Lourenço em Portugal: Pouco ou Nada
08-08-2025 - Rui Verde
Há cerca de um ano (por ocasião do 25 de Abril de 2024), João Lourenço esteve em Portugal e marcou pontos alcançado um grande sucesso com um jantar da comunidade angolana, em que todos, da situação e da oposição, brindaram em uníssono, revelando uma Angola unida e festiva.
Agora, um ano depois, em Julho, aconteceu exactamente o contrário em nova visita de João Lourenço a Portugal. Tentando um sucesso, arranjou-se um fiasco. Por alguma razão, resolveu-se promover uma série de manifestações “espontâneas” de apoio a João Lourenço, frente à Assembleia da República portuguesa e ao palácio presidencial em Belém. Correu mal. Os manifestantes apresentaram-se todos vestidos de forma igual, t-shirt , chapeuzinho e bandeirinha, percebendo-se claramente que lhes tinha sido distribuído um kit . Qualquer aparência de aglomeração espontânea e entusiasta despareceu. Ficou um travo de encenação, típica dos regimes autoritários do século XX.
Para piorar, André Ventura, líder do Chega, partido populista de extrema-direita português que nas últimas eleições se tornou a segunda maior força política em Portugal, e a quem o governo actual recorre cada vez mais para aguentar a sua minoria, não esteve com meias-palavras e denunciou o acto nas redes sociais, flagelando vivamente João Lourenço. E acabou por ser esse o grande evento da visita de Lourenço: a live de André Ventura.
É uma ironia da política moderna, que Ventura surja como o grande paladino das revoluções e libertações em Angola e Moçambique. Lembremo-nos que ainda recentemente apareceu nas redes sociais a promover uma recepção de quase chefe de Estado a Venâncio Mondlane, de Moçambique.
Doutrinalmente, é difícil entender que o partido anti-imigração em Portugal tenha uma postura pró-liberdade e pró-direitos fundamentais em Angola e Moçambique. Contudo, não é impossível. Poderá alegar que quer que Angola e Moçambique sejam países justos e livres, para que os seus cidadãos não tenham de fugir e imigrar para Portugal.
Esta atitude de Ventura pode contribuir para fragilizar os regimes em Angola e Moçambique. Basta que vá convencendo as várias extremas-direitas suas aliadas, designadamente em França e na Alemanha, para que os governos se sintam pressionados a mudar a actual atitude de apoio discreto às lideranças, o mesmo acontecendo em Portugal.
Se este acabou por ser o tema que, em termos mediáticos, se impôs na visita de Lourenço, não foi o único, havendo outros aspectos a realçar.
A comunicação social portuguesa esperava retirar algum proveito do desconforto africano com as novas tentativas da legislação portuguesa sobre os estrangeiros, mas não teve sucesso; o presidente da República português esvaziou o assunto com o rápido envio do tema para o Tribunal Constitucional, e João Lourenço não insistiu de maneira frontal.
Na verdade, a visita teve bastante pompa institucional, parecendo marcar um fim de ciclo, certamente o adeus de Marcelo Rebelo de Sousa, e talvez o de João Lourenço, que entra na fase final do seu mandato, agora com a preparação da festa de Novembro relativa aos 50 anos de independência e depois com a turbulência anunciada do processo de sucessão. Não lhe vai restar tempo para muito mais.
Marcelo Rebelo de Sousa é, ao nível do poder superior do Estado, o “último dos africanistas”, isto é, alguém que, além do afecto por África, tem uma visão estratégica de Portugal no continente africano. Toda a nova geração política que lhe sucede já não tem essa visão, adoptando uma postura meramente tecnocrática e virada para os negócios. Efectivamente, em termos políticos e económicos, Portugal vai perdendo África.
