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Questões Oportunas

CONTRATO DE ‘MÃO BEIJADA’ PARA DIFERENDO SOBRE BES COM FUNDOS DAS MAURÍCIAS
16-02-2024 - Pedro Almeida Vieira

O ainda ministro das Finanças, Fernando Medina decidiu contratar por quase 2,8 milhões de euros a sociedade de advogados Cuatrecasas Gonçalves Pereira & Associados, sem abrir qualquer concurso público, com vista a representar o Estado português num diferendo em tribunal arbitral com três fundos das ilhas Maurícias que terão perdido 260 milhões de euros durante o processo de resolução do Banco Espírito Santo.

A Suffolk, a Mansfield e a Silver Point Mauritius reclamam ter perdido 260 milhões no processo de liquidação do BES, por os seus créditos terem sido classificados pela comissão liquidatária como “subordinados”, o que implicou a perda total do investimento. Os três fundos sedados neste paraíso fiscal no Oceano Índico intentaram uma acção há cerca de um ano, alegando que esta decisão viola um acordo entre as Maurícias e Portugal, assinado no final de 1997, para promoção e protecção recíproca de investimentos.

A escolha a dedo da Cuatrecasas foi apenas ontem revelada no Portal Base, mas concretizada no passado dia 17 de Novembro, com a assinatura de um contrato por ajuste directo no valor de 2,25 milhões de euros (quase 2,8 milhões, incluindo IVA). Contudo, desde pelo menos desde Fevereiro do ano passado, era do conhecimento público  que a Cuatrecasas estaria a trabalhar com o Ministério das Finanças neste processo, o que implica que já terá sido executadas tarefas sem suporte contratual, o que constitui uma irregularidade grave à luz do Código dos Contratos Públicos. O contrato refere apenas que as diligências serão tomadas ao longo de 2024.

Porém, mais grave ainda é a justificação para a opção pelo ajuste directo, com a qual a Cuetrecasas vai ‘sacar’ ao erário público quase 2,8 milhões de euros sem sequer necessitar provar ser a melhor ou apresentar a mais favorável relação qualidade-preço em concurso público. De acordo com o contrato escrito, para a aquisição sem concurso público do patrocínio judiciário à Cuatrecasas no âmbito do diferendo arbitral, a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças invocou uma excepção que permite ajustes directos em caso em que “não exista concorrência por motivos técnicos”.

Ou seja, ignorando-se o método do Ministério das Finanças para apurar a inexistência de concorrência por motivos técnicos – o PÁGINA UM não obteve quaisquer resposta aos pedidos de esclarecimentos feitos pelo gabinete de Fernando Medina –, a invocação desta norma significa que, de entre as 1252 sociedades inscritas na Ordem dos Advogados, das quais 749 no Conselho Regional de Lisboa e 371 no Porto, não havia mais nenhuma, a não ser a Cuatrecasas, com capacidade técnica e jurídica para defender o Estado português. Na verdade, talvez houvesse mais outra: a PLMLJ, mas essa terá sido a escolhida pelos fundos das Maurícias para o dirimir o diferendo que surge ao abrigo de um acordo bilateral sobre promoção e protecção recíproca de investimentos. E portanto, não poderia ser uma escolha.

Além de ser temerário passar ‘atestados de incompetência’ a 1250 sociedades de advogados a trabalharem em território português (excluindo-se, assim, a escolhida, a Cuatrecasas, e a que defende os fundos, a PLMJ), o contrato celebrado pelo Ministério das Finanças acaba por cometer uma incongruência, que faz ruir toda a tese da alegada inexistência de concorrência por motivos técnicos.

Com efeito, na cláusula 10ª do contrato – onde não sequer é possível apurar a formação do preço contratual, incluindo os honorários por hora – coloca-se a possibilidade de a Cuatrecasas poder “recorrer à subcontratação de serviços a prestar por terceiro, desde que obtenha para tal autorização prévia” do Ministério das Finanças.

E indica-se depois, na cláusula 11º, uma longa lista de critérios de orientação das subcontratações a serem feitas, denunciando assim que as partes (Cuatrecasas e Ministério das Finanças) assumiam a incapacidade daquela sociedade de advogados em desenvolver sozinha todas as tarefas contratuais, necessitando de ajuda especializada de outras sociedades ou de outros advogados. Portanto, o próprio contrato mostra que, na verdade, haverá outras sociedades de advogados com mais experiência (isoladas ou em consórcio), de contrário não ficaria expressa a possibilidade de subcontratação. Em suma, o próprio contrato denuncia que a Cuatrecasas é uma espécie de ‘empreiteiro’ que só consegue construir um ‘edifício’ para o qual receberá quase 2,8 milhões de euros, se subcontratar ‘pedreiros’ a outras empresas – mas, no entanto, receberá os 2,8 milhões de euros de ajuste directo por alegadamente ser a única capaz de construir o tal ‘edifício’.

Saliente-se que tem sido interpretação do Tribunal de Contas que a opção pelo ajuste direto, por razões técnicas, só é admitida quando no mercado apenas exista ou se mostre habilitada uma empresa ou entidade capaz de executar o contrato, o que não aparenta nada ser o caso do contrato de ‘mão beijada’ ganho pela Cuatrecasas por intercessão do ministro Fernando Medina.

Não tendo sido ainda possível apurar qual será a decisão do Tribunal de Contas sobre este caso em concreto, certo é que já ocorreram várias situações de recusa de visto quando se invoca indevidamente a ausência de concorrência por motivos técnicos.

Por exemplo, um contrato de seguros da Infraestruturas de Portugal celebrado em Abril de 2021 por ajuste directo à Fidelidade, no valor de quase 3,3 milhões de euros, foi considerado nulo pelo Tribunal de Contas, uma vez que o argumento “carec[ia] de fundamento legal”. O Tribunal de Contas concluiu que a Infraestruturas de Portugal – a entidade pública que mais ajustes directos celebra –, deveria […] ter lançado mão de um procedimento de concurso público, com publicidade internacional, que desse plena aplicação aos princípios gerais da contratação pública, designadamente ao princípio da concorrência”.

Recorde-se que a contratação de sociedades de advogados por ajuste directo, alegando ausência de concorrência, tem sido uma prática sistemática por diversas entidades, com o Banco de Portugal à cabeça, mesmo quando os montantes ultrapassam a fasquia de um milhão de euros. As sociedades de advogados Cuatrecasas e a Vieira de Almeida  são as principais beneficiadas num clima de completo desrespeito pela transparência, pelas leis da concorrência e pela gestão adequada dos dinheiros públicos.

O contrato entre a Secretaria-Geral do Ministério das Finanças e a Cuatrecasas integra o Boletim P1 da Contratação Pública e Ajustes Directos que agrega os contratos divulgados no 5 de Fevereiro de 2024. Desde Setembro de 2023, o PÁGINA UM apresenta uma análise diária aos contratos publicados no dia anterior (independentemente da data da assinatura) no Portal Base. De segunda a sexta-feira, o PÁGINA UM faz uma leitura do Portal Base para revelar os principais contratos públicos, destacando sobretudo aqueles que foram assumidos por ajuste directo.

Fonte: PÁGINA UM

 

 

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