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Questões Oportunas

Comentário de um jurista ex-deputado sobre a questão da decisão parlamentar referente a vacinas
07-12-2018 - Fernando Condesso

Pedem-me alguns alunos que me pronuncie sobre este tema, que tem gerado polémica na atualidade.

Aqui vai a questão e a opinião:

1.Os deputados votaram a inclusão de certas vacinais no plano nacional de vacinação obrigatória.

Em concreto, parece que não está ainda bem demonstrada a eficácia destas vacinas.

O Bastonário da Ordem dos médicos, que é uma autoridade administrativa, embora não autoridade administrativa nem científica nestas matérias, veio defender que o Parlamento não podia deliberar sobre isso, por os técnicos ainda não se terem pronunciado.

Quid juris?

Direi desde, já que o debate está mal colocado, pois uma coisa é haver ou não poder decisório e outra, bem diferente, é saber se este poder foi bem ou mal usado, no todo (pagamento público de vacinas receitadas por médicos) ou em parte dessa decisão (vacinação obrigatória?)

2.Os factos são estes: recentemente o Bastonário da Ordem dos Médicos disse que os deputados usurparam competências de cientistas. Não têm competência para deliberar sobre vacinas, questão que pertence a uma comissão de especialistas. Ora, independentemente da questão do acerto ou desacerto desta deliberação, que na alisarei no fim e eu, pelo que me dizem e concordo, não acho acertada, importa situara tais inconcebíveis afirmações na sua perspetiva politológica e constitucional. Será que os Deputados têm que se submeter a uma autoridade administrativa (ministério da saúde, uma ordem profissional, uma comissão técnica nomeada e integrada do governo, etc.) ou consultores técnicos independentes?

3.Começo por referir que, quando líder parlamentar e antes de propor soluções na reunião mensal do meu grupo parlamentar da assembleia da república, consultei muitas vezes bastonários, médicos, juízes, agentes do Ministério público e especialistas em diferentes áreas e, em relação a propostas governamentais, procurava sempre receber estudos preparatórios e analisá-los, sem prejuízo de em questões mais complexas fazer trabalho de caso com estudos comparativos de leis de vários países , por vezes deslocando-me mesmo ao estrangeiro ou a bibliotecas universitárias ou a livrarias a comprar estudos atuais ou a trocar impressões com amigos que ia conhecendo, enquanto membro de várias comissões de organismos internacionais. Como universitário interessado em novos temas que mais do que juristas eram objeto de redação legislativa por técnico, inscrevi-me em curso superiores de áreas alheias ao direito ou à filosofia que pertenciam às minhas aquisições de conhecimentos de estudante universitário e aí estive inscrito e estudante de novo, desde universidades europeias e americanas de países nórdicos como do sul (economia regional, ecologia, urbanismo, planeamento, psicopedagogia, sociologia, literatura, turismo, etc.), o que tudo me ajudou melhor entender e interpretar as legislações, como a defender as suas alterações e a lecionar e escrever como autor de obras científicas em áreas especiais do direito administrativo que começavam a ganhar relevância social e daí não ser de admirar que tenha ministrado cursos não só em direito como em licenciaturas e mestrados nas faculdades de arquitetura, engenharia, etc. e participado em Congresso internacionais em áreas muito diversificadas em muitos outros países. E este comportamento-padrão, partia sempre desta ideia de que o direito em si nada é pois apenas dá forma cogente a imperativos que têm subjacentes não só razões culturais e éticas que importa apurar em cada época, mas também, que a Justiça ou é situada ou não é direito, isto pela razão simples de que a política e a legislação hoje dependem em geral de conhecimentos técnicos e científicos ou falta deles, sem cuja dilucidação ela ficará desfasada da sociedade ou do tempo. E mais, quando havia um debate ético-técnico, como por exemplo, o aborto, chamei a pronunciar-se no Parlamento, dois deputados médicos, um defensor do livre aborto e outro da interdição absoluta do aborto, dando naturalmente liberdade de voto, método que seguia sistematicamente. Muitas vezes no período do Bloco Central e do FMI, devolvi propostas de diplomas aos governantes ou se elas voltavam sem correções, paralisava a sua entrada, durante as conferências de líderes, nas ordens do dia, até que as alterações pretendidas pelo grupo parlamentar aparecessem efetivadas. Eleito líder pelo grupo parlamentar sem votos contra (ou seja, por unanimidade dos que tomaram posição), nenhuma intervenção do partido admiti e nenhuma posição foi por este tomada em termos de deliberação parlamentar que não tivesse o seu apoio maioritário. Acrescento apenas que nunca existiu uma posição do grupo diferente daquela que eu propunha, fosse na linha do governo-partido ou contra, pois nunca lhe propus nada que não estivesse bem analisado e que eu, convictamente defendia com a relativa profundidade que o tema merecesse.

