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Será a amnistia inconstitucional? O repatriamento de capitais e os erros de João Lourenço

02-03-2018 - Rui Verde

Uma amnistia não é uma coisa má. O conceito terá surgido na Antiga Grécia democrática, como forma de reintegrar aqueles que tivessem sido vítimas de regimes anteriores. Na Antiga Roma, impôs-se de forma mais alargada, com um significado de perdão e esquecimento.

Na realidade, a amnistia é um acto político muito relevante em situações de anormalidade, e o seu objectivo é perdoar e restabelecer a paz e a concórdia entre os cidadãos.

Nos tempos modernos, a amnistia foi muito importante para transições políticas bem- sucedidas, como a sul-africana pós-Apartheid ou a chilena pós-Pinochet.

E é evidente que, quando Angola confrontar, verdadeiramente, o seu futuro e se empenhar numa real transição política rumo à democracia e ao Estado de Direito, a amnistia desempenhará um papel preponderante.

Portanto, a amnistia é um instrumento de grande dignidade política, que deve ser usado em momentos sensíveis da história dos países.

Entra neste raciocínio a amnistia prometida pela legislação concebida por João Lourenço para o repatriamento de capitais.

Esta amnistia, em teoria, está em linha com as propostas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento, uma espécie de clube de países ricos. A OCDE, no seu documento “Update on Voluntary Disclosure Programmes: A pathway to tax compliance, 2015” (Actualização acerca dos Programas de Divulgação Voluntária: Um caminho para o pagamento de impostos, 2015), considera normal os países prometerem amnistias em troca da recuperação de valores monetários ou outros dos seus cidadãos, e defende que o façam.

Neste aspecto, a amnistia desenhada por João Lourenço não sai daquilo que é habitual acontecer. Se João Lourenço quer pôr fim à corrupção, ao branqueamento de capitais e à fuga ao fisco, pode começar por oferecer uma amnistia aos prevaricadores.

O problema da amnistia concedida por Lourenço resulta de outros dois aspectos:

  • Nenhuma amnistia relativa a questões de capital surge sem outras medidas concretas de cumprimento e coacção a acompanhá-la;
  • Não se vê qualquer movimento do Executivo para combater a corrupção, o branqueamento de capitais e a evasão fiscal.

 A OCDE, no documento acima mencionado, é clara na recomendação de que qualquer amnistia só faz sentido no quadro de um programa alargado e definido de recuperação de capitais.

Esse programa deve incluir medidas a que se pode coloquialmente chamar “de pau e cenoura”. De um lado, temos a “cenoura”, a amnistia, do outro o “pau”, as sanções e medidas activas para aqueles que não cumprem e que continuam a actuar com impunidade.

João Lourenço já conta com dois instrumentos internacionais de “primeira água” para coagir os prevaricadores angolanos e fazer regressar o seu dinheiro a Angola.

No Reino Unido, tem a   “Unexplained Wealth Order”  (UWO), um regulamento sobre a riqueza não explicada, que confere poderes acrescidos às autoridades para investigarem e “congelarem” os bens de cidadãos estrangeiros cuja origem não esteja esclarecida. Basta uma curta investigação e trabalho com as autoridades britânicas para se apanharem milhões (ou biliões) em bens e dinheiro angolano em Londres.

Basta que João Lourenço nomeie um emissário plenipotenciário para Londres, e o dinheiro angolano começará a aparecer e a retornar a Luanda.

Nos Estados Unidos, foi assinada recentemente pelo presidente Trump a Executive Order (um decreto executivo) 13818. Este decreto presidencial norte-americano estabelece que a violação dos direitos humanos e a corrupção em todo o mundo constituem uma ameaça incomum e extraordinária para a segurança nacional, a política externa e a economia dos Estados Unidos, sendo uma emergência nacional lidar com essa ameaça.   

E, por isso, Donald Trump determina que possam ser apreendidos todos os bens e interesses que estejam nos Estados Unidos e pertençam a pessoas envolvidas nas actividades supramencionadas.    

Também por aqui João Lourenço dispõe de meios para lidar com os dinheiros angolanos ilicitamente colocados nos Estados Unidos. 

Logo, uma vez que os meios já existem a nível internacional, basta Lourenço querer actuar. 

E aqui entramos no segundo problema que a amnistia levanta. Não se vê actuação nenhuma por parte de João Lourenço contra a corrupção. 

Há dois casos paradigmáticos: os alegados desvios de Isabel dos Santos da Sonangol, e os noticiados desencaminhamentos e abusos de Zenú dos Santos do Fundo Soberano. Um caso e outro foram amplamente divulgados na comunicação social, nacional e estrangeira. Sobre certas situações foram mesmo publicados documentos. 

Um executivo minimamente empenhado no combate aos desvios de fundos públicos anunciaria logo uma investigação criminal a ambos os casos. Ora, o que se vê é um mero silêncio, pura inactividade. 

Estes são os problemas que a amnistia coloca. A questão não é a amnistia propriamente dita, é a falta de enquadramento, de outras medidas e de processos judiciais. 

Uma amnistia só tem sentido se toda a envolvente mudar, se a corrupção e o desvio de dinheiro começarem a ser combatidos, e se o dinheiro começar a ser repatriado por meios coactivos. Só assim os eventuais prevaricadores perceberão que têm de cumprir as suas obrigações. 

A não acontecer, a não existirem sinais de combate contra os desvios, e de instauração de processos criminais, a amnistia não faz qualquer sentido, e é inconstitucional, pois viola o princípio da igualdade: sem qualquer compensação para a comunidade política e para a sociedade, está-se a dar um tratamento privilegiado aos abusadores. 

Resumindo, a amnistia proposta por João Lourenço justifica-se se acompanhada de outras medidas coactivas para incentivar o cumprimento das obrigações e pôr fim à corrupção e ao desvio de dinheiros públicos, além de processos criminais concretos e públicos.

Fonte: Maka Angola

 

 

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