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Parto sem epidural, compressas esquecidas e outras queixas contra maternidades

14-09-2018 - Pedro Vilela Marques

A Entidade Reguladora da Saúde entende, em três deliberações publicadas nesta quarta-feira, que os direitos das utentes não foram respeitados.

a grávida que não recebeu epidural na altura de ter o filho por falta de anestesistas, outra mulher a quem foi deixada uma compressa dentro do corpo depois de uma cirurgia pós-parto e falhas de comunicação sobre cesarianas. Estas são algumas das queixas de utentes contra maternidades, que deram origem a processos da Entidade Reguladora da Saúde (ERS). Nas três situações, que tiveram as deliberações publicadas nesta quarta-feira, o regulador entende que os direitos das doentes não foram respeitados.

O regulador da saúde detetou problemas nas escalas de anestesia no Hospital da Senhora da Oliveira, Guimarães, tendo a própria unidade de saúde reconhecido que o serviço de anestesiologia é um dos mais carenciados. A investigação partiu da queixa da família de uma grávida que fez todo o trabalho de parto sem epidural, depois de ter pedido a anestesia. Em resposta à reclamação, o hospital reconhece que, "lamentavelmente, o dia 7 de fevereiro de 2016 foi um dia fora da normalidade, uma vez que, por ordem do chefe de equipa, uma das anestesiologistas de serviço foi requisitada para acompanhar um doente no pós-operatório imediato, para o hospital de Braga. A transferência e a ausência da médica anestesista decorreu entre as 22.00 e as 23.30. Neste contexto, o procedimento de colocação de cateter epidural para analgesia durante o parto ficaram suspensas temporariamente, por indisponibilidade médica".

Em 2017, a Entidade Reguladora teve conhecimento de mais quatro reclamações que "evidenciam a existência de constrangimentos ao nível das escalas de anestesia" em Guimarães

Argumentos que não convencem um especialista ouvido pela ERS, que indica que a parturiente "tem direito a ter uma analgesia epidural durante o parto" e o motivo invocado para a não realização da mesma "não é válido". O que leva o regulador a concluir que a conduta do hospital "não se revelou consentânea com a garantia dos direitos e interesses legítimos da utente, em especial o direito à prestação integrada e continuada de cuidados de saúde de qualidade, adequados à sua situação clínica e prestados em tempo útil".

Em 2017, a entidade reguladora teve conhecimento de mais quatro reclamações que "evidenciam a existência de constrangimentos ao nível das escalas de anestesia" naquele hospital. Num dos casos, um utente já tinha visto a sua cirurgia ser reagendada quatro vezes por falta de anestesistas. Outra utente queixa-se do facto de ser "a terceira vez que é chamada para cirurgia para oftalmologia", sendo a operação desmarcada por falta de anestesistas.

O próprio hospital, em resposta enviada ao regulador em março deste ano, refere que "o serviço de anestesiologia é um dos mais carenciados", tendo, à data, "apenas 20 médicos especialistas, nem todos em horário completo, e seis prestadores de serviço". Isto apesar de o hospital ter submetido "vários pedidos de contratação" à tutela. "Face às carências evidenciadas, o serviço de anestesiologia tem feito um esforço assinalável para cumprir com a distribuição de médicos em todas as áreas", refere o hospital na resposta que dá ao regulador e que integra a deliberação da Entidade Reguladora da Saúde. Continua a unidade de saúde a explicar que "não existe margem para efetuar muitas substituições em caso de ausências não programadas".

O serviço de anestesiologia é um dos mais carenciados, tendo, à data, apenas 20 médicos especialistas

Segundo um estudo recente da Ordem dos Médicos, faltam mais de 500 anestesiologistas nos hospitais públicos portugueses. Há atualmente 1280 anestesiologistas a trabalhar no SNS, o que dá um rácio de 12,4 profissionais por cem mil habitantes.

Coimbra: falha de comunicação sobre cesarianas

O caso mais mediático entre as deliberações conhecidas ontem aconteceu há um ano na Maternidade Bissaya Barreto, em Coimbra, e resultou na morte do feto e no internamento em "coma induzido" da grávida "por causa da perda de muito sangue". Segundo notícias da altura, que citavam a família, a mulher de 35 anos, que já tinha tido um filho por cesariana quatro anos antes, "foi encaminhada para cesariana, que não se realizou de imediato, por não poder ser anestesiada (...) porque tinha jantado pouco antes" e ficou internada "com indicação para ir para o bloco operatório na manhã seguinte". Mas, nessa manhã, o marido foi informado pela maternidade de "complicações de saúde com a mulher".

Em resposta à ERS, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra detalha essas complicações: "Descolamento total da placenta e rutura uterina por deiscência da cicatriz da cesariana anterior", com a morte do feto. "O incidente ocorrido pelas 05.20 [do dia 28/6/2017] constituiu um episódio agudo, raro e, pelos sinais e sintomas identificados e observações anteriores, não previsível e não evitável", acrescenta o hospital, que conclui que "a atuação de todos os profissionais - médicos e de enfermagem - não violou as leges artis : tendo sido atenta, atempada e cuidadosa em todos os momentos". Conclusões confirmadas por um perito ouvido pela ERS, que sublinha que "a utente foi prontamente assistida, por equipas competentes para as necessidades manifestadas".

