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OS DESAFIOS DO SECTOR AGRO-PECUÁRIO EM ANGOLA

10-05-2024 - Grupo de Estudos Económicos (Maka Angola)

Angola é amplamente reconhecida como uma nação que depende significativamente da importação de bens alimentares, o que coloca desafios substanciais à sua economia. No ano de 2023, as importações de bens alimentares somaram US$ 2 mil milhões (13% do total importado), ficando atrás apenas da importação de combustível e de máquinas e equipamentos. Em especial, destacam-se a importação de arroz (600 mil toneladas), óleo de palma (200 mil m 3 ), coxas de frango (300 toneladas) e farinha de trigo (100 mil toneladas).  Essa dependência provoca dificuldades estruturais de financiamento do balanço de pagamentos, uma vez que impõe a necessidade de divisas para atender às necessidades básicas e urgentes da população. Também resulta em choques frequentes de inflação em momentos de turbulência e depreciação cambial, ou mesmo sobrecongestionamentos temporários dos fluxos logísticos. Indo além das questões económicas, essa situação gera insegurança alimentar.

A posição de Angola como importador de bens alimentares contrasta com suas condições promissoras para o desenvolvimento de um sector agro-pecuário diversificado, alicerçado numa combinação de recursos naturais abundantes e condições climáticas favoráveis. O país possui uma vasta extensão de terras aráveis, estimadas em cerca de 35 milhões de hectares, das quais apenas uma pequena fracção, cerca de 10%, é actualmente cultivada. Além disso, Angola beneficia de uma diversidade de biomas, que vão desde florestas tropicais húmidas no norte até matas de miombo na região central e áreas áridas ao sul. Há solos ricos e propícios à agricultura no país, especialmente nas áreas costeiras e nos planaltos centrais. A incidência de chuvas em muitas dessas regiões é favorável e suporta o cultivo de uma ampla gama de produtos agrícolas, de cereais a frutas e leguminosas.

No entanto, a produção agrícola do país ainda é diminuta, quando comparada com o tamanho de sua população. Do volume total de produção agrícola, que alcança cerca de 24,8 milhões de toneladas, destaca-se a produção de raízes e tubérculos (13 milhões de toneladas) e que ocupa 22% da área cultivada. A produção de frutas e culturas hortícolas contribui, respectivamente, com 6 milhões de toneladas e 2 milhões de toneladas. Mesmo ocupando 53% da área total plantada, a produção total de cereais em 2022 foi de apenas 3,2 milhões de toneladas, com o milho contribuindo com 97% dessa categoria. A produção de arroz, que compõe os hábitos alimentares das famílias angolanas, é inexpressiva, com cerca de 10 mil toneladas produzidas anualmente. Notoriamente, essa produção é insuficiente para sustentar uma população de mais de 30 milhões de habitantes e está muito aquém das potencialidades do país.

As razões do atraso

Certamente, este padrão tem raízes em dificuldades históricas, muitas delas relacionadas com o processo de independência e o conflito interno que assolou o país ao longo de décadas. Segundo dados da FAOSTAT, a produção  per capita  da agricultura em Angola caiu 60% entre 1974 e 1990. Essa trajectória só foi revertida de forma consistente a partir do início dos anos 2000, quando houve um processo de normalização dos fluxos logísticos no país, em parte devido aos programas de desminagem, que reabilitaram vias de acesso das sedes municipais às capitais provinciais e incrementaram o comércio rural. Porém, mesmo com esse crescimento, a produção de bens alimentares  per capita  jamais voltou a alcançar o patamar máximo observado no início da década de 1970 e, mais recentemente, vem declinando devido ao forte crescimento populacional do país.

Apesar dos esforços para avançar na agricultura em maior escala, com a incorporação de pacotes tecnológicos adoptados com sucesso noutras regiões do mundo, a agricultura e a pecuária angolanas são marcadas pelo predomínio de uma estrutura de agricultura familiar, com baixos níveis de produtividade.

Actualmente, a agricultura familiar é responsável por 91,5% da área total semeada e 82,5% da produção total do país. Domina, portanto, a cena agrícola de Angola. As famílias geralmente cultivam em pequenas parcelas, com uma média de apenas 2,17 hectares por cada, reflectindo um modelo de produção fragmentado e de pequena escala. Este cenário é marcado pelo uso limitado de insumos modernos, como fertilizantes e pesticidas. Além disso, a maior parte do cultivo, representando 66% da área, depende exclusivamente de métodos manuais, sem auxílio de tracção animal ou mecanização. De facto, apenas 6% da área cultivada beneficia de algum nível de mecanização, o que evidencia o predomínio das técnicas agrícolas tradicionais no país.