Basta ver a postura do primeiro-ministro português, Luís Montenegro, que apenas sabe anunciar o reforço da linha de crédito de Portugal a Angola. Trata-se de mais financiamento para empresas portuguesas que queiram investir em Angola. Aparentemente, a linha nunca se esgota, e Montenegro anuncia seus sucessivos reforços, sem que seja divulgada uma lista pública das empresas e projectos beneficiados. Algumas fontes referem que estes reforços são uma tentativa de engenharia financeira para resolver o problema das dívidas angolanas a empresas portuguesas. Dizem-nos que, embora apresentada como uma iniciativa de apoio ao investimento português no país africano, aparenta ser um expediente já conhecido: o Estado português cobre dívidas antigas do Estado angolano a empresas portuguesas, reembalando o gesto como novo investimento externo. Este mecanismo terá sido utilizado noutras ocasiões e surge, desta vez, como resposta indirecta aos apelos de empresários portugueses que pressionaram o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, antes da chegada de Lourenço, para que fossem resolvidas pendências financeiras crónicas. Não está confirmado que assim seja, mas também não há transparência no assunto.
O certo é que, como afirmou na sua recente entrevista a um canal de cabo português, talvez para surpresa de alguns, João Lourenço já não considera Portugal como a “porta de entrada” de Angola para a Europa. Já há muito tempo que assim é. Neste momento, segundo os dados mais recentes do Banco Nacional de Angola (BNA), o principal credor do Estado angolano é o Reino Unido, que ultrapassou a China. A diplomacia francesa e a espanhola estão claramente mais activas em Angola do que a portuguesa, e isso verifica-se em várias áreas, dos negócios à academia.
Quadro n.º 1 – Volume de negócios com Angola de Portugal, Espanha e França

Fontes: AICEP, Instituto Nacional de Estatística (Portugal), COSEC, Eurostat e relatórios económicos internacionais do FMI. Valores estimados com base em dados de 2024 disponibilizados até ao terceiro trimestre.
Em 2024, França liderou o volume de negócios com Angola, com cerca de 3700 milhões de euros resultantes de um forte fluxo bilateral de exportações e importações, consolidando-se como investidor e parceiro estratégico incontornável em Angola. Espanha seguiu com um volume total estimado em 1520 milhões de euros, beneficiando sobretudo das importações de petróleo angolano e reforçando o seu papel no comércio energético. Por sua vez, Portugal enfrentou uma queda assinalável nas exportações, registando apenas 753 milhões de euros entre Janeiro e Setembro – uma quebra de 23,4% face ao ano anterior. O volume total de negócios português, estimado em cerca de 1024 milhões de euros, evidencia uma perda de dinâmica comercial. Este declínio acentuado levanta questões sobre a competitividade das empresas portuguesas no mercado angolano e a eficácia das políticas de internacionalização, sobretudo num momento em que outros países europeus estão a fortalecer laços económicos e estratégicos com Angola.
Face a isto, os acordos assinados entre Portugal e Angola nesta visita equivalem a quase zero. Foram assinados 11 acordos de cooperação entre os dois países. Estes protocolos abrangem áreas como segurança, protecção civil, transportes, ensino superior, logística e investimento. Entre os documentos assinados, destacam-se o Programa de Cooperação Técnico-Policial e de Protecção Civil para o biénio 2025-2026, o acordo entre os Ministérios do Interior na área de bombeiros e segurança rodoviária, e diversos memorandos de entendimento no domínio das infra-estruturas de transporte, certificação logística, investigação de acidentes marítimos e cooperação académica com a Universidade Agostinho Neto.
Apesar da sua abrangência temática e do tom diplomático, estes acordos têm pouco ou nenhum impacto prático imediato. Na sua maioria, são memorandos de entendimento que não têm força vinculativa nem estipulam metas mensuráveis. Muitos repetem compromissos já assumidos em anos anteriores, com fraca execução e escassa fiscalização. O financiamento previsto é reduzido – por exemplo, o protocolo técnico-policial prevê apenas 81 mil euros –, o que limita fortemente o seu alcance e ambição. Acresce ainda a ausência de indicadores de desempenho, cronogramas e mecanismos públicos de monitorização. Por tudo isto, a recente viagem de Lourenço a Lisboa sabe a pouco e tem a nota de rodapé da entrada retumbante de André Ventura nos temas africanos.
Fonte: Maka Angola
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