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OS PERIGOS DA CONTRATAÇÃO SIMPLIFICADA

07-06-2024 - Rui Verde

O escândalo dos autocarros que levou Rafael Marques a dirigir uma carta aberta ao presidente da República é, também, um problema de falta de transparência do uso dos dinheiros públicos, para o qual muito contribui a utilização deficiente do Procedimento de Contratação Simplificada, como no caso dos autocarros.

O facto é que este procedimento está previsto na lei, mas tem uma natureza excepcional. Isto é, pode ser utilizado, mas apenas em determinadas circunstâncias muito estritas. De acordo com a lei, a decisão de recorrer ao Procedimento de Contratação Simplificada tem de ser bem fundamentada, de tal modo garanta total transparência, ao contrário do que se verifica no caso dos autocarros.

Quais são, então, as normas quanto ao fundamento e aos limites da utilização da contratação simplificada?

A Lei dos Contratos Públicos (LCC) é a Lei 41/20 de 23 de Dezembro. A contratação simplificada é um dos procedimentos de contratação pública em que a Entidade Pública Contratante convida uma pessoa singular ou colectiva para apresentar proposta. Quer isto dizer que se trata de uma decisão unilateral do Estado, em regra do presidente da República, que pode delegar poderes, em que este convida uma determinada entidade para apresentar proposta. É um contrato directo entre o presidente da República e uma entidade específica.

REGRAS PARA A CONTRATAÇÃO SIMPLIFICADA

A regra geral para a contratação simplificada está prevista no artigo 23.º, n.º 3 da LCC e dispõe que a escolha do Procedimento de Contratação Simplificada só permite a celebração de contratos de valor estimado igual ou inferior ao nível 1 da Tabela de Limites de Valores constante do Anexo I da LCC. Esse valor é de 18 000 000,00 Kz (dezoito milhões de kwanzas). Portanto, a regra geral dita que só contratos iguais ou abaixo dos dezoito milhões de kwanzas possam ser objecto de contratação simplificada.

No entanto, o Capítulo II da LCC, designadamente o seu artigo 26.º, alarga as possibilidades de contratação simplificada a determinadas situações acima do valor limite anteriormente fixado. A matéria é exaustivamente tratada nos artigos 27.º a 30.º da LCC.

O artigo 27.º admite a contratação simplificada, independentemente do valor do contrato, em situações em que, por motivos de aptidão técnica ou artística, ou relativos à protecção de direitos exclusivos ou de direitos de autor, o contrato só possa ser executado por um único empreiteiro, fornecedor ou prestador de serviços, consoante o caso. Por exemplo, se o Estado quiser contratar o Bonga para a Festa do Aniversário da Independência, só o Bonga é o Bonga, razão pela qual pode haver contratação simplificada do Bonga.

Outro motivo previsto na lei é quando em anterior processo concursal não tenham sido apresentadas propostas. Se ninguém aparece num concurso prévio, o presidente da República pode convidar uma pessoa ou entidade específica.

Igualmente, é possível a contratação simplificada em caso de cessação antecipada de contrato celebrado na sequência de um Procedimento de Contratação Pública, por razão imputável ao co-contratante, tendo ficado incompleta a execução do contrato. Neste caso, temos uma situação em que uma empresa ganha um concurso, mas não termina o trabalho. Para não repetir tudo e atrasar, a LCC permite a escolha de um contratante que garanta a finalização do trabalho.

Também é possível recorrer ao Procedimento de Contratação Simplificada quando se trate de contratos de empreitadas de obras públicas, prestação de serviços, aquisições ou locações de bens móveis a realizar ao abrigo de um Acordo-Quadro celebrado com apenas uma entidade.