A produtividade agrícola em Angola é muitíssimo baixa devido a este predomínio das práticas tradicionais e à escassa adopção de tecnologias avançadas no sector. Tomando como exemplo a cultura do milho, que é predominantemente administrada por pequenos agricultores familiares, observa-se uma produtividade média de apenas 1120 kg por hectare em 2022(FAOSTAT). Este desempenho é substancialmente inferior aos padrões observados em potências agrícolas globais como os Estados Unidos e o Brasil, onde a produtividade supera  os 5000 kg por hectare. Além disso, Angola ainda fica atrás de seus vizinhos africanos em termos de eficiência produtiva: nações como a Zâmbia e a Etiópia registam produtividades de 2426 kg/ha e de 4000 kg/ha, respectivamente. Essa comparação demonstra que há uma significativa desfasagem tecnológica e de eficiência de Angola no cenário agrícola internacional.

No campo da pecuária, a produção é escassa, também divergindo da realidade de outros países da região. Angola possui um rebanho bovino de cerca de 3,5 milhões de cabeças, o que significa uma relação de 0,10 cabeças de bovinos por habitante. Outros países africanos possuem rebanhos bovinos muito superiores, como por exemplo a Etiópia (60 milhões), o Sudão (30 milhões) e a Tanzânia (25 milhões), todos com taxas de bovinos  per capita  acima de 0,40. Na África Austral, o Botswana, a Namíbia e a África do Sul possuem sectores pecuários bem desenvolvidos e orientados para a exportação. A produção de aves e suínos em Angola também é modesta, constrangida, entre outros factores, pela baixa disponibilidade de cereais para alimentação animal, além de questões de gestão e organização da cadeia produtiva.

O desenvolvimento do sector agro-pecuário claramente enfrenta desafios estruturais e institucionais profundos que impedem seu pleno desenvolvimento.

Entre esses desafios está a insegurança e a limitação no acesso às terras, que frequentemente desencorajam os investimentos a longo prazo e dificultam a expansão agrícola. A Lei de Terras de 2004 reconhece o direito à posse da terra por comunidades rurais e estabelece regras para a concessão de terras à iniciativa privada. A legislação especifica que os direitos sobre terras agrícolas se perdem se não houver uso efectivo ou produtivo dessas áreas por três anos consecutivos ou seis anos alternados. Contudo, apesar dessa regulamentação, numerosos indivíduos e empresas continuam a reter grandes extensões de terra sem desenvolvimento agrícola, ultrapassando os prazos estabelecidos. Por outro lado, a lei também assegura às famílias de comunidades rurais o direito de ocupar, possuir e usar terras comunitárias conforme práticas e costumes locais, desde que essas sejam empregadas produtivamente. No entanto, ainda há sérios obstáculos no processo de concessão e regularização fundiária, o que contribui para a expropriação de terras rurais comunitárias. Estas expropriações frequentemente ocorrem sem observar as garantias legais ou o respeito pelos direitos tradicionais das comunidades, evidenciando uma discrepância entre a legislação e a sua implementação prática, além de destacar a precariedade da burocracia estatal na gestão desses processos.

Além disso, os pequenos agricultores enfrentam uma séria falta de financiamento, o que limita a sua capacidade de comprar insumos e modernizar as suas práticas agrícolas.

As falhas estruturais no sistema de transporte e armazenagem de Angola e as barreiras de acesso a mercados – que não se limitam apenas às barreiras físicas – são factores críticos que exacerbam as altas taxas de perda de produção agrícola. Essa situação prejudica particularmente os pequenos produtores, que se vêem obrigados a depender de intermediários para comercializar as suas safras, resultando em margens de lucro reduzidas e limitando a capacidade de reinvestimento. A dificuldade de acesso ao financiamento agrava essa situação e coloca esses produtores numa posição ainda mais vulnerável. Frequentemente, eles acabam dependentes de empresas de grande porte financeiro, que ou adquirem as suas produções a preços muito baixos ou oferecem financiamentos da produção baseados em relações muito desfavoráveis de troca de insumos por produção, impondo condições que perpetuam a dependência e fragilizam ainda mais a sustentabilidade financeira dos agricultores.

Planos de desenvolvimento

Como é característico do processo de desenvolvimento angolano, ao longo do tempo foram elaborados diversos planos e programas para a reabilitação e expansão da produção agro-pecuária no país, alguns deles realizados conjuntamente e financiados por entidades multilaterais. Alguns exemplos:

  • O Plano Nacional Director de Irrigação de Angola (PLANIRRIGA), do início dos anos 2010, que foi uma iniciativa focada no desenvolvimento sustentável da agricultura irrigada no país;
  • O Plano de Desenvolvimento de Médio Prazo do Sector Agrário de Angola para o período 2018-2022, criado em 2017, tinha como objectivo melhorar o sector agrário através de melhorias na produtividade, tecnologia e gestão sustentável dos recursos agrícolas;
  • A Estratégia Nacional de Desenvolvimento do Arroz (ENDA), criada em 2018, visava aumentar a produção nacional de arroz, reduzir a dependência de importações e melhorar a segurança alimentar no país;
  • O Projecto de Desenvolvimento da Agricultura Comercial (PDAC), lançado em 2018 com o apoio do Banco Mundial e da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), busca promover o desenvolvimento agrícola com foco no aumento da competitividade e da capacidade de produção comercial no sector agrícola angolano.

