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Massano: O Museu da Pilhagem no BNA

26-10-2018 - Rafael Marques de Morais

Quem visita o Museu da Moeda, do Banco Nacional de Angola (BNA), está longe de imaginar que aquela estrutura simples, de um piso subterrâneo, custou cerca de 64.5 milhões de dólares. De forma resumida, o museu em si é uma pequena sala de exposição permanente e um corredor de entrada também usado para exposições temporárias. Há ainda um anfiteatro de 209 lugares, um espaço de estacionamento com cerca de 10 lugares, a área administrativa e a sala de máquinas (bombas de drenagem de águas e equipamentos afins).

Inaugurado por José Eduardo dos Santos em 2016, o museu tinha um custo inicial de pouco mais de 10 milhões de dólares aquando da sua projecção, em 2012.

Maka Angola  investiga o “salto” do orçamento em mais 54.5 milhões de dólares, para além de mais de 16.2 milhões de dólares em apetrechos.

Um ex-assessor presidencial revela que José Eduardo dos Santos terá exonerado José de Lima Massano a 20 de Janeiro de 2015, quando soube da sobrefacturação estratosférica da obra. O museu foi entregue, pronto, um mês depois. Mas o então presidente resistiu a inaugurá-lo por um ano, escandalizado com os gastos. No acto de inauguração, Dos Santos terá instruído o banco para que reapetrechasse o museu, de modo a ultrapassar a “pouca vergonha” do que lá estava exposto, bem como para que implementasse um programa rigoroso de manutenção.

Condições criadas

A sobrefacturação começa assim:

Em 12 de Julho de 2012, o então e actual governador do BNA, José de Lima Massano, assina um contrato com a empresa FCL.AO – Arquitectos Associados S.A para a elaboração do projecto arquitectónico de construção do museu. A FCL.AO, liderada pelos irmãos arquitectos Alexandre e António Falcão Costa Lopes, cobra 460 mil dólares de honorários, equivalentes a 4,5 por cento do valor estimado da obra: 10 milhões e 195 mil dólares. Inicialmente, o projecto define a área bruta de construção em 2 615 metros quadrados.

Passados dois meses, a 28 de Setembro, por Despacho nº 137/2012, o governador do BNA cria a “Estrutura de Governação do Projecto Museu da Moeda”, com 11 funcionários divididos em quatro grupos, sob coordenação do administrador Victor Manuel da Costa e Silva, tendo como adjunto Filomeno Emmanuel Rodrigues Fialho da Costa.

Oito meses depois, a 23 de Março de 2013, José de Lima Massano lança oficialmente a primeira pedra para a construção do museu. Primeiro a pedra, depois o contrato.

Passadas três semanas, a 11 de Abril de 2013, o governador assina o contrato de construção do museu com o consórcio formado pelas empresas Griner, Somague e Tecnasol. Nessa altura, o valor da obra é de 1 383 899 205 kwanzas (equivalente a 14,4 milhões de dólares ao câmbio oficial do dia), para “escavação, contenção periférica e fundações” do museu.

O custo das alterações

Estranhamente, depois da assinatura do contrato, o projecto inicial sofre a alteração da área bruta de construção para 4 350 metros quadrados, um aumento de 66,35 por cento. Com este aumento, em finais de 2013, o valor do projecto dispara para 28 milhões de dólares, conforme informações em posse deste portal. No site de Costa Lopes dá-se por definitiva a área de construção em 4 794 metros quadrados.

Descontente, a FCL.AO (actualmente A. Costa Lopes – Arquitectos S.A.) reclama ao BNA o reajustamento do seu pagamento para um milhão e 280 mil dólares, equivalentes a 4,5 por cento do novo valor total da obra. Mostrando-se generosa, a FCL.AO procede a um desconto de 340 mil dólares, exigindo apenas um total de 940 mil dólares, conforme memorando datado de 27 de Dezembro de 2013, assinado por Filomeno Emanuel Rodrigues Fialho da Costa, consultor de Massano.

O arquitecto Filomeno Fialho é quem, regra geral, coordena as obras do BNA, apesar de estas serem da competência específica do Departamento de Património e Serviços.

A “generosidade” tem razão de ser. Costa Lopes é, literalmente, o arquitecto do regime de José Eduardo dos Santos. É ele quem assina os projectos arquitectónicos da Marginal da Baía de Luanda, de vários edifícios na Baía de Luanda, investimentos imobiliários do Banco Atlântico (hoje Millenium Atlântico), etc. Pode dar-se ao luxo de descontar uns dólares.

