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A Verdade é o Crime de Rafael Marques

22-06-2018 - Paulo Zua

Quem ouviu e leu as alegações produzidas por Pedro Pederneira, procurador do Ministério Público (MP), e a acusação particular no caso que está a correr no Tribunal de Luanda contra Rafael Marques e Mariano Brás – e sabe o que se passou nesse julgamento –, só pode achar que está a sucumbir a uma qualquer alucinação febril.

Por isso, tendo em conta os vários relatos das audiências produzidos por observadores e entidades objectivas, há que apresentar com imparcialidade os factos demonstrados em julgamento, e desmontar a máquina de propaganda de João Maria de Sousa, o ex-procurador-geral que, a julgar pela atitude do MP, parece que ainda ocupa essa função.

Das várias sessões do julgamento de Rafael Marques, públicas e à porta fechada, resultam comprovados dois factos essenciais, que têm de ser claramente enunciados:

João Maria de Sousa, à época efectivamente procurador-geral da República, adquiriu a concessão de um terreno de três hectares, onde pretendia construir um condomínio. Este facto foi provado por documentos e testemunhas oficiais. O ofendido gabou-se em tribunal de não ter pagado um kwanza pelo título de concessão do direito de superfície que assinou.

Todo o processo de obtenção deste terreno está eivado de ilegalidades. Não só uma ou duas, mas sim inúmeras. Para o documentar, basta confrontar o procedimento administrativo formal com a lei, e ouvir as várias autoridades públicas que testemunharam.

Assentes estes factos, facilmente se percebe o interesse público que a divulgação de tais informações comporta. Um PGR em exercício de funções não pode exercer actividades comerciais, como sejam a compra para construção e a venda de condomínios. Este tipo de actividade está-lhe vedado pela Constituição e pela lei.

Acresce que a ilegalidade plena do procedimento administrativo devia ser do conhecimento de João Maria de Sousa. É evidente que o principal garante da legalidade do país não pode ter um processo pessoal cheio de ilegalidades e manter-se alheado desse facto, beneficiando dessas ilegalidades para proveito próprio.

O dever do PGR seria corrigir o que estava errado, e exigir que um processo em torno da sua pessoa fosse exemplar no que diz respeito ao cumprimento da lei.

Vamos agora aos pormenores técnicos – talvez macem um pouco o leitor, mas são importantes para uma discussão eficaz do assunto no espaço público.

Vejamos os crimes, um por um.

Ultraje a órgão de soberania, crime contra a segurança de Estado

A acusação refere o crime de “ultraje a órgão de soberania”, o tal crime “contra a segurança de Estado”. Um esclarecimento prévio: não foi produzida qualquer prova neste julgamento sobre o tema. Nada. Ora, a chave deste artigo está na expressão “maldosamente”. Não basta ter a intenção de ultrajar ou fazê-lo. É necessário que essa intenção seja “maldosa”.

Isto quer dizer que Rafael Marques saberia que as suas afirmações eram falsas, mas mesmo assim enunciou-as, de forma cruel, desumana ou propositadamente deturpada.

A verdade, contudo, é que não existe qualquer deturpação propositada quando se escreve que José Eduardo dos Santos protegia os corruptos. Quem em Angola, em sã consciência, duvida dessa afirmação?

Nem sequer o Ministério Público produziu qualquer prova, durante o julgamento, de que tenha havido maldade em dizer a verdade. Repetimos: a verdade é que José Eduardo dos Santos protegia os corruptos.

Nas três páginas da acusação, não se verifica uma única vez a imputação de “ultraje maldoso” a Rafael Marques. De facto, na p. 345, a acusação refere “[o presidente da República, José Eduardo dos Santos] foi tratado de modo ultrajante pelos arguidos”. Ora, “modo ultrajante” não é igual a modo “maldosamente ultrajante”. A própria acusação retira o qualificativo “maldoso”. Ao fazê-lo, está automaticamente a afastar a aplicação da norma criminal. Não há maldade, não há crime.

Injúria contra as autoridades públicas

O segundo crime de que Rafael Marques é acusado pelo Ministério Público é o de “injúrias contra as autoridades públicas”, nos termos do artigo 181.º do Código Penal, por ter escrito a verdade sobre o aludido terreno. Todas as testemunhas governamentais do Kwanza-Sul comprovaram em tribunal a autenticidade do título de concessão de superfície em nome de João Maria de Sousa, incluindo o próprio. Mas parece que, segundo a lógica do Ministério Público, quem fala a verdade merece castigo, ao passo que quem procede à margem da lei permanece impune.

Mesmo assim, para existir o crime enquadrado pelo artigo 181.º do CP, este tem de ter sido cometido “na presença” do ofendido. Ora, não é foi o que aconteceu aqui. A acção alegadamente delituosa não foi cometida “na presença” do ofendido. E, assim sendo, não há crime.

Em momento algum, na acusação, o Ministério Público faz referência à Lei de Imprensa. Nem sequer o fez durante o julgamento. No Direito Penal tem de estar precisamente identificado na acusação aquilo de que se é acusado. É o princípio da tipicidade. Portanto, se o MP não referiu “online” na acusação, então não pode entrar “pela porta do cavalo”.

A norma incriminadora é a do artigo 181.º do CP, e não qualquer norma da Lei de Imprensa. Em resumo, nem a Lei de Imprensa nem o Estatuto do Jornalista alteraram o Código Penal.

Conclusão

O que esta audiência de julgamento demonstrou foi a existência de um procedimento de concessão de terras para construção de um condomínio a um PGR em funções, estando todo o processo pleno de ilegalidades.

E, de acordo com a lógica do Ministério Público, sob a liderança do general Hélder Pitta Grós, quem fala a verdade merece condenação.

Se assim é, que se condene então Rafael Marques, porque o merece, já que denunciou um acto ilegal e óbvio de corrupção.

A leitura da sentença pela juíza Josina Ferreira Falcão está marcada para 6 de Julho próximo.

Fonte: Maka Angola

 

 

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