No entanto, o que está em causa nesta situação, como o próprio centro hospitalar assume, é que "a grávida tinha agendada uma cesariana no termo da gravidez, tal como é rotina no serviço para todas os casos de cesariana anterior que não entrem em trabalho de parto até às 41 semanas", embora mais à frente o CHUC argumente que "o antecedente de cesariana anterior, sem fatores de risco adicionais (como no caso em concreto), não é indicação para cesariana" e que "o facto de existir um agendamento de cesariana para o caso de estas grávidas não iniciarem trabalho de parto espontâneo até às 41 semanas não corresponde, no entendimento do Serviço de Obstetrícia B do CHUC, a um compromisso de intervenção cirúrgica". Portanto, "não houve, consequentemente, adiamento de qualquer intervenção".

Procedimento é passível de criar mal-entendidos, ou perceções incorretas, entre o Serviço/Profissionais e as Grávidas/Utentes

Mas, ainda assim, o hospital reconhece que este procedimento é "passível de criar mal-entendidos, ou perceções incorretas, entre o serviço/profissionais e as grávidas/utentes". O que o leva a recomendar que esta prática não continue e que "a questão da via do parto, nestas circunstâncias clínicas, seja abordada com as grávidas ao longo da assistência pré-natal, com os esclarecimentos necessários, tendo em vista as vantagens reconhecidas dos partos vaginais quando ao antecedente de cesariana não se associam outros fatores de risco". Partindo desta ideia, na instrução emitida ao Centro Hospitalar de Coimbra, a entidade reguladora quer que o hospital reveja os procedimentos no que se refere ao agendamento de cesarianas, assim monitorizando de forma permanente as "parturientes, porquanto considera que [...] a monitorização ajuda a ter-se registos muito frequentes, logo facilmente seria detetado" o problema que esteve na origem da queixa.

MAC: compressa deixada dentro do corpo

Em 2016, depois de um parto complicado que durou 48 horas, como relata uma familiar na queixa apresentada, uma parturiente da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, em Lisboa, teve de fazer uma ressutura do períneo. Alérgica a analgésicos, e já em casa, "os dias passavam (...), cada vez tinha mais dores... não conseguia andar, não conseguia de maneira nenhuma sentar-se e aparentemente não existia razão para que tal acontecesse de forma tão intensa", conta a mãe da doente, que mora em Sines. Mais de uma semana depois do parto, além das dores, a mulher aparentava também ter quebras de tensão, tinha suores, falta de força, aperto no peito e nas costas. "O episódio repete-se e chamo o INEM", continua a familiar, "para a levar para as urgências do Hospital do Litoral Alentejano, em Santiago do Cacém. Foi examinada pelo médico de serviço e encaminhada para a equipa de cirurgia para verificarem se estava tudo bem com a costura". A costura estava bem, "o que não foi normal foi retirarem-lhe de dentro da vagina uma compressa quase putrefacta que ficou 'esquecida' após a terem cosido".

A MAC admite que "não houve o devido cuidado após a ressutura efetuada de retirar a compressa", facto pelo qual pediu desculpa

Esquecimento reconhecido pela MAC, em reposta à reclamação, em que admite que "não houve o devido cuidado após a ressutura efetuada de retirar a compressa", facto pelo qual pediu desculpa. Mais, informou mais tarde o Centro Hospitalar de Lisboa Central, do qual faz parte a maternidade, "as utentes no puerpério de parto por via vaginal não são por rotina sujeitas a avaliação ginecológica imediatamente antes da alta". Como atenuante, o CHLC salienta que "uma compressa pequena, como era o caso, embebida em sangue, facilmente se confunde com um coágulo, levando por vezes à sua difícil identificação para que fosse removida". Argumento criticado pela ERS, que afirma "não merecer qualquer acolhimento".

"A não retirada de uma compressa vaginal impacta gravemente com o direito a uma prestação de cuidados de saúde de qualidade e com segurança", conclui o regulador, que acusa o CHLC de não cumprir "o seu dever primordial de garantir, a todo o momento, a prestação de cuidados de saúde adequados e tecnicamente mais corretos". A MAC garante já ter elaborado uma instrução de trabalho denominada Remoção das Compressas de Tamponamento Vaginal e uma checklist para verificação dos procedimentos no parto vaginal para evitar "algum lapso", medidas que a ERS alerta que devem ser "efetivamente cumpridas e respeitadas pelos profissionais ao seu serviço".

ERS acusa o CHLC de não cumprir "o seu dever primordial de garantir, a todo o momento, a prestação de cuidados de saúde adequados e tecnicamente mais corretos

A Maternidade Alfredo da Costa foi notícia nas últimas semanas, depois de os chefes de equipa de ginecologia e obstetrícia terem ameaçado demitir-se em protesto contra a falta de recursos humanos e a exaustão. Na mesma altura, em julho, a Ordem dos Médicos denunciou que o encerramento de salas de parto na MAC obrigou à transferência de grávidas a meio do trabalho de parto para outras maternidades.

Mas a falta de profissionais nas urgências de obstetrícia estende-se a outras regiões do país. Também em julho, o Amadora-Sintra teve problemas nas escalas na urgência de obstetrícia. Como o DN noticiou recentemente, tendo por base dados da ordem, 90% das urgências de obstetrícia do país têm falta de médicos.

Fonte: DN.pt

 

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