Dos projectos de Costa Lopes há um que chama a atenção, em termos comparativos. Trata-se do Edifício sede do BESA (hoje Banco Económico), que tem 33 pisos, incluindo cinco subterrâneos, e um custo oficial de 81 milhões de euros, para uma área de 48 000 metros quadrados.

E depois?

Portanto, as fases

Ora bem, a 14 de Abril de 2014, José de Lima Massano assina um novo contrato “de construção do edifício do Museu da Moeda – estrutura e especialidade”. Fá-lo com a Griner e a Somague, representadas respectivamente por Francisco Dantas Pinto e Luís da Silva Gonçalves. Desta feita, o contrato é para “a realização de estrutura e acabamentos”, no valor de 1 335 671 969 kwanzas (equivalente a 13,6 milhões de dólares ao câmbio oficial do dia). É a terceira fase.

Portanto, como escreveria Pepetela, com mais este contrato a obra do museu já galga os 41,6 milhões de dólares.

Mas Massano gosta de contratos com a Griner e a Somague e mandata o administrador Victor Manuel da Costa e Silva para assinar mais um com o consórcio. Trata-se do contrato para a quarta fase de construção deste extraordinário museu, assinado a 4 de Novembro de 2014. É a fase designada “arquitectura e acabamentos”, com um valor 1 675 901 310 kwanzas (equivalente a 16,7 milhões de dólares ao câmbio oficial do dia).

Portanto, aqui o valor já vai em 58,3 milhões de dólares.

Mas esperem… Ainda falta a quinta fase!

Lá vão mais 511 milhões de kwanzas (equivalente a 4,6 milhões de dólares ao câmbio oficial do dia) para a Griner/Somague, destinados à “alteração, estruturas e instalações especiais”.

Desta vez, Massano já está de volta no Banco Angolano de Investimentos (BAI), como presidente da sua comissão executiva, de onde saíra em 2010, do mesmo cargo, para exercer a função de governador do BNA.

Aqui abrimos um parêntesis. A Griner é uma empresa de construção civil detida maioritariamente pelo BAI. Nessa altura, Massano também é sócio do BAI, com 2 por cento do capital. Os sócios maioritários do BAI são José Carlos de Castro Paiva, que controla 18,5 por cento do capital, seguido por Manuel Vicente, com 8,6 por cento, e a Sonangol, com 8,5 por cento. Grande parte das acções de José Carlos Paiva, ex-director da Sonangol Londres, e de Manuel Vicente pertencia inicialmente à Sonangol, conforme o Maka Angola investigou.

Quem assina o contrato da quinta fase é já o governador José Pedro de Morais, nomeado no mesmo dia em que Massano foi exonerado “a seu pedido”. Morais nem se preocupa com o dia exacto da assinatura do contrato, indicando apenas “Maio de 2015”. Ora, meses antes, em Fevereiro de 2015, a obra já estava concluída.

José Pedro de Morais também assina o contrato com a Africonsult, no valor de 137 152 697 kwanzas (equivalente a 1,2 milhões de dólares ao câmbio oficial do dia) para a fiscalização das fases três, quatro e cinco de construção do museu. Que museu!

Ora, a terceira fase foi um ano antes de José Pedro de Morais ter tomado posse. Para que não se note o descaso total com as aparências nesta negociata, José Pedro de Morais assina apenas o contrato indicando o ano de 2015. O dia e o mês do contrato são deixados propositadamente em branco. Pela Africonsult, assina o seu director-geral Fernando Álvaro C. Leal Machado.

No primeiro contrato com a Africonsult, de 18 de Abril de 2013, Massano e Leal Machado acordaram um valor arredondado de 50 milhões de kwanzas (equivalente a 468 mil dólares ao câmbio oficial do dia) para a fiscalização da obra.

Totalizando, a obra do pequeno e subterrâneo museu já ultrapassa os 64,5 milhões de dólares.

O apetrecho do museu

É chegada a hora de contabilizar a provisão do acervo museológico, as peças do museu.

A 8 de Agosto de 2014, José de Lima Massano mandata o administrador Víctor Manuel da Costa e Silva para celebrar três contratos com a empresa ComCultura Lda. para: consultoria museológica e museográfica, financiamento e licenciamento de software Index Rerum e, finalmente, para o “fornecimento de soluções multimídia, interactivas e expositivas e conteúdos interpretativos e museológicos e de prestação de serviços”.