4.De facto, poucas vezes terei constatado, se é que tal ocorreu, que um tema pendente no parlamento não tivesse pressupostos técnicos ou científicos, em termos de “ciências exatas” ou de ciências sociais, como o direito. É preciso informação, pesquisa, estudo, ponderação sobre o que se vota, para se poder votar bem. Não é por acaso que a maioria dos deputados se limitam a levantar os braços ou levantar-se ou a perguntar à liderança parlamentar ou a vizinho do lado como é que se deve votar e são poucos os que estudam e falam e propõem-dão indicações de voto.

Ora, na lógica da incompetência do legislador nesta matéria, teríamos subjacente um raciocínio segundo o qual todas a as matérias poderiam ficar fora do poder do Parlamento, nas mãos de tecnocratas e das autoridades do governo e sua Administração Pública, se não mesmo no fundo fora da política, acabando a possibilidade de alternativas de governação.

A política económica e laboral ficaria nas mão dos economistas da moda (que hoje tendem ao neoclassicismo-ultraliberalismo e ao neoconservadorismo dos equilíbrios orçamentais por parte de um país mesmo desenvolvido que outros seus parceiros europeus, esquecendo o quão nefasta foi a política de Salazar no pós-guerra para a nossa economia) e melhor seria manter o governo da austeridade e de propensão anticonstitucional do PSD de Passos Coelho para sempre. E assim por diante…

Acontece que uma coisa é que os decisores legislativos procurem decidir bem, de acordo com a evolução dos conhecimentos, outra será que não tenham poder decisores e só o tenham os especialistas. Não queremos um país nem de mero governo de juízes, nem muito menos um governo de especialistas.

Os deputados devem procurar decidir bem informados, mas os deputados podem decidir.

E se há que reconhecer que as normas do parlamento ou do governo são “meras propostas” para o poder judicial que, na sua aplicação casuística, através de interpretações e mesmo de ficções revogatórias, é que de facto em concreto diz o Direito e portanto faz Justiça, muitos menos se pode aceitar que as análises e propostas dos técnicos mesmo que integrados no poder executivo-administrativo podem eliminar o poder judicial formal do parlamento, como órgão máximo da representatividade normadora em democracia, possa m tolher o poder dos parlamentos democráticos.

5. Uma deliberação do Parlamento criou cabimento orçamental para o pagamento pelo Estado destas vacinas caras, apenas nas situações indicadas pelos médicos especialistas, ou impõe mesmo a vacinação geral. Mas constata-se que os técnicos que constituem a comissão especifica ligada ao governo ainda têm dúvidas sobre a eficácia ou oportunidade-necessidade destas vacinas.

Acontece que, mesmo sem certezas de eficácia, mesmo em período experimental que seja, nada impede que o poder político decida pagar vacinas caras em situações que os médicos entendam experimentar o produto. Tal decisão é politico-financeira. É intocável e só seria criticável – mas sem se poder questionar a competência funcional o parlamento- se os especialistas unanimemente tivessem afirmado que a certeza era a da inutilidade da vacina.

Acontece que, segundo a imprensa, a votação terá vindo a impor a vacinação obrigatória generalizada e aí, sem sombra de dúvida, não havendo certezas científicas, apenas pressuposições, um pouco à maneira das vacinas de “anis estrelado” contra a gripe das aves, de tempos ainda recentes e tendo presentes os custos (relação custo pesado e benefício duvidoso ou mesmo inexistente), temos uma deliberação errada (apenas politicamente ferida de erro, mas não estando em causa o poder detido pelo parlamento para o fazer, que é coisa diferente, a menos que se entenda haver no nosso país, reserva de poder administrativo-regulamentar (à maneira da Gaulista constituição francesa, mas em que o Poder Executivo não tem qualquer podee decisório legislativo), o que quanto a nós não é o caso: já nos basta a anomalia democrática do p, que nos vem da Estado monárquico absoluto e, mais recentemente, do consulado de Salazar).

Fernando Condesso

Prof. Catedrático

 

 

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