio ao sector da cultura e, em particular das artes performativas, que contemple também os autores e os profissionais “independentes” do espetáculo;
▪ As necessárias e urgentes alterações e aditamentos ao DL 10-I /2020, de 26 de março, que regula o regime aplicável aos espetáculos adiados, designadamente, no sentido de:
✓ Garantir – e não apenas autorizar ou sugerir – que as entidades públicas contratantes, procederão a pagamentos, nos casos de canc elamento, ou adiantamentos de preços acordados (cachets), nos casos de reagendamento, no momento do cancelamento ou adiamento da primeira data agendada.
✓ Estabelecer um prazo imperativo para o reagendamento, findo o qual os artistas e agentes culturais co ntratados ficariam desobrigados de efetuar a sua prestação (fazendo deles o valor adiantado).
✓ Garantir que os valores entretanto pagos são equitativamente distribuídos pela cadeia de valor e chegam, efetivamente, aos agentes culturais e profissionais de espetáculos.
Com estas medidas não se gastaria um euro a mais que aqueles que se encontram já orçamentados, comprometidos e contratados e, seguramente, injetar-se-ia um volume financeiro no setor, de montante muito superior ao milhão de euros que foi alocado à linha de emergência para a produção cultural que, sejamos claros, não consegue responder às mais elementares questões de subsistência real dos autores e artistas portugueses e da comunidade artística em geral.
Com estas medidas, e apenas com elas, se alcançará uma regulação que permita repartir justamente os custos da crise económica que todo estamos a sofrer.
É sempre tempo de fazer melhor.
A nossa esperança e o nosso apelo é que o façam com a urgência que a situação reclama.
NÃO CANCELEM A CULTURA!
NÃO SUSPENDAM OS AUTORES, ARTISTAS E PROFISSIONAIS DOS ESPETÁCULOS!