No referido mandato, Massano ordena, no terceiro ponto, que o BNA efectue o pagamento referente a 90 por cento do valor global do contrato “com a apresentação do documento único”. Ou seja, a ComCultura recebe praticamente o dinheiro todo apenas com a assinatura do contrato. Os restantes 10 por cento são para liquidar após a conclusão dos trabalhos.

Os contratos são assinados pelo mandatado no mesmo dia, a 8 de Agosto de 2014. E, ao contrário do que a lei determina, não há qualquer concurso público.

A empresa encarregada de apetrechar o museu, a ComCultura, foi estabelecida a 13 de Março de 2013, por Joaquim Duarte José Gomes e António Manuel Plácido Canhão Veloso, ambos com quotas iguais e que solidariamente assinam os contratos como sócios-gerentes.

Nessa altura, Joaquim Gomes é o director do Gabinete de Estudos, Planeamento e Estatística do Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural. Conhecido como o “ministro-sombra” do referido ministério durante mais de 20 anos, Joaquim Gomes vai exercer também a função de director-adjunto da Fundação Eduardo dos Santos (FESA) para a  área de estudos e projectos.

O valor total dos contratos entre o BNA e a ComCultura atingem 869 milhões de kwanzas (8,8 milhões de dólares).

Agora é a “fase” de José Pedro de Morais contratar também sobre o apetrechamento. Como acima demonstrado, este governador não gosta de contratos com datas precisas. Com o espaço do dia em branco, José Pedro de Morais e os sócios gerentes da ComCultura, Joaquim Gomes e António Veloso, assinam um novo contrato datado apenas Abril de 2015. O valor do contrato é de 358 milhões e 834 mil kwanzas (equivalente a quatro milhões de dólares ao câmbio oficial do dia). A soma total do apetrechamento atinge os 12.8 milhões de dólares.

É a vez de Miroslav Petrovic, antigo embaixador da ex-Jugoslávia em Angola, também conhecido pela sua amizade com José Pedro de Morais.

Como procedimento habitual, José Pedro de Morais despacha um documento sem precisar o dia. Em Fevereiro de 2016, mandata o então administrador António Ramos da Cruz para assinar um contrato de um ano com Miroslav Petrovic, para o “fornecimento de moedas metálicas e notas de 192 países membros das Nações Unidas”.

A moeda nacional, o Kwanza, exposta no museu.

De Morais, sublinha que “o valor do contrato é pago mensalmente, mediante a apresentação de facturas correspondentes ao fornecimento de moedas”. Não há um tecto e são 192 país para facturar!

Este governador especifica também que o BNA pagará ao contratado pelas moedas e notas fornecidas “o valor igual ao contravalor das moedas e notas acrescido do referido valor”. Por exemplo, se Miroslav cobrar 10 mil dólares por uma moeda cara do Butão ou de Tonga, o BNA paga-lhe esse valor e mais três mil de comissão.

Ramos da Cruz aumenta o valor da comissão de 30 para 40 por cento, um mês depois, na assinatura do contrato.

“O valor global do contrato para o fornecimento das moedas e notas é igual ao contravalor em moeda nacional das moedas e notas acrescido de 40%, como compensação pelos serviços da contratada”, pagos em kwanzas “ao câmbio oficial do dia em vigor”, estipula o contrato.

Adiante, o contrato inclui o pagamento de cinco viagens ao Brasil, Dubai, França, Rússia e Singapura, incluindo passagens aéreas, estadia, alimentação e transporte local.

O contrato é de tal forma opaco, que não é possível contabilizar o seu custo real.
O contrato é assinado a 7 de Março de 2016, entre Ramos e Petrovic.

No total, a construção e o apetrechamento do museu têm um custo de 77,3 milhões de dólares.

Finalmente, a fase do “Arcebispo”

A 20 de Abril, por incumbência do novo governador, Valter Filipe da Silva, a administração do BNA assina um contrato com a I3C Limitada, do ex-assessor presidencial Francisco Simão Helena. Este serve para a “concepção, desenvolvimento e fornecimento” de soluções multimídia, equipamentos, instalação de soluções expositivas interactivas e multimídia. O seu valor é de 358,8 milhões de kwanzas (equivalente a 3.4 milhões de dólares ao câmbio oficial do dia).

Feita nova soma, o valor global de construção e apetrechamento duplicado do museu já vai em 80,7 milhões de dólares.

Com a inauguração do museu, a manutenção da instituição passa a ser a “manjedoura”.

A 24 de Abril de 2017, Valter Filipe da Silva, também conhecido como o “Arcebispo”, dá o aval para a assinatura de um contrato com a empresa Projem – Prestação de Serviços de Limpeza S.A, no valor de 420 milhões de kwanzas por ano (equivalente a 2,5 milhões de dólares ao câmbio oficial do dia).