Finalmente, o mesmo se aplica a casos de financiamento externo, quando, em decorrência de negociações, não seja possível promover procedimentos concorrenciais entre as várias empresas elegíveis e existam limitações impostas pela entidade financiadora quanto à entidade a contratar para a formação e execução de contratos comerciais. Por exemplo, se vai ser utilizada uma linha de crédito de um banco chinês e esse banco exige que seja contratada determinada empresa chinesa.

Como se vê, os limites para a utilização da Procedimento de Contratação Simplificada são muito estritos. A lei prevê apenas cinco situações. Destas, em três situações há um concurso prévio que por alguma razão falhou, ou existe um Acordo-Quadro; as outras duas são situações individualizáveis. Ou o Estado pretende contratar uma personalidade insubstituível, como o exemplo do Bonga, ou há uma exigência imposta pelo financiador. Não pode haver livre-arbítrio na decisão de utilizar o Procedimento de Contratação Simplificada, nem o titular do poder executivo tem ampla margem de escolha.

O artigo 28.º prevê a contratação simplificada para a formação de contratos de locação ou de aquisição de bens móveis e elenca apenas três situações em que isso é possível. O mesmo acontece em relação ao artigo 29.º, que prevê essa possibilidade em relação a aquisição de serviços. Finalmente, o artigo 30.º admite a escolha da contratação simplificada para contratos de empreitadas de obras públicas quando se trate de novas obras que consistam na repetição de obras similares objecto de contrato anteriormente celebrado com o mesmo empreiteiro, na sequência de um Concurso Público ou de um Concurso Limitado por Prévia Qualificação, desde que o contrato anterior tenha sido celebrado há menos de três anos e que a possibilidade de adopção de um Procedimento de Contratação Simplificada tenha sido indicada no anúncio ou no programa do concurso inicial.

Consequentemente, o que temos aqui são algumas possibilidades de realização de contratação simplificada acima do valor dos 18 milhões de kwanzas, que, todavia, estão sujeitas a limites muito concretos e objectivos, enumerados exaustivamente na lei, e em que na maior parte das vezes é preciso que tenha havido um concurso prévio.

A decisão de escolha do Procedimento de Contratação Pública a adoptar em concreto cabe ao órgão ao qual compete a contratação.

Assim, quando é um tema da competência do presidente da República, a decisão do procedimento de contratação é dele (artigo 33.º n.º 1 da LCC). No entanto, a decisão deve ser sempre bem fundamentada, quanto mais não seja através da remissão para estudos ou relatórios que tenham sido realizados para esse propósito (artigo 33.º, n.º 2 da LCC). Se não houver fundamentação, a decisão é inválida, podendo ser impugnada.

Os poucos Despachos Presidenciais acerca da contratação simplificada que analisámos (poderá haver outros) não contêm a fundamentação exigida por lei, nem remetem para relatórios. Em vez disso, limitam-se a enumerar os artigos da lei em que se sustentam – e, nessa medida, são inválidos.

ASPECTOS NEGATIVOS DA CONTRATAÇÃO SIMPLIFICADA

A pouca abertura jurídica à contratação simplificada tem dois fundamentos muito fortes: um constitucional, outro económico.

Do ponto de vista constitucional, a contratação simplificada é sempre uma violação do princípio da igualdade e da não-discriminação. Está-se a privilegiar uma empresa ou pessoa em detrimento de outra. Obviamente, tal deverá ser sempre evitado. A igualdade de tratamento das pessoas face ao Estado deve ser a regra, não o contrário.

Do ponto de vista económico, a contratação simplificada cria uma situação de monopólio e evita a concorrência. Ora, é a concorrência que traz inovação e baixa os preços. O monopólio acarreta preços mais altos e uma economia deficiente. Logo, ao promover monopólios, a contratação simplificada introduz obstáculos na economia, e fomenta preços mais altos.

Porque viola a igualdade, promove preços altos e trava o desenvolvimento, a contratação simplificada deve ser usada apenas em casos excepcionais, privilegiando-se a concorrência salutar.

Fonte: Maka Angola

 

 

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