Os planos mais recentes formulados pelo governo são o Plano Nacional de Fomento para a Produção de Grãos (PLANAGRÃO) e o Plano Nacional de Fomento para o Desenvolvimento da Pecuária (PLANAPECUÁRIA), ambos lançados em 2022.

O PLANAGRÃO centra-se no aumento significativo da produção de grãos, como trigo, arroz, soja e milho. Lançado com o objectivo de duplicar a produção actual de grãos do país para mais de seis milhões de toneladas anuais até 2027, também busca aumentar a taxa de produtividade agrícola para grãos de cereais e para leguminosas. Está ancorado em investimentos substanciais tanto do sector público como do privado, tendo o governo proposto alocar recursos significativos para infra-estruturas, incluindo a delimitação e preparação de dois milhões de hectares para a agricultura.

Já o PLANAPECUÁRIA destina-se a fomentar e desenvolver a produção pecuária e visa também aumentar significativamente a produção de carne, leite e ovos no país a partir de um conjunto de acções, como a instalação de fábricas para produzir medicamentos veterinários, a aquisição de matrizes para melhorar a reprodução animal, a construção de parques de confinamento para gerir problemas de pastagens, a protecção do gado contra doenças e o apoio logístico para melhorar o armazenamento e o abate. Também apresenta metas ambiciosas de aumento da produção, especialmente de aves e suínos, cujas produções seriam multiplicadas por cerca de 5 a 7 vezes, respectivamente, entre 2022 e 2027.

Entretanto, estas iniciativas são pouco visíveis para o público, que assim desconhece as acções que efectivamente estão a ser implementadas e as perspectivas de sucesso desses planos.

Diante deste cenário, é crucial destacar os riscos associados à continuidade das falhas no desenvolvimento do sector agro-pecuário de Angola. Uma nova perda de oportunidade em estabelecer uma estrutura agrícola robusta e diversificada pode perpetuar a dependência das importações alimentares, exacerbando a vulnerabilidade económica e alimentar em face de choques externos. Caso os planos em curso não sejam eficazmente implementados, Angola será deixada à margem do progresso agrícola observado noutras nações, comprometendo-se o potencial de crescimento económico e de melhoria do bem-estar da população rural e urbana.

O que fazer?

Neste contexto, torna-se imperativo criar elos fortes nas cadeias de valor do agro-negócio. A implementação eficaz de uma política agrícola que integre todas as etapas da cadeia, desde a produção até ao mercado, é essencial para garantir a sustentabilidade e a competitividade do sector. O Estado deve assumir seu papel não apenas como coordenador das políticas necessárias para a atracção maciça de capitais à cadeia de valor agro-pecuária, mas também como facilitador activo no direccionamento desses investimentos.

A par da atracção consistente de grandes investimentos agrícolas e agro-industriais, a modernização da agricultura familiar é vital para aumentar a produtividade e a qualidade dos produtos agrícolas. A implementação de programas que promovam o acesso a pacotes tecnológicos básicos,  a informação e a formação são essenciais para transformar esta parcela significativa do sector agrícola numa força produtiva mais eficiente e dinâmica. Vale a pena lembrar os ensinamentos singelos, porém poderosos, de Theodore Schultz, economista estudioso da economia agrícola que foi um dos vencedores do Prémio Nobel de Economia em 1979: todo o conhecimento que for levado aos pequenos agricultores resultará em aumento da produção. Somente com a melhoria do conhecimento e do acesso dos agricultores familiares a técnicas e insumos mais adequados é que será possível ter um sistema de crédito sustentável.

Por fim, o reforço e a modernização do sistema de cooperativas agrícolas pode ser um meio eficaz de organizar os agricultores, proporcionando-lhes maior poder de negociação e acesso a mercados mais amplos.

Nunca é demais sublinhar a responsabilidade do governo em garantir que os recursos necessários cheguem aos que mais precisam. Isso não apenas reforçará o sector agrícola, como também contribuirá para a segurança alimentar nacional e para a redução da pobreza rural. A janela de oportunidade para que Angola realize o seu potencial agrícola é agora. Sem acções decisivas e coordenadas, o país poderá enfrentar uma crise ainda maior de insegurança alimentar e económica, cujos efeitos reverberarão por gerações.

Fonte:Maka Angola

 

 

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