O Contrato serve para “a prestação de serviços de limpeza técnica-industrial e museulógica, higienização especializada, fornecimento de consumíveis e jardinagem das instalações” do museu. O contrato é assinado no dia seguinte entre o BNA e a Projem Empreendimento e Participações. Tanto na primeira como na segunda variante desta empresa, a presidente do conselho de administração é Luzia Isabel A. Ferreira.

Nessa altura, o presidente da Assembleia Geral da Projem, Oliveira Guilherme, é cumulativamente director de gabinete do então Chefe do Serviço de Inteligência Externa (SIE), general André Sango.

No mesmo dia, 24 de Abril de 2017, Valter Filipe mandata a sua administração a assinar contrato com a Empresa P & W Imóveis – Gestão Imobiliária e Prestação de Serviços Lda., para a prestação de “serviços de manutenção preventiva e correctiva nos sistemas e equipamentos de segurança contra incêndios, instalações hidráulicas e elementos estruturais e constituintes do edifício do Museu da Moeda”, no valor anual de 565.802,712 milhões de kwanzas (equivalente a 3,4 milhões de dólares ao câmbio oficial do dia). Esse valor dá para construir e apetrechar uma unidade de bombeiros, que tanta falta faz em Luanda.

A P & W é uma empresa com fortes ligações a Frederico Cardoso, na altura secretário do Conselho de Ministros e actualmente ministro de Estado e chefe da Casa Civil do PR. Assinam o contrato, como gerentes da P & W, Pedro Walter Macedo Neto e Pedro A. de Melo Caldeira.

Portanto, os dois contratos de manutenção do Museu da Moeda custam aos cofres do BNA quase seis milhões de dólares por ano.

Conclusão

Temos um museu com um custo de mais de 80 milhões de dólares e uma manutenção anual de seis milhões de dólares. Pelo seu valor, este é certamente um verdadeiro museu da corrupção e da falta de vergonha em Angola. Este museu é um monumento à pilhagem no país. É o museu da pilhagem.

Fontes do BNA lamentam que a ideia inicial de construção do museu no Talatona tenha sido abandonada, por conta de um esquema do antigo governador Amadeu Maurício que se assenhorou do terreno.
Esse lamento assenta no receio de que tarde ou cedo o museu venha a ser inundado, por se encontrar junto e abaixo do nível do mar, apesar do sistema de bombagem e drenagem de água e resíduos aí instalados. Durante a construção, uma parte da laje havia desabado no acto de betonagem. De acordo com informação verificada por  Maka Angola , as empresas nunca deram uma justificação convincente sobre o sucedido, remendaram a situação e o BNA abafou o caso. Especialistas referem que tal problema levanta dúvidas sobre a solidez da estrutura e a sua durabilidade.

As mesmas fontes criticam também a pobreza do acervo criado pela ComCultura, sobretudo as soluções tecnológicas, muitas das quais não funcionam até hoje.

“Tivemos de forçar a inclusão da figura de um escravo no acervo, como moeda de troca, porque os consultores portugueses pretendiam ignorar esse lado da nossa história, como se não tivesse havido comércio de escravos”, desabafa uma das fontes.

Com os valores aqui apresentados, basta olhar para a exposição permanente e ver a grande aldrabice que é.

Segundo um ex-assessor presidencial, José Eduardo dos Santos manifestou-se chocado quando soube o valor final da obra, recusando-se a inaugurar a obra por mais de um ano. De acordo com o ex-assessor, este caso, entre outros, foi a gota de água que levou à demissão de Massano. Porque o governador do BNA tem um mandato de cinco anos. Regra geral, os mesmos são demitidos “a seu pedido”. Foi assim com Massano, José Pedro de Morais e Valter Filipe. Foram todos exonerados “a seu pedido”, com ou sem pedido.

Convidamos os leitores residentes ou de passagem por Luanda a visitarem o museu, no largo do BNA, para verem com os próprios olhos o valor da corrupção e do esbanjamento e manifestarem a vossa indignação.

O que não se compreende é que o actual presidente, um “combatente contra a corrupção”, tenha repescado José de Lima Massano para ser novamente governador do BNA. Como pode ter ido buscar uma velha raposa para guardar o “galinheiro” do povo, que é o Banco Nacional de Angola? O que significa isso para a luta contra a corrupção? Qual é o plano?

Fonte: Maka Angola

